Economia quer usar movimento de servidores por reajustes como pressão para aprovar reforma administrativa em 2022
Deputados da base aliada e oposição, no entanto, não enxergam espaço para debate da medida em ano eleitoral; governo prevê que mudanças nas regras do serviço público poupariam R$ 450 bilhões em dez anos
Apesar de se posicionar contrário e ter alertado o presidente Jair Bolsonaro (PL) das consequências negativas de conceder reajuste salarial para determinadas categorias, o Ministério da Economia vê na mobilização de parte dos servidores uma oportunidade de pressionar o Congresso a aprovar a reforma administrativa ainda em 2022. A equipe econômica justifica que a ratificação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 vai abrir espaço no orçamento para atender as demandas de reestruturação salarial do funcionalismo federal. O governo espera que a reforma gere uma economia de até R$ 450 bilhões em dez anos. O texto que altera regras do serviço público chegou a passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em maio de 2021, mas nunca foi levado ao plenário pela falta de acordo para a aprovação. A PEC ainda precisa ser chancelada pelo Senado antes de ir para a sanção do presidente.
Deputados da base aliada do governo e da oposição, no entanto, descartam a possibilidade de avanço da reforma administrativa em pleno ano eleitoral. Apesar de o ministro Paulo Guedes ter reiterado em diversas oportunidades que as mudanças propostas não vão atingir os atuais servidores, parlamentares não enxergam clima para o debate de pautas polêmicas. “Não há a menor possibilidade de se aprovar uma reforma administrativa neste ano. É ano eleitoral, e a reforma administrativa não vem para dar nada para ninguém, vem para tirar”, afirma o deputado Capitão Augusto (PL-SP), vice-líder do partido de Bolsonaro na Câmara. A visão é compartilhada pelo deputado Marcelo Ramos (sem partido-AM), vice-presidente da Casa. “Não vejo hipótese de aprovação da reforma administrativa”, diz. Em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, no fim de dezembro, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que “não há ambiente para a votação de reformas em 2022”.
A pressão de diversas categorias da administração federal por reajustes salariais se tornou o novo ponto de tensão entre a ala política e econômica do Planalto. O Ministério da Economia fez uma série de alertas ao presidente sobre o efeito de “estouro da boiada” que a aprovação do reajuste aos servidores federais da segurança pública teria sobre outras categorias. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que reúne 37 entidades associativas e sindicais e representa mais de 200 mil servidores federais e estaduais, aprovou no fim de dezembro uma série de mobilizações em janeiro e em fevereiro para pressionar o governo por reajustes salariais. O movimento foi deflagrado após a autorização de R$ 1,7 bilhão no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022 para aumento salarial de servidores da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Penitenciário Nacional (Depen). A mobilização se espraiou para outras repartições e também contará com a adesão de funcionários da Receita Federal, do Banco Central (BC) e das áreas de planejamento e orçamento federal.
À Jovem Pan, pessoas próximas ao ministro Paulo Guedes afirmaram em caráter reservado que o presidente estava ciente das consequências que a medida teria no rompimento do teto de gastos e os seus reflexos no aumento da desconfiança do mercado financeiro na capacidade de o governo conter a expansão fiscal às vésperas da eleição. A medida deve aprofundar a deterioração de indicadores econômicos e impactar na manutenção da inflação em patamar elevado e na escalada dos juros — isso em um ano já cercado de desafios e com previsão de baixo crescimento das atividades. Apesar dos reiterados avisos e da defesa de Guedes do compromisso fiscal, é pouco provável que o ministro deixe o cargo caso as demandas por readequações salariais sejam atendidas pelo governo federal. Também está descartada uma nova debandada de auxiliares da Economia, como a vista em outubro com a participação do ministro nas articulações da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, que, entre outras coisas, alterou a regra do teto de gastos. A pressão pela expansão fiscal em meio ao processo eleitoral já era aguardada pela equipe econômica, que vê agora como um momento de se manter firme para evitar um rombo maior.