Faltam R$ 200 bilhões anuais em investimentos para modernizar a infraestrutura, mostra estudo

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A infraestrutura brasileira precisaria de mais de R$ 200 bilhões em investimentos além dos previstos  todos os anos para atingir um ponto de modernização  e universalização para atender toda a população. O dado é da consultoria InterB, que lança nessa terça-feira, 30, sua 23ª Carta de Infraestrutura. Nas contas da consultoria, o investimento em infraestrutura em 2023 foi de 1,79% do PIB, valor próximo de R$ 200 bilhões. Para este ano, a projeção é levemente maior, de 1,87% do PIB. Na prática são necessários aproximadamente R$ 400 bilhões por ano.

“Os investimentos em infraestrutura no biênio 2023-24 irão apresentar com toda a probabilidade uma trajetória inicialmente de estagnação em termos reais e redução como proporção do PIB, e posterior retomada, com ganhos reais projetados de cerca de 7% no corrente ano, com R$ 215,83 bilhões, impulsionado tanto pelo setor público (uma expansão de 10,45%) como pelo setor privado (5,24%), ambos em termos reais”, diz o documento. “Apesar da reação projetada em 2024, ainda não se observa uma “quebra estrutural” na trajetória dos investimentos, sejam públicos, privados ou agregados. Estes permanecem abaixo de 2% do PIB e distantes do esforço necessário para atingir um estoque de capital consistente com uma infraestrutura modernizada, resiliente e inclusiva – possivelmente uma magnitude na vizinhança de 65% do PIB, enquanto o estoque projetado para 2024 é de 35,5% do PIB.”

De acordo com o economista Claudio Frischtak, presidente da InterB, os estudos apontam que seria necessário 4% do PIB em investimentos, de Capex [investimentos em bens de capitais], ao longo de duas décadas para atingir uma infraestrutura modernizada. “E modernizada no seguinte sentido: não é de fronteira. Não se trata de ter um setor de telecomunicações da Finlândia ou saneamento do Japão, que estão na fronteira. É algo que permitiria que praticamente quase toda população a ter acesso. Temos que fazer esse esforço, que não é simples. Outros países já conseguiram fazer. Transitar de 1,7% a 1,8% do PIB para nos próximos anos conseguirmos investimentos de 4% a 4,2% do PIB. Estamos muito distantes”, diz.

Investimentos públicos e privados

Segundo Frischtak, quando se avalia a decomposição dos investimentos, houve uma inversão na porcentagem de investimentos privados e públicos nos últimos anos. Em 2010, o setor privado representava 43% do total dos aportes. Atualmente, dois terços do investimentos vem de agentes privados e um terço do setor público. “Do ponto de vista do desempenho privado, isso é muito interessante. Na maior parte dos países, essa proporção do setor público é um pouco, numa relação de 60/40 ou 50/50”, diz. “Outros países, como Reino Unido e Nova Zelândia, estão mais próximos desse padrão visto no Brasil.”

No entanto, apesar das ambições do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de ampliar investimentos, uma razão muito prática impede o avanço do Estado como indutor de investimento: a restrição fiscal.

“Por uma série de características do país, é muito difícil ampliar os investimentos públicos. Temos uma restrição fiscal estrutural. Decidimos gastar em outras coisas. É uma decisão da Constituição, que foi ratificada pelas pessoas que votaram. Saúde, educação, por exemplo, têm um bloco de recursos já assegurados. Pode melhorar eficácia, mas é um bloco grande”, afirma Frischtak. “Temos um Estado meio pesado, com gastos grandes. Como isso se traduz em nível do orçamento do Estado? Cada vez menos espaço. O resultado é que o investimento acaba sendo um resíduo em um processo muito complexo de alocação de recursos.”

Nas contas da InterB, o setor público conseguiria saltar dos atuais 0,6% do PIB em investimentos estimados e chegar a 1%. “Desde 2015, tivemos um agravante: a expansão dos gastos via emendas parlamentares tem deixado menos espaço para investimentos públicos inscritos num processo razoável de planejamento e programação e boa execução. A capacidade do setor publico de ampliar seus investimentos muito acima de 1% do PIB é muito limitada”, afirma o presidente da consultoria.
Segundo ele, a agenda que precisa ser perseguida é a de atração de recursos privados. “Teria de sair do que já investe, cerca de 1,3% do PIB, para 3% do PIB. Se pensarmos em termos de número, é uma brecha no campo privado de 1,8% do PIB, algo próximo a R$ 200 bilhões”, diz.

Mais investimentos privados

E como avançar nessa agenda? Para Frischtak, esse processo não terá “bala de prata” e não será feito no curtíssimo prazo. “Mas a experiência da América Latina e da Ásia mostra que é um processo gradativo que precisa de alguns alicerces”, afirma.
Entre eles, a segurança jurífica. “Fizemos um trabalho para o Banco Mundial e conversamos com centenas de empresários das capitais e do interior do país. Impressiona a razão recorrente que muitos dão (a maior parte) como barreira ao investimento ser a insegurança jurídica”, afirma. “E o que entendem como insegurança? A dificuldade de entender decisões do Judiciário à luz do direito.”

De acordo com ele, há decisões, portarias e outros normativos — especialmente em matéria tributária — que surgem “de supetão” e pegam os empresários e investidores desprevenidos. “Uma parte disso é tributação. O antigo regime tributário é um dos mais complexos do mundo e que está enquadrado num conjunto de milhares de normas, emitidas diariamente”, diz.
Além disso, é preciso garantir previsibilidade regulatória. Em sua avaliação, o ambiente regulatório, apesar de esforços de muitos atores, sofreu uma deterioração. “A escolha de dirigentes de agências reguladoras não deveria ser influenciada pelos interesses políticos de A, B C ou D. As agências precisam de autonomia para reduzir o risco regulatório. Quanto maior ele é, maior o risco”, diz. “Assim, menos projetos se tornam viáveis. Não adianta lançarmos megaplanos, se não conseguirmos enfrentar com vontade política e alicerce técnico a previsibilidade regulatória.”
Medidas como essas podem ser enfrentadas em três grandes agendas: o acesso do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), que reúne as maiores economias do mundo, a busca pelo investment grade de grandes agências de classificação de risco e o crescimento do project finance no país.
“É fundamental que o Brasil acesse a OCDE. Essa instituição assumiu uma importancia muito maior do que há 15 anos atrás. Uma das razões é a perda de densidade da Organização Mundial do Comércio. Muitos investidores colocam nos seus estatutos que, para investir, o país em questão tem que aderir à OCDE. Facilita muito o processo decisório de investidores”, afirma.
O documento é ainda mais didático:
“O país não pode prescindir de recursos externos. Nesse sentido é fundamental perseguir uma melhora na classificação de risco visando o grau de investimento nos próximos poucos anos, a acessão à OCDE e a adesão às suas disciplinas, cuja importância não pode ser minimizada, e garantir um ambiente econômico de maior estabilidade e previsibilidade. São essas ações essenciais para que o fluxo – hoje ainda limitado de recursos – se amplie de forma consistente com as necessidades país no médio e longo prazo.”
Na frente do grau de investimento, Frischtak lembra, houve avanço. No ano passado, as agências de risco S&P, Fitch e Moody’s melhoraram as notas do Brasil.  De maneira geral, seguir no caminho do aumento das notas significa conter o crescimento da dívida em relação ao PIB, controlar gastos e diminuir os riscos de investimentos. “Gradativamente retomamos ao caminho do grau de investimento e o governo precisa se convencer da enorme importância disso”, diz.
Por fim, o economista pontua que o país vive a “antevéspera de uma transformação significativa do financiamento privado à infraestrutura”: a introdução do project finance, no qual o financiamento de um projeto é dimensionado e pago pelas receitas que gerará quando entrar em operação. Segundo Frischtak, a modalidade já existe, mas existe até uma brincadeira no mercado sobre “falsos” projetos do tipo. “O verdadeiro project finance é quando se obtém o financiamento num projeto greenfield [que se inicia do zero], ou brownfield [já em andamento], antes de começar a execução com base na garantia do seu fluxo de caixa e dos ativos que se vai constituir ao longo do tempo”, afirma o economista. “Nesse processo, o financiador toma risco. Mas isso livra o balanço das empresas.”
Para ele, algumas iniciativas indicam esse caminho, como o projeto de 2022 do BNDES na concessão da rodovia estadual MT-100, cujo crédito de R$ 200 milhões conta somente com garantias advindas de receitas geradas pelo próprio projeto. A vantagem é a maior inclusão de seguradoras no processo, a exemplo do que ocorre em outros lugares do mundo. “Quem dá as garantias são as empresas, com base no balanço. Lá fora, tem outro agente com papel fundamental nesse processo: as seguradoras. Elas têm um papel essencial em ajudar a filtrar a qualidade dos projetos. Elas têm centenas de engenheiros que vão olhar o projeto no detalhe e fazer avaliação se faz sentido segurar o projeto e quanto vai segurar”, afirma. “Se não der certo, a seguradora faz o step-in, assume.”
Para ele, houve alguns processos nesse estilo nos últimos três anos que, agora, dependem da resposta do Judiciário, na busca por segurança jurídica.
“De maneira geral, o que a carta deste ano mostra é que os investimentos em 2023 e 2024 descrevem uma parábola. Caíram no ano passado, nas nossas estimativas, e voltam a se expandir em 2024, abaixo de 1,9% do PIB”, diz. “Esses números mostram que embora tenha havido ganhos reais, não houve um salto transformador nesse ano.”
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Fonte exame
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