Relatório da PEC da Transição mantém risco fiscal e pode exigir maior carga tributária, dizem analistas
Especialistas criticam falta de indicação de como financiar gasto extra e uso de argumentos econômicos equivocados pelo relator
O relatório da PEC 32, ou PEC da Transição, apresentado nesta terça-feira pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), que prevê elevar em ao menos R$ 175 bilhões o gasto extra-teto por dois anos, mantém elevado o risco de explosão da dívida pública segundo analistas. E para evitar impactos mais pesados, vai exigir uma elevação de carga tributária para seu financiamento.
Victor Candido, economista-chefe da RPS Capital, criticou especialmente dois argumentos econômicos presentes no substitutivo que ele classificou como falaciosos. O primeiro é a Teoria Monetária Moderna, que defende ser possível “imprimir dinheiro” para financiar o Estado porque isso não geraria inflação. “Isso é uma mentira, é uma teoria que nunca foi adotada de verdade, é uma distorção dos fatos”, comentou.
Ele argumentou que adotar tal estratégia num país emergente como Brasil, tará como resultado a situação da Argentina, onde as pessoas não confiam mais no sistema financeiro local e poupam em moeda forte, que é o dólar.
O segundo ponto errado do texto citado por Candido é supor que a NAIRU (termo em inglês para taxa de desemprego não aceleradora da inflação) do Brasil é de 5%. “Isso é uma mentira. No melhor momento do Brasil, tivemos um desemprego de 6% e uma inflação que disparou em 2014. Então é mais um argumento falacioso, mostra que não há uso da ciência econômica de qualidade”, disse.
As críticas desses argumentos também foram feitas nessa tarde via Twitter pelo ex-diretor do Banco Central Tony Volpon. Entre as “pérolas da magia negra denominada MMT” que entraram no texto, ele destaca a citação que a teoria keynesiana tradicional, bem como a chamada Teoria Monetária Moderna (ou MMT) recomendam a expansão de gastos públicos sem a devida compensação na forma de elevação de tributos.
“Qualquer conhecimento rudimentar de Keynes sabe que tal expansão só se justifica se uma economia está em depressão, e que déficits devem ser compensado por superávits de forma anticíclica”, disse o ex-BC, que hoje é sócio e estrategista-chefe da WHG.
Volpon também citou o trecho que afirma que “o aumento de gastos públicos não pode provocar crise de desconfiança em países que emitem dívida na própria moeda”. “Se isso for verdade por que não zerar a carga tributária e financiar todo o gasto público via emissão primária de moeda”, pergunta.
Ele lembrou que visões desse tipo já foram usadas pelo Partido Democrata nos EUA. “Qualquer tentativa de colocar tais ideias na prática levaria a uma explosão de volatilidade e inflação que ninguém da classe política aceitaria”, disse.
Para Candido, é possível fazer também críticas à proposta em si porque ela, por exemplo, coloca a possibilidade de revisitar o teto mais à frente sem a obrigação de votar uma nova Proposta de Emenda Constitucional. “Além da questão fundamental que R$ 175 bilhões a mais (o necessário apenas para pagar o Auxílio Brasil) em dois anos coloca uma pressão grande de dívida pública. Nas nossas contas, vai ter que fazer um aumento de carga tributária grande, entre 1% e 2% do PIB para equalizar isso”, previu.
Essa possibilidade de elevação da carga tributária também faz parte dos cenários traçados pela WHG, que projeta a necessidade de uma lata de até 1% em caso de um gasto extra-teto de R$ 175 bilhões.
E nem o valor de R$ 175 bilhões ou R$ 198 bilhões (com os R$ 23 bilhões em investimentos) são garantidos, A XP Investimentos diz em relatório que o impacto final pode ser superior a R$ 225 bilhões. O motivo é que a proposta orçamentária de 2023 foi encaminhada ao Congresso com teto de gastos corrigido por um IPCA estimado de 7,2%, que deveria ter sido atualizada mensalmente, mas não foi.
“Somente essa ausência de atualização já implica uma elevação de despesas de R$ 24 bilhões em relação à regra do teto”, lembrou a XP. Ou seja, com as mudanças da PEC da Transição, a despesa adicional chegará a mais de R$ 225 bilhões, ou 2,2% do PIB – e a expansão dos gastos tende a ser permanente.
A XP diz que permanece em aberto como será financiada a expansão de gastos nos próximos anos e, enquanto essa equação não for solucionada, a expectativa é de um cenário mais turbulento, com possível manutenção de taxas de juros em patamar mais elevado por um período mais longo e um crescimento da atividade econômica potencialmente menor
Candido da RPS Capital concorda. “É um texto ruim, que coloca pressão fiscal. No momento, tem arrecadação sobrando, mas no que vem o País vai desacelerar e o mundo vai desacelerar. A gente está entrando num balaio de gatos fiscal bastante complicado. E há chance disso tudo resultar numa explosão de prêmio de risco. Parece que gente pode voltar a ter um ambiente econômico e de mercado muito similar ao de 2015 e 2016”, afirmou, lembrando a crise do final do abreviado governo de Dilma Rousseff.