Cenário externo não dá trégua para retomada de investimentos
Depois de um primeiro semestre de ceticismo no Brasil, segunda metade do ano é marcada por ‘sell off’ internacional
Após um período em que o setor privado pisou no acelerador dos investimentos, dentro de uma combinação de disciplina fiscal imposta pelo teto de gastos e juros descendentes até meados de 2021, o mercado agora não tem pressa para soltar o freio de mão. A avaliação é que, embora o Brasil tenha saído na frente em seu aperto monetário, com surpreendente química entre crescimento econômico com inflação em queda, o cenário externo ainda não dá trégua para que as empresas voltem a ter capital barato para expandir.
“É como se tivéssemos vivido três anos em um”, resume Gabriel Galípolo, diretor de política monetária do Banco Central desde julho e que começou 2023 como secretário executivo do Ministério da Fazenda, o equivalente ao “número 2” da economia, antes de ir para o BC. “No começo do ano, havia ceticismo sobre o que viria da agenda econômica do terceiro governo Lula e, gradativamente, esse cenário foi melhorando até agosto, quando vimos um sentimento de ‘sell off’, muito relacionado ao que vem do exterior”, prossegue Galípolo, durante painel promovido pela agência Moody’s nesta terça-feira (17).
Agosto marcou o início do ciclo de queda de juros no país e, ao contrário da expectativa inicial, o mercado entrou na defensiva diante da persistência da inflação americanas e das sinalizações de que o Federal Reserve (Fed) seguirá endurecendo sua política para trazer os juros até a meta de 2% ao ano.
“O Fed tem um mandato muito claro, a inflação tem que ser de 2% – não tem essa de que ‘pode ser 3%’ –, então estamos vendo o banco central americano perseguir essa meta e não vai sossegar. Esse foi o primeiro choque”, lembra Ronaldo Patah, chefe de investimentos do UBS Wealth Management no Brasil. Reforçando essa percepção, a inflação ao produtor e ao consumidor dos Estados Unidos segue resiliente, dando sinais de que o remédio amargo dos juros altos deverá prosseguir por mais tempo.
Além disso, outro fator que ganhou maior atenção dos operadores, prossegue Patah, tem relação com a política fiscal americana, em que o governo Biden terá que emitir mais dívida para dar conta de um orçamento que não para de crescer. Resultado da combinação foi uma disparada dos treasuries nos últimos dias, “aspirando” ainda mais o dinheiro de investidores de todo o mundo para a renda fixa americana.
“O que o Fed vem tentando manejar o diferencial que existe entre a curva longa e a curva curta de juros. Não é um trabalho fácil. Houve um movimento violento [de alta] bastante rápido na curva longa [por conta dos dados de inflação na semana passada] que depois recuou para dentro da média”, diz Galípolo. “Agora o Fed vem dizendo que o aperto está funcionando e que talvez não seja necessário novo aumento de juros para tentar deixar a curva mais ‘flat’”, acrescenta.
Sob a dúvida de até onde e quando podem ir os juros americanos, os investidores institucionais mantêm uma postura conservadora, reforça Patah, que prevê que os cheques vindos do exterior para aplicar no Brasil seguirão restritos, com os fundos locais ainda puxando os investimentos dentro do mercado brasileiro.
Neste sentido, Marcelo Peixoto, gestor de crédito da Trígono Capital, e Alessandro Ariant, sócio da Dhalia Capital, têm demonstrado preferência por setores como utilities, bancos e agronegócio, setores que protegem os gestores das oscilações de câmbio e inflação. “São regulados, com profundidade de fluxo de caixa e que suportam certa alavancagem”, explica Peixoto.
Quando o Fed começar o ciclo de corte, cenário que os gestores veem com ceticismo para o ano que vem, as apostas poderão mudar. “Eu iria para nomes que respondem bem ao risco, como utilities mais alavancadas e o setor de consumo discricionário, que atualmente ninguém gosta. Se o macro mudar, tem muito upside risk”, acrescenta Ariant.
Outra expectativa seria o Brasil retomar o grau de investimento junto às agências de crédito, o que não ocorre desde 2016. Neste ano, Fitch e S&P melhoraram sua expectativa para a nota de crédito do país, enquanto a Moody’s mantém perspectiva estável. Nas três casas, o Brasil ainda precisa subir dois degraus para retomar o investment grade. Vale lembrar que muitos fundos internacionais possuem mandato de aplicar em países que possuam grau de investimento, o que é mais um detrator para o fluxo estrangeiro no mercado brasileiro.
Samar Maziad, vice-presidente de análise da Moody’s, agência que tem sido mais conservadora em relação à nota de crédito do país — desde fevereiro de 2016, a casa mantém o Brasil no mesmo patamar de rating –, prega cautela para uma mudança de perspectiva no curto prazo. Para a executiva, passados os choques da pandemia e da inflação, será necessário observar a implementação do arcabouço fiscal, se haverá um crescimento sustentável e o controle da trajetória de dívida do país.
“Precisamos ver a evolução do quadro fiscal e a consolidação do compromisso do novo arcabouço, o que levaria a uma estabilização da dívida em torno de 78% [do PIB]. Nós não tivemos uma perspectiva negativa durante os choques e agora também estamos tentando olhar além do momento atual”, explica.
Quanto aos juros, Samar segue o consenso do mercado de uma taxa terminal em 9% ao ano, ante os atuais 12,75%, deixando um custo de dívida um pouco mais favorável às empresas.
“O custo do empréstimo no Brasil nunca foi muito baixo, somente na pandemia, quando os juros alcançaram 2%, mas isso nunca foi uma referência para nós. Foi muito incomum”, lembra a VP da Moody’s. “Mas também chegamos a ter um custo de 27% na recessão de 2015, foi muito alto também. Portanto, partimos de uma base que o custo de dívida está em torno de 16% e devemos ficar em algo em torno de 15% nos próximos anos.”