‘Desenho final da reforma tributária está longe do ideal’, diz Zeina Latif

Em entrevista ao site da Jovem Pan, economista e sócia-diretora da Gibraltar Consulting também pondera que programa de carros populares foi medida equivocada do governo e projeta queda de juros no segundo semestre

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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada, está “muito aquém” da reforma tributária necessário ao Brasil. A avaliação é da economista-chefe da Gibraltar Consulting Zeina Abdel Latif. Ela aponta que há caminhos para que o Senado Federal faça uma “calibragem” no texto e pondera: ainda que não seja um passo “tão ambiocioso”, a aprovação já representa uma conquista importante. “O temor é que já perdemos uma oportunidade em 2019 e, de lá para cá, o que tivemos foi o crescimento das resistências. Então, às vezes, perder essa janela para fazer a reforma tributária pode significar encolher ainda mais o escopo do texto”, disse Zeina em entrevista ao site da Jovem Pan. Sobre a taxa de juros e projeções para os próximos meses, a economista antecipa que o momento é de queda da Selic. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

A Câmara aprovou na semana passada o texto da reforma tributária que, entre outras coisas, transforma cinco impostos em dois. Pensando nisso, como a senhora avalia a matéria já aprovada? Apesar das muitas concessões feitas, e apesar do desenho final estar longe de ser o ideal, foi um passo importante. Uma discussão que existe era assim: será que não conseguiríamos fazer uma reforma mais ambiciosa? Meu temor é que não. Já perdemos uma oportunidade em 2019 e de lá para cá o que tivemos foi o crescimento das. Então, às vezes, perder essa janela para fazer a reforma tributária pode significar encolher ainda mais o escopo do texto. Por exemplo, o modelo atual tem dois impostos, a CBS, que é federal, e o IBS, que é para Estados e municípios. Em 2019, por exemplo, seria só um imposto. Por que ficamos nesse modelo de dois impostos? Por causa da resistência de governadores, que lá atrás estavam a favor e daí as coisas mudaram. Era uma complexidade podíamos ter evitado.

Outra coisa são os muitos regimes especiais que foram concedidos. Se não aproveitássemos essa janela agora, meu temor é que a gente não teria uma reforma ainda mais desidratada ou simplesmente perder a aprovação, a chance de aprovar, porque uma reforma dessa envergadura é importante que saia em início de governo, senão depois já começa a pontuar, “porque agora é eleição municipal, agora já é corrida presidencial”, começam a vir outros temas, e o Congresso não quer discutir uma reforma estrutural que mexe no bolso de todo mundo. Então, era muito importante não perder esse timing. Trocando em miúdos, ficou aquém do que gostaríamos, do que seria o ideal? Muito, muito aquém. Mesmo assim, foi um passo importante, porque o fato é que, hoje, o sistema tributário é tão caótico, é tão fora da experiência internacional, penaliza tanto o setor produtivo e o crescimento, que mesmo esse passo não ser um passo ambicioso, já é uma conquista importante.

Os senadores já sinalizaram na direção de algumas mudanças no texto. O que seria essencial  melhorar para a reforma final? Concessões em excesso foram feitas. Seria muito importante que revisassem algumas delas. Cada regime especial que você cria para um produto ou setor significa que, para o restante, a alíquota vai ser mais alta, porque não tem milagre. Se você deu um benefício para alguém, alguém tem que pagar a conta. Esse é um debate que o Senado precisa fazer. Qual é a alíquota palatável e o que precisamos fazer para atingir? Me parece bastante claro que seria importante reduzir a quantidade de regimes especiais para garantir que as alíquotas desses dois impostos não fiquem tão elevadas assim. Hoje, não conseguimos saber a carga tributária de nenhum produto na economia, porque dentro de um mesmo setor empresas podem ter cargas tributárias diferentes, depende do mix de produtos, de onde está produzindo, porque há alíquotas diferentes, há regimes e deduções diferentes. Estamos em um quadro que é disfuncional, é um sistema tributário disfuncional. Então, mesmo que a reforma tributária não seja um passo tão ambicioso, já foi um caminho importante, a ver se no Senado conseguimos ter uma calibrada melhor.

Você teme que essa reforma eleve os impostos para alguns setores? O quadro é tão confuso, que a gente não consegue ter, com certeza, uma conclusão. Não é óbvio porque tem a história do crédito tributário. Qual a ideia do IVA [Imposto sobre Valor Agregado]? A cada etapa produtiva, o que se gerou de renda, vai ser tributado, e aquilo que lá atrás, nas cadeias anteriores, ou seja, o imposto pago sobre os insumos, você vai ter crédito tributário. Não tem cálculos precisos do que é o impacto, de quem vai aumentar para valer ou não. Tem estimativas, é claro, mas é sempre uma aproximação. Mesmo para o setor de serviços, que é um candidato natural para ter aumento de carga tributária, também depende, porque vai manter o Simples Nacional. É uma equação muito complexa.

Agora, alguns setores terem aumento da carga tributária, na verdade, é o correto do ponto de vista econômico, porque temos distorções que não fazem sentido e que prejudicam os investimentos, porque são regras muito diferentes. Por exemplo, imposto para água de colônia é um e para perfume é outro. Para bolacha wafer é uma coisa e chocolate é outro. Não tem sentido do ponto de vista econômico. Tem coisa que precisa mesmo corrigir e tem setores que tem tratamento diferenciado. Isso fere uma regra da tributação, que é a isonomia. É tratar todo mundo de forma igual. Então, algum ajuste nesse sentido é razoável que aconteça. É claro que os setores se assustam. Um ponto que é importante: temos um sistema tributário que custa muito. Você tem que ter exército de pessoas para dar conta dessa complexidade dos impostos, as empresas perdem produtividade, tem um custo com a burocracia. Nas estimativas, você não consegue saber quanto custa essa economia, mas considerando o quanto as empresas vão economizar [com o fim da burocracia], considerando que isso tende a destravar investimentos, o país crescer mais e, portanto, as empresas terem mais faturamento, o ganho é coletivo.

Então podemos dizer que o texto aprovado é a reforma que o Brasil precisa? Não, ele poderia ser mais ambicioso. A vantagem é que dessa vez estamos fazendo uma reforma. Temos que olhar o copo meio cheio aqui. Sim, podia ser melhor, mas meu temor é que não fosse possível. É claro que vejo espaço [para melhorias]. Mesmo quando falamos na “reforma possível”, dá para ser melhor do que está aqui. Insisto na questão do Senado: tem setores que estão tendo um regime de tratamento especial e que não há uma justificativa razoável. Essa avaliação precisa ser feita, principalmente porque alguém vai pagar a conta.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, avalia que a tramitação da reforma tributária deve durar dois meses, enquanto outros senadores falam em três meses. Concluída a reforma, o que podemos esperar para a economia ainda neste ano? Tem dois temas que são importantes. Um deles é a sequência de outras reformas tributárias. O próprio ministro Fernando Haddad (Fazenda) já colocou a questão do Imposto de Renda, da desoneração da folha. Tem que avançar nessas discussões. Se conseguir começar a tramitar esse ano, já será uma passo importante. Confesso que vejo com certo ceticismo o avanço a ponto de já aprovar, são temas que precisam ter maior discussão ainda. Mas debate precisa ser feito, mas é tema que ainda amadurecer.

Outra proposta não se trata de reforma, e sim de uma agenda importante, que é o acordo Mercosul-União Europeia. O presidente Lula tem se manifestado mais sobre esse tema, tanto sobre as exigências adicionais colocadas na questão ambiental, que o presidente já falou que não vai aceitar desta forma, e também a questão das contas governamentais. Se o governo brasileiro for na linha de rever isso, pode atrasar. Seria muito importante ter algo concreto este ano. Claro que uma medida de ratificação do acordo, e também a reforma tributária, não é que da noite para o dia haverá mudanças, terá uma transição. Porém, do ponto de visto de sinal, das expectativas, seria um passo importante.

Quais avalições da senhora sobre as projeções para o juros no segundo semestre? Não tenho uma visão muito diferente da perspectiva do mercado financeiro. A ideia é termos o início do corte de juros em agosto, o Banco Central começando com corte de 0,25 ponto percentual. Pessoalmente, acredito que poderia ser maior, poderia ser 0,50. Tendo em visto o discurso mais cauteloso do BC, as apostas estão para o corte de 0,25 e depois seria para o corte de juros de 0,50 até o final do ano. É uma estimativa bastante factível, o que significaria uma Selic em torno de 12%.

O importante é que estamos nesse movimento de corte de juros, que breve vai começar. A grande discussão é o quão longe podemos ir. O mercado imagina que ao longo dos próximos anos a Selic iria para 9%. No Boletim Focus está 8,75% em 2026, que é um valor alto. Na passagem do governo Temer para a gestão Bolsonaro, falávamos em uma Selic de 6,5%. Para conseguirmos taxas de juros mais baixas, é preciso um esforço do governo na questão fiscal. Temos o arcabouço fiscal que precisa ser aprovado e implementado, não é de fácil implementação. E, claro, o ideal seria um esforço para conter o crescimento de despesas, o que não está no radar do governo. Então, tem muitas incertezas ainda, mas é um momento de corte de juros, a questão é que o quanto o Banco Central vai conseguir cortar depende do governo ajustar as contas públicas.

No último mês, o governo Lula lançou um programa de descontos para carros populares, chegando a liberar R$ 800 milhões em créditos. Do ponto de vista econômico, qual a avaliação sobre a iniciativa? Foi eficaz ou apenas populista? Foi um equívoco. Foi um benefício que não atingiu as camadas que realmente precisam de apoio do governo. Uma pessoa que vai adquirir um carro está longe de estar nos grupos prioritários. O que a precisamos é de um país que caminhe para ter carga tributária mais baixa e crescimento econômico para que as pessoas consigam ter renda em qualquer que seja a intenção de consumo. Foi uma política setorial equivocada do ponto de vista social, equivocada do ponto de vista econômico, porque é um efeito de curto prazo. Não é isso que vai mudar a estratégia do setor. Poderíamos ter evitado. Às vezes, essas políticas, essas medidas de curto prazo, nos afasta de fazer o que é o mais importante, que são as medidas estruturais para aumentar o mercado consumidor no Brasil. Por todas essas razões, não consigo ver mérito nessa decisão do governo.

O mesmo vale para a ideia mais recente de Lula para um programa de crédito voltado para eletrodomésticos de linha branca? Na mesma linha. É torcer para que se mude de ideia, que o time econômico mostre para o presidente Lula e consiga convencer que essa não é uma decisão adequada.

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Fonte jovempan
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