Para economistas, corte sequencial de juros pelo BCE parece improvável
O Banco Central Europeu (BCE) entregou nesta quinta-feira (6) – conforme esperado e até antecipado pela própria autoridade monetária – o primeiro corte nas taxas de juros na região desde 2019, mas optou por uma comunicação cautelosa, na tentativa de afastar projeções de corte sequenciais, avaliam os economistas.
Eles destacam que, além de frisar que vai depender de dados a cada reunião para tomar suas decisões de política e de alegar que “não se compromete previamente com uma trajetória de taxa específica”, o Banco também elevou, ainda que levemente, sua expectativa de inflação para este ano e o próximo.
Andressa Durão, economista da ASA Investments, afirma que o comunicado do BCE teve um “saldo hawk”, ou seja, mais duro, ao se colocar dependente dos dados para as próximas decisões e ao afirmar que manterá as taxas de juros suficientemente restritivas durante o tempo necessário..
Além disso, na entrevista coletiva, a presidente Christine Lagarde, ponderou que os próximos meses podem trazer obstáculos em relação à desaceleração da inflação. Andressa disse ainda que a chefe do BCE chamou bastante a atenção para a questão dos salários, que ficaram acima do esperado no primeiro trimestre.
“A comunicação de hoje sugere que um segundo corte na próxima reunião está descartado, mas setembro ainda está na mesa, condicionado a dados benignos de inflação nos próximos meses, de forma que não haja novas revisões das projeções de inflação para cima”, estima a economista da ASA.
César Garritano, economista chefe da SOMMA Investimentos, também diz ter visto o BCE pendendo, levemente, para o campo ‘hawkish’, com a comunicação escrita e verbal indicando que os próximos passos de política monetária serão dependentes dos dados e tomados “reunião por reunião”.
“A própria leve elevação da projeção da autoridade monetária para o núcleo de inflação para o ano de 2025, de +2,1% para +2,2%, sustenta esse viés um pouco mais ‘hawk’ dos eventos de hoje do BCE”, argumenta.
Para Garritano, a não ser que os dados econômicos venham muito abaixo do esperado até a reunião de julho, aparentemente o BCE está confortável com a chance de ser bem vagaroso no processo de alívio monetário adiante. “Ou seja, a hipótese de cortes de juros sequenciais a partir de hoje, no restante de 2024, parece ser algo praticamente descartado”, concorda.
Ele alerta ainda que o fato de o principal BC do mundo, o Fed, demorar um pouco mais para desapertar sua política monetária, ainda que seja um ponto não verbalizado pelo BCE, é algo que está sendo considerado pelas autoridades europeias em seus cenários.
“Seguimos antevendo amplo espaço para desaperto da política monetária na zona do euro ao longo dos próximos meses. Supondo que o BCE não corte tanto a taxa básica de juros neste ano, isso significará, no final das contas, um caminho mais amplo para reduções em 2025.”
Projeções de inflação mais altas
Gustavo Spinola, estrategista chefe da RB Investimentos, também destaca o fato de o BCE ter subido um pouco as projeções de inflação deste ano e do próximo. “Ele reiteram bastante que vão olhar os dados, pouco a pouco, para tomarem suas decisões de cortes de juros e colocam que não tem uma taxa final que eles se comprometam”, frisa.
Spinola diz que é relevante para o Brasil e para outros países emergentes que o primeiro grande banco central tenha iniciado sua flexibilização. Para ele, após o BCE e o Banco da Inglaterra, que deve fazer o mesmo na próxima semana, e com a perspectiva de o Fed seguir esse caminho até o final do ano, deve ajudar a tirar um pouco a força das grandes moedas e diminuir um pouco o fluxo para esses mercados.
“Por enquanto, obviamente, é muito pouco. Olhando mais uma vez para o comunicado, eles vão fazer isso com muita cautela, essa revisão de inflação para cima não é qualquer coisa. O corte de juros, mesmo com essa revisão, mostra que os próximos passos podem ser extremamente lentos, podem demorar bem mais para chegar a um patamar mais baixo do que o mercado gostaria.”
Para Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management, embora a decisão de hoje tenha sido totalmente antecipada, o mercado irá ponderar sobre o fato de que o BCE está cortando as taxas de juros em um momento de recuperação econômica gradual e cíclica.
“O BCE navegou com sucesso pelo pico de inflação pós-Covid e agora pode colher os frutos. No entanto, as revisões para cima da previsão de inflação, bem como as recentes surpresas positivas no crescimento dos salários e na atividade econômica, enfatizam a necessidade de uma abordagem cautelosa nas futuras decisões políticas”, analisa.
Shah acredita que Lagarde terá o cuidado de evitar um compromisso com uma trajetória futura de política, “o que sugere que um corte na taxa de juros em julho é muito improvável”.
Já Leandro Ormond, analista da Aware Investments, acredita que a decisão pode trazer um certo alento ao mercado brasileiro, entendendo que a condução da política monetária na Europa pode influenciar no ciclo de queda de juros dos EUA e dos países emergentes.