Plano Real, 30 anos: “A MOEDA NOVA É SÓ O PRIMEIRO PASSO”
Há 30 anos, era lançado o Plano Real. Em sua edição de número 661, a EXAME fez uma reportagem especial para dar sentido ao novo plano econômico que começaria na vida dos brasileiros.
Com a chamada “CHEGOU O REAL”, a revista tentou dimensionar os impactos da nova moeda para empresas, os investimentos, além de trazer uma reportagem com o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e um artigo exclusivo do economista Mário Henrique Simonsen, que como mostramos era entusiasta comedido do Plano Real.
Na reportagem especial, assinada por Gustavo Camargo, a EXAME dissecou todos os questionamentos a respeito da nova moeda. E mergulhou nos pormenores de como deveria ser a política econômica para garantir que o Real não desse em água.
“Durante os primeiros meses do real, com salários, câmbio, tarifas públicas e impostos congelados, os preços vão parar de subir todos os dias. Vai ocorrer também uma recomposição do crédito, o que alimentará a demanda e estimulará o crescimento das vendas”, diz a matéria.
Na época, já se enxergava vários obstáculos severos diante do Real.
“O primeiro deles é particularmente importante. A nova moeda é colocada na praça sem contar com a conversibilidade dada à moeda argentina, por exemplo. Embora possua 40 bilhões de dólares em caixa, o Banco Central não pagará as nem um penny pelo real a quem encostar no caixa de um banco querendo trocar moeda brasileira por americana”, diz trecho da reportagem.
Então presidente do BNDES e um dos mentores do Real, Persio Arida respondeu:
“Tecnicamente, tínhamos duas opções. Ou escolhíamos o câmbio como ancora da nova moeda, dando conversibilidade, ou partíamos para uma ancora monetária”, diz Pérsio Arida, presidente do BNDES e um dos mentores do plano económico. “Preferimos a âncora monetária, porque a plena conversibilidade nos pareceu algo muito arriscado, diante da possibilidade de algum outro candidato vir a vencer a eleição presidencial.”
“Outro candidato? Outro que não seja Fernando Henrique Cardoso, o signatário-mor do real”, complementa a reportagem.
O material esclarece as dúvidas e expectativas que permeavam a discussão econômica em 1994. E há 30 anos discutíamos, no Brasil, temas que poderiam muito bem estampar as páginas de hoje da EXAME:
“A partir de determinado momento, que muitos economistas identificam com janeiro do próximo ano [1995], será necessário dar outros passos para que o real se sustente como moeda estável ou para evitar que a economia fique estrangulada em outro período recessivo e de juros altos”, diz trecho da matéria. “A resposta a essa questão é fácil de obter.”
“O próximo governo, qualquer que seja ele, terá de levar adiante as reformas estruturais do país que a revisão constitucional deixou de executar”, disse Pedro Malan, então presidente do Banco Central. “Sem essas reformas, o real será abalado pela deterioração das finanças públicas, que estão provisoriamente equilibradas.”
Abaixo, leia a íntegra da reportagem, publicada em 1994.
A MOEDA NOVA É SÓ O PRIMEIRO PASSO
A inflação vai cair, sim senhor. Mas só permanecerá baixa se o governo cumprir o que prometeu, e depois vierem outras reformas
POR Gustavo Camargo
Pouco tempo depois de ter anunciado o seu plano de estabilização, o ministro Domingo Cavallo recebeu em Buenos Aires a visita de alguns economistas brasileiros. Estavam lá, no velho prédio que abriga o Ministério da Economia na Plaza de Mayo, alguns dos mais bem pagos consultores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os brasileiros perguntaram ao ministro, na ocasião, por que ele resolvera optar por algo tão extraordinariamente rígido como a lei de conversibilidade que marca o chamado Plano Cavallo. A lei obriga o Banco Central argentino a converter qualquer quantidade de moeda nacional em dólares americanos, a uma paridade fixa, e diz que 1 peso só pode ser emitido na Argentina se entrar 1 dólar nas reservas do Banco Central. A resposta de Cavallo foi curta e sincera: “Aqui ninguém mais acredita no governo”, disse ele. “Por isso eu tive que me amarrar perante os argentinos e avisar: só emito pesos contra a entrega de moeda forte. Sem dólar, não há peso.”
Três anos depois desse episódio, os brasileiros tentam repetir, com uma outra fórmula, a estratégia que permitiu aos argentinos passar os primeiros 36 meses seguidos dos últimos quarenta anos de sua história com uma inflação acumulada inferior a 80%. Com o lançamento da nova moeda, o real, a partir do 1º de julho, a inflação brasileira vai cair, sim, como caiu na Argentina depois do Plano Cavallo. Os brasileiros, único povo conhecido na História contemporânea que passou mais de três anos seguidos com uma inflação acima dos 20% ao mês, e que desde 1980 não viveu um só ano com inflação inferior a 100% anuais, experimentarão de novo a sensação de ter nos bolsos uma moeda que não é desvalorizada diariamente em quase 2%, como nos últimos dias de junho. Durante os primeiros meses do real, com salários, câmbio, tarifas públicas e impostos congelados, os preços vão parar de subir todos os dias. Vai ocorrer também uma recomposição do crédito, o que alimentará a demanda e estimulará o crescimento das vendas.
As semelhanças com o que aconteceu na Argentina, contudo, param nesse ponto. No Brasil, ao real promete ser no máximo o primeiro passo de uma longa travessia — que teria de incluir, obrigatoriamente, reformas cruciais na organização do Estado e da economia como um todo, para contar com alguma chance de êxito verdadeiro. A nova moeda nasce com um prazo de carência de três ou quatro meses de estabilidade praticamente assegurada. A partir daí, só Deus sabe, e mesmo Deus… “Seu futuro dependerá muito menos do que fizer o governo Itamar Franco nos seis meses finais de mandato e mais do que decidir a próxima administração”, como escreve o ex-ministro Mário Henrique Simonsen em seu artigo nesta edição da EXAME.
Sob vários aspectos, as condições da economia brasileira para vencer a inflação são até melhores do que as disponíveis na Argentina de Cavallo, quando este fez sua aposta contra a inflação. Pela primeira vez, um plano econômico surge depois de ter sido feita uma preparação mínima pelo lado fiscal. Graças à criação do Fundo Social de Emergência, as contas do governo estão equilibradas precariamente, é verdade, mas ainda assim equilibradas. Há nos cofres do Banco Central 40 bilhões de dó lares em moeda forte, a maior massa de divisas jamais armazenada no Brasil em toda a História, de tal maneira que será possível ao governo bancar, pelo menos nos próximos meses, qualquer aposta do mercado contra a paridade de 1 real por 1 dólar. O câmbio está ajustado, como demonstram as exportações, e a economia nunca foi tão aberta como hoje, de modo que a possibilidade de se recorrer a importações para fazer frente a aumentos de preços no mercado interno é muito maior atualmente.
A safra atual, com 76 milhões de toneladas de grãos, é muito superior às registradas em todos os planos anteriores. Os salários, enfim, foram congelados em valores reais, ou em URV, quatro meses antes do lançamento do real — algo também inédito na história dos planos de combate à inflação desde os tempos dos governos militares. É verdade que há pela frente um Itamar Franco, com seus caprichos em favor da “prisão de empresários, acessos de ciúme em relação à equipe económica e decisões como a de aumentar o salário mínimo em 8% já em setembro. O fator Itamar é certamente um sinal ama relo piscando para as chances de sucesso do Plano Real, ou para as chances de sucesso de qualquer coisa. Mas não é esse ponto, ainda, o que concentra as maiores dúvidas em relação ao plano. Sim, pois, apesar de todo aquele belo pano de fundo que vai das reservas à boa safra, há vários obstáculos severos diante do real. O primeiro deles é particularmente importante. A nova moeda é colocada na praça sem contar com a conversibilidade dada à moeda argentina, por exemplo. Embora possua 40 bilhões de dólares em caixa, o Banco Central não pagará as nem um penny pelo real a quem encostar no caixa de um banco querendo trocar moeda brasileira por americana. “Tecnicamente, tínhamos duas opções. Ou escolhíamos o câmbio como ancora da nova moeda, dando conversibilidade, ou partíamos para uma ancora monetária”, diz Pérsio Arida, presidente do BNDES e um dos mentores do plano económico. “Preferimos a âncora monetária, porque a plena conversibilidade nos pareceu algo muito arriscado, diante da possibilidade de algum outro candidato vir a vencer a eleição presidencial.” Outro candidato? Outro que não seja Fernando Henrique Cardoso, o signatário-mor do real.
NUNCA FORAM TÃO BOAS AS CHANCES INICIAIS DE UM PLANO
Antes de entender o risco mencionado por Arida, vale tentar compreender o que significa a tal âncora a que, volta e meia, se referem os economistas. A âncora é o que torna uma moeda algo digno de respeito pelas pessoas que a manuseiam. Até o início da década de 70, todas as moedas dos países desenvolvidos eram formalmente ancoradas no ouro. Em tese, qualquer cidadão americano ou francês podia comparecer ao caixa do banco e exigir, em troca dos dólares ou francos que apresentasse, uma certa quantidade de ouro. Na prática, não era assim que funcionava, é claro. As moedas tinham com ancora, na verdade, a credibilidade dos governos e das instituições dos países que as emitiam.
Em países com tradição de desrespeito à moeda, a credibilidade é nenhuma — daí o ministro Cavallo ter resolvido “amarrar” o governo ao compromisso de só emitir pesos em troca de moedas fortes, com credibilidade. No caso brasileiro, o governo deixou de lado a opção de amarrar-se usando a corda da conversibilidade. A razão é uma só. Os economistas da Fazenda acreditam que, se o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, confirmar nas urnas a vantagem que lhe dão hoje as pesquisas de opinião, haverá uma corrida dos brasileiros em direção aos guichês bancários, para trocar reais por dólares. Tudo pelo temor diante do que o candidato petista possa fazer à frente do governo. “Com o câmbio fixo, iríamos financiar a fuga de capitais usando o dinheiro caro das reservas internacionais”, diz um dos economistas da Fazenda. Ou seja: como a paridade entre o real e o dólar seria mantida fixa, na proporção de 1 para 1, mesmo que houvesse uma intensa procura por dólar o governo teria de entregá-los, e os compradores não ficariam sujeitos, por exemplo, ao ágio ou a uma desvalorização da moeda que tornasse mais cara a troca.
Essa restrição, ou seja, o medo da evasão de divisas, fez o governo optar por uma âncora muito mais complicada de administrar, a chamada ancora monetária. Por ela, conforme prevê a minuta da medida provisória, o Banco Central ficará obrigado a pôr nas ruas, até o final de março do próximo ano, um total de apenas 9 bilhões de reais, equivalente a 9 bilhões de dólares. A idéia por trás dessa meta é que ela coloca um freio nos gastos do governo e amarra os preços. Como haverá um limite para a emissão de moeda, o Tesouro terá de contentar-se, para seus gastos, com o que receber via receita tributária, deixando de contar com o financiamento que hoje recebe do Banco Central, via impressão de dinheiro na Casa da Moeda. Só no ano passado, o BC financiou o Tesouro em 12 bilhões de dólares, segundo cálculos feitos pelo próprio banco. Fica estabelecido um limite também para os preços. “Hoje as empresas sabem que podem fazer reajustes porque o Banco Central emite moeda e sanciona esses aumentos de preços”, diz o economista Michael Gartenkraut, diretor da Rosenbery Consultoria. “Se a emissão fica limitada, as empresas acabarão percebendo que os consumidores não disporão de moeda para bancar aqueles
reajustes.”
Isso, bem entendido, é o que reza a teoria. Na vida real, a perversa vida real que põe a pique os mais belos planos e as melhores intenções, há uma porção de dificuldades. Veja-se o caso de como será do cumprimento do que está escrito. A meta de emissão estabelecida para o real será fiscalizada por uma diretoria do Banco Central, mais o Conselho Monetário Nacional. O governo julga que, como seu limite de emissão será fixado em lei, desta vez o respeitável público vai acreditar no que está escrito.
DAS ÂNCORAS POSSÍVEIS, A MONETÁRIA É A MAIS COMPLICADA
Mas será mesmo assim? Vejamos. Em primeiro lugar, a Constituição já determina que o Banco Central está impedido de financiar o Tesouro Nacional e que o BC deve obedecer a uma programação monetária aprovada pelo Congresso Nacional. Emissões adicionais de moeda dependem de autorização do Congresso. Tudo isso está escrito e não significa absolutamente nada tanto que ainda está para ser votado hoje, no Congresso, o pedido de autorização para emissões feitas em 1989, nos tempos em que o Banco Central ainda trabalhava com o finado cruzado novo. O ministro Rubens Ricupero garante que episódios desse tipo não irão se repetir “Desta vez, a aprovação do Congresso terá de ocorrer antes da emissão”, disse o ministro em entrevista a EXAME (veja à pág. 22).
A âncora monetária é também complica da de administrar mesmo em situações em que há um governo forte e um ministro atento ao que deve ser uma boa gestão da moeda. É só lembrar o que acontecia nos tempos do governo do ex-presidente Ernesto Geisel, quando o ex-ministro Simonsen estava à frente da Fazenda. Naquela época também se trabalhava com metas monetárias. Elas estavam fixadas em três orçamentos básicos. Um deles era o chamado orçamento fiscal, onde estavam incluídas a receita tributária do governo e a enorme bateria de incentivos fiscais e subsídios. O outro era o orçamento da Previdência Social, e o terceiro era um pântano insondável – um dos mais obscuros sistemas de números que a mente oficial brasileira já conseguiu armar. Chamava-se orçamento monetário e incluía, além dos limites de emissão do Banco Central, também a chamada conta-movimento do Banco do Brasil, os orçamentos de outros bancos estatais e mais um montão de coisas que tornavam as tais metas um exercício de ficção.
Um dia, algum tempo depois de ter deixado o governo, perguntaram a Simonsen quem era capaz de entender uma programação monetária com tantas torneiras de emissão. Ele respondeu: “No início, só eu, o Edésio (um técnico do Banco Central) e Deus. Depois de um certo tempo, só o Edésio e Deus. Então o Edésio morreu, e dai….” Em favor do real, diga-se, há o fato de que a situação dos orçamentos públicos hoje é bem diferente daquela que prevaleceu até 1985. “Agora temos um único orçamento para a parte monetária e fiscal, foram fechadas as torneiras da conta-movimento do Banco do Brasil e outras que existiam, e não há mais aquela constelação de incentivos fiscais e subsídios”, diz Luís Carlos Mendonça de Barros, diretor do Banco Matrix e ex-diretor do Banco Central na época do Plano Cruzado. Das torneiras que restam, como a dos bancos estatais, o governo antecipou-se e tomou algumas precauções. “Os bancos tiveram de constituir reservas que lhes permitiram viver sem a inflação elevada e, pelo menos entre as instituições federais, serão fechadas 450 agências”, diz o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Clóvis Carvalho.
Embora o orçamento para 1994 nem tenha sido votado pelo Congresso, ainda assim a idéia de cumprir metas de emissão é difícil de ser viabilizada. Para começar, há entre os economistas a discussão sobre qual tipo de moeda que deve ser objeto de controle. É que, no Brasil da inflação alta, moeda não é apenas o dinheiro em circulação ou depositado nos bancos. O dinheiro aplicado no commodities também é considerado moeda, pois esses investimentos na verdade têm liquidez imediata, isto é, podem virar dinheiro com um simples telefonema ao banco. Não se trata de um detalhe irrelevante. Se for controlar o dinheiro de todas as aplicações que têm liquidez imediata, mais o dinheiro em circulação e o depositado nas contas correntes, o governo terá de gerir uma massa um pouco superior a 40 bilhões de dólares, quase dez vezes mais do que se optar, como optou, por controlar a moeda em seu conceito mais restrito.
Cumprir metas, de qualquer maneira, não é fácil. É difícil nos Estados Unidos. É difícil na Alemanha. Imagine-se, então, no Brasil de hoje. Especialmente porque, com o lançamento do real, acontece aquilo que os economistas chamam de remonetização. Trata-se de um fenómeno que aparece toda vez que ocorre uma queda drástica da inflação. A demanda por moeda, entendida como o dinheiro que as pessoas carregam nos bolsos mais o que está depositado em conta corrente nos bancos, é sempre muito pequena quando a inflação é elevada. Isso porque a inflação corrói o poder de compra da moeda, funcionando como um tributo, e mesmo os espíritos mais simples sabem que não podem reter dinheiro vivo consigo — ele evapora, simplesmente. É o chamado imposto inflacionário.
O QUE FARÁ O PRÓXIMO GOVERNO DEFINIRÁ A SORTE DO REAL
“Quanto maior a alíquota do imposto, ou seja, quanto maior a inflação, mais as pessoas tentam sonegar esse tributo iníquo, evitando carregar moeda no bolso ou deixando dinheiro parado na conta corrente”, diz o economista Márcio Garcia, da PUC do Rio de Janeiro. “Quando a inflação baixa, o incentivo para sonegar o imposto inflacionário cai muito, pois sua alíquota, a inflação, torna-se desprezível.” Esse aumento da demanda por moeda não é ruim, pois não significa a possibilidade de mais aumentos de preços. É uma demanda natural, que reflete uma economia mais saudável, na qual não se foge da moeda.
Em maio, quando os preços aumentavam em ritmo de 45% ao mês, os brasileiros tinham nos bolsos apenas 2,5 bilhões de dólares e havia outros 4 bilhões de dólares parados nas contas correntes. Isso significava apenas 1,6% do PIB brasileiro, quase dez vezes menos do que os americanos, que convivem com inflação muito baixa, costumam demandar por moeda. Nos tempos do Plano Cruzado, o dinheiro em poder do público mais os depósitos à vista nos bancos chegaram a somar 34,4 bilhões de dólares, o equivalente a 8,2% do PIB na época. Essa pode ser uma boa aproximação do que será a demanda por reais, caso a inflação se mantenha de fato baixa, como se espera.
Ocorre que o governo, ao definir as suas metas de emissão, levou em consideração apenas o dinheiro no bolso das pessoas mais as reservas bancárias, os recursos que os bancos mantêm recolhidos junto ao Banco Central. A soma dessas duas partes, que os economistas chamam de base monetária, equivalia em maio, com inflação elevada, a apenas 3,8 bilhões de dólares. Durante o Plano Cruzado, a base monetária chegou a 13,8 bilhões de dólares. Isso é quase o dobro do que o governo está prometendo colocar na praça até o final de setembro. Por aí se vê que a Fazenda trabalha com metas muito rígidas.
Se cumprir tudo o que está se propondo, a Fazenda provocará uma extraordinária alta dos juros reais aqueles que já descontam a inflação ocorrida no mês. Alguns bancos trabalham com a previsão de que o juro real médio de julho ficará em 5%, o que significa que, repetida ao longo de um ano, essa taxa garante um retorno de 80% sobre o capital investido. Atenção: esses 80% seriam verdadeiros, efeitos, em dólares, supondo-se que o real mantenha, como está prevista, sua paridade de 1 por 1 com amoeda americana. Não há nada no mundo, nem o tráfico de drogas, que garanta um lucro tão monumental. Como uma assim pode ficar de pé? “As taxas elevadas são necessárias no início do plano para evitarmos especulações com os estoques e elevações de preço”, diz o presidente do Banco Central, Pedro Malan. Depois da fase inicial, argumenta a equipe econômica, os juros vão fatalmente cair. ocorre que a lógica do plano é outra, e ela permite interpretar que as taxas de juros podem aumentar, nos próximos meses, em vez de cair.
“Quando estiver próximo do cumprimento da meta de emissão, o governo será obrigado a dar uma freada brusca na economia, porque vai faltar dinheiro”, diz o economista Carlos Eduardo de Freitas, diretor da Escola de Pós-Graduação da FGV em Brasília e ex-diretor do Banco Central. “Aí os juros sobem mais e a economia engasga.” De fato, a fixação de metas implica a possibilidade de o juro, que é o preço do dinheiro, subir ainda mais nos próximos meses. Mas isso só deve acontecer depois de um período de desafogo, proporcionado pela recuperação das vendas a crédito e pelo aumento do poder aquisitivo de quem vive de salário. A partir de determinado momento, que muitos economistas identificam com janeiro do próximo ano, será necessário dar outros passos para que o real se sustente como moeda estável ou para evitar que a economia fique estrangulada em outro período recessivo e de juros altos. “Aí é que vamos saber se o plano continua ou não”, diz o deputado Antonio Delfim Netto.
A resposta a essa questão é fácil de obter. “O próximo governo, qualquer que seja ele, terá de levar adiante as reformas estruturais do país que a revisão constitucional deixou de executar”, diz Malan. “Sem essas reformas, o real será abalado pela deterioração das finanças públicas, que estão provisoriamente equilibradas.” Não há segredo sobre as reformas que devem ser feitas — são as da Previdência, a fiscal, a do reordenamento das relações entre a União, os Estados e os municípios, mais a retirada de obstáculos ao investimento estrangeiro e a privatização. Numa palavra, a reforma do Estado. Como se vê, o real será mesmo apenas o primeiro passo.