Artistas debatem no Supremo decreto de Bolsonaro sobre Conselho Superior de Cinema

Ministra Carmen Lúcia disse que objetivo não foi debater censura: 'Censura não se debate, censura se combate'. Decreto transferiu conselho do Ministério da Cidadania para Casa Civil.

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O cantor e compositor Caetano Veloso, o cineasta Luiz Carlos Barreto, atores e representantes do governo participaram nesta segunda-feira (4) de uma audiência pública na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) convocada pela ministra Cármen Lúcia para debater o decreto do presidente Jair Bolsonaro que transferiu o Conselho Superior de Cinema do Ministério da Cidadania (que absorveu a antiga pasta da Cultura) para a Casa Civil.

A ministra é relatora de uma ação do partido Rede Sustentabilidade. O partido argumenta que o governo pretende censurar a produção audiovisual por meio do esvaziamento do Conselho Superior de Cinema. Com o decreto, o governo reduziu pela metade o número de representantes da indústria cinematográfica no conselho. O governo nega censura.

Criado em 2001, o conselho é responsável por formular a política nacional de cinema, aprovar diretrizes para o desenvolvimento da indústria audiovisual e estimular a presença do conteúdo brasileiro no mercado.

Ao dar início à audiência, Cármen Lúcia afirmou que objetivo da audiência é transmitir “visão aprofundada, técnica” para que os demais ministros do Supremo tenham conhecimento específico sobre o tema. E negou que o debate seja sobre a censura.

“Eu li que este STF, nesta tarde de hoje, iria debater a censura no cinema. Errado. Censura não se debate, censura se combate, porque censura é manifestação de ausência de liberdades. E democracia não a tolera. Por isso a Constituição Federal é expressa ao vedar qualquer forma de censura”, afirmou a ministra.

Cármen Lúcia disse ainda que é responsabilidade de todos os servidores públicos exercer um papel de guarda da Constituição Federal “para impedir que a liberdade seja de novo restringida, cerceada e de alguma forma cassada”.

“Vencemos tempos de não se poder dizer, de não se poder produzir, de mal e mal se poder pensar”, disse a ministra.

Cármen Lúcia ressaltou também que a manifestação do pensamento não sofrerá qualquer restrição, conforme a Constituição, e que é pela produção da cultura que se conhece a história de um povo.

Segundo Cármen Lúcia, a história se conta pelo teatro, música, cinema, cultura e dança.

“A cultura é a expressão da história da cultura de cada povo. (…) Nunca vi a história de qualquer povo ser narrada em moedas”, disse.

Audiência pública no STF sobre liberdade de expressão, política, cultural e de comunicação — Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A audiência

Saiba o que disseram os convidados para a audiência (de acordo com a ordem da manifestação de cada um):

  • José Vicente Santini, secretário-executivo da Casa Civil – “Cinema é muito importante. E se veio para a Casa Civil da Presidência da República é porque nós estamos dando importância. Não teria vindo se não fosse importante. Os assuntos mais importantes da República estão na Casa Civil da Presidência da República. Se esse conselho voltou para a Casa Civil, onde foi criado originalmente, é porque é uma prioridade.”
  • Ricardo Fadel Rihan, secretário do Audiovisual, da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania – Afirmou que o atual governo “busca restituir a governança” e “em nenhum dos mecanismos há cerceamento de qualquer tipo liberdade de expressão, mas uma diretriz a se seguir, a depender das linhas submetidas ao crivo do comitê gestor do fundo setorial”.
  • Carolina Kotscho, presidente da Associação Brasileira de Autores e Roteiristas – “Seja por meio de censura, filtro ou curadoria, é inadmissível e ilegal que o Poder Público determine ações que, de qualquer maneira, possam limitar, direcionar ou restringir a liberdade de criação e pensamento de artistas e intelectuais, jornalistas, professores e cientistas, bem como a produção de bens artísticos e culturais e o devido acesso da população.”
  • Luiz Carlos Barreto, cineasta – “Nós, neste momento, estamos atravessando uma névoa, uma nuvem de obscurantismo, entendeu? E que está partindo exatamente de onde não podia partir, de um ministério chamado da cidadania.”
  • Caco Ciocler, ator – “A gente só veio para cá porque em algum lugar a gente está sentido a censura na pele. É uma questão prática, não é uma questão de discurso”, afirmou. O ator afirmou ainda que a classe vem sofrendo “acuamentos” públicos e privados “preocupantes e equivocados”.
  • Dira Paes, atriz – “Nossos representantes dentro das secretarias culturais têm que ser nossos representantes, não nossos antagonistas”, defendeu. “Não vamos nos acovardar, nós temos uma lei de uma mãe da cultura brasileira que foi atacada diretamente no coração, isso atingiu a todos na jugular. Nós estamos bravos, tristes, mas isso não nos paralisa, mas isso nos dá mais poder de criação, porque se cria na crise”, afirmou a atriz.
  • Caio Blat, ator – Segundo o ator, a “censura já está de volta”. “De forma velada, de forma imunda, de forma disfarçada, mas o que acontece é que a censura voltou pior do que era 1964 e 68. Porque ela era declarada, institucional. E agora o que está se fazendo é uma limpeza ideológica velada. E tentando excluir os mais fracos da sociedade”, disse. “Nós estamos sabendo todos os dias do cancelamento de peças por conteúdo ideológico, sexual, de diversidade“, afirmou.
  • Caetano Veloso, cantor e compositor: “O governo dirá que não proíbe arte, que não está prendendo ou interrogando autores, que artistas são perfeitamente livres para expressarem suas ideias, sua sexualidade, suas religiões. Não existe mais um departamento de censura, não existe mais o cargo de censor, que o estado não pretende impedir a difusão de obra alguma. Ao contrário do passado, o estado apenas se reserva o direito de não financiar artistas e temáticas que não estejam em desacordo com o projeto que foi feito nas urnas pela maioria do povo. Ao contrário da censura, a suspensão do edital é democrática. Pois é exatamente aí que vive a essência da censura”, afirmou. “O artista no fundo é coadjuvante de uma história maior. Pois o maior protagonista é o público. É mais sobre o direito de escutar do que o de dizer. É o direito do espectador de ter ideias variadas, inclusive diferentes das que ele já conhece e aprova. E aí, na autonomia do público, no seu direito de ser exposto ao novo, ao desconhecido, que reside a importância cultural e democrática da liberdade de expressão.”

Ao encerrar a audiência, a ministra Cármen Lúcia afirmou que há um dado na realidade possível de ver, e outro, não. “O amor não é visível, o ódio não é visível, o medo não é visível”, afirmou.

A ministra afirmou que “o medo é quase sempre o fator de imobilização das pessoas”, mas que o exercício da liberdade “está posto na Constituição”. “Vamos continuar fazendo com que a Constituição prevaleça sobre todas as dificuldades.”

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Fonte globo
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