Construção e desconstrução

Na coluna desse mês Xuxa fala sobre a importância do processo diário de desconstrução, evolução e aprendizado para que possamos nos construir cada dia melhores

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Tô aqui pensando nesses meus quase 60 anos… Vejo como já aprendi e ainda tenho tanta coisa pra aprender… Sasha era bem pequena quando eu fui apresentada a um projeto de lei que não toleraria violências físicas e verbais contra crianças. Tive acesso aos números de crianças que morrem no Brasil e no mundo por causa da violência, muitas delas disfarçadas de correção, educação, pois lá atrás foi dito que devíamos bater pra educar.

Essa cultura se estendeu por muitos anos na escravidão, na educação, em mulheres e crianças… Sei que isso é cultural e que estamos aqui pra evoluir, aprender, mudar, para nos construirmos e desconstruirmos diariamente. Estamos caminhando: seja na vestimenta, com a moda sustentável, na alimentação, com escolhas mais saudáveis, nos vícios como o cigarro, que antes era símbolo de sucesso e hoje é visto como droga, seja  na educação com nossos filhos – dialogar ao invés de bater – e o mesmo com os animais, pois não devemos bater pra ensiná-los ou mesmo usá-los para nosso bel prazer.

Mas, voltando à campanha contra a violência que culminou na Lei Menino Bernardo, fiquei bastante aflita em como comunicaríamos para mães e pais, que aprenderam apanhando, que “Nenhum tipo de violência com um ser indefeso é admissível”.
Aos poucos, fui lendo, conhecendo histórias de jovens presos que aprenderam dentro de casa que podiam bater nos mais fracos. Sim, porque se um lutador ou policial passar na frente, o lado muda, ele se torna o mais fraco, o frágil.

Eu já devo ter ouvido muita besteira sem fazer nada ou até achado normais muitas histórias e piadas que hoje me dão vergonha. Então, aproveito esse espaço para me desculpar por erros que hoje não aceitaria. E por que isso agora? Porque aprendi, me informei e sei que estamos em evolução diariamente. Por exemplo, muitas coisas escritas no Velho Testamento mudaram e melhoraram, e muitas coisas ainda têm que mudar para se encaixarem nos dias de hoje, pois esse Deus vingativo e que vê pecado e pecadores em tudo não tá legal.

O meu Deus é muito gente fina e ama todos os seus filhos do jeito que são. Esses filhos não devem estar nada satisfeitos com pessoas que se vêem no direito de julgar e condenar as outras como pecadoras ou com o povo interpretando palavras escritas e traduzidas por homens há centenas de anos dessa forma.

Na verdade, o que eu queria era não só me desculpar por ser um ser humano em evolução, mas sim por não ter visto certas coisas antes. Poderia ter me tornado vegana há anos se tivesse me informado, aprendido, evoluído antes. Ouvi, falei, mas também deixei de falar tantas coisas nesses anos todos…
Como me arrependo de não ter dado voz a tantas crianças abusadas. Por que não falei antes sobre meus abusos? Esperei a Sasha nascer e crescer um pouco pra tomar coragem. Por que? Podia ter ajudado tantas pessoas, tantos bichos… Eu queria ter mudado antes, mas sei que só com a maturidade ganhamos isso.

Não me calarei quando vir uma criança na rua se vendendo e um adulto achando que está fazendo um favor fazendo sexo com ela. NÃO. Isso não é normal: é pedofilia, é exploração sexual, é doença, é crime. Não me calarei se uma mãe ou pai achar que bater em criança é normal ou apenas um corretivo. Não é, e a Lei Menino Bernardo existe pra provar isso.
Não me calarei se algum homem disser que bater em mulher é certo. Direi que a Lei Maria da Penha ta aí pra mostrar que ele está errado.

Não me calarei com apologia sobre maus tratos em animais, pois também é crime e a Lei existe e tem que ser cumprida. Não me calarei se vir alguém sendo homofóbico, pois homofobia é crime. Não me calarei se vir alguém desdenhando e ofendendo uma pessoa preta, pois isso é racismo e é crime.

Não me calarei ao ouvir que DEUS não ama quem não é da mesma religião, da mesma crença ou porque alguns se reconhecem em gêneros diferentes. Todos existimos e somos filhos de Deus. Ele criou TODOS nós e nos ama muito.

O meu Deus é AMOR e é essa bandeira que eu levantarei até a minha morte. Enquanto viver não me calarei e tenham certeza de que me desconstruirei sempre para me construir melhor, pois é assim que Deus quer me ver: feliz e sendo melhor a cada dia.

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Fonte globo
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