Para evitar escalada da crise, STF e Forças Armadas buscam pacificação

Gilmar Mendes encontrou-se com o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, para medir temperatura no "Quartel General"

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Em meio às disputas entre o Poder Executivo e o Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) e as Forças Armadas estabeleceram contatos diretos buscando evitar a escalada da crise. Se ao STF interessa mostrar que está apenas cumprindo seu papel em suas decisões, aos militares é importante demonstrar distância dos radicais – mesmo os fardados – que buscam pôr o País sob tensão a fim de obter uma ruptura institucional.

Diante das movimentações, ontem foi a vez de o presidente Jair Bolsonaro dizer no Rio: “A nossa missão, a missão das Forças Armadas, é defender a pátria, é defender a democracia.

Na manhã de 10 de junho, o ministro Gilmar Mendes, do STF, encontrou-se com o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, no Setor Militar Urbano. Em plena crise entre o Palácio do Planalto e o Judiciário, Gilmar pretendia medir a temperatura no Quartel General. A conversa evidenciou o afastamento do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, da interlocução entre os Poderes.

Gilmar indicou que o Supremo não tem intenção de interromper o mandato de Bolsonaro. Observou que muitas avaliações sobre o comportamento dos magistrados não passam de “teorias conspiratórias”.

Nas palavras do ministro, a preocupação na Corte é com o “telefone sem fio”, uma série de mensagens “dúbias” de Bolsonaro em relação à democracia, e também com a insistência dele em sugerir que as Forças Armadas estariam com o governo numa possível ruptura institucional. Pelo Twitter, Gilmar afirmou que “Exército não é milícia”. Além disso, classificou a ideia de que os militares podem fechar o STF e o Congresso como “incompatível” com a Constituição de 1988.

Pujol mais ouviu do que falou. Gilmar encontrou ali um general econômico nas palavras, mas que deu a entender a existência de um mal-estar nas Forças Armadas com posições de ministros da Corte em relação ao Planalto, possivelmente numa referência a ações de Celso de Mello e de Alexandre de Moraes.

A conversa entre o ministro e o general também girou em torno de missões militares de logística e apoio ao combate à pandemia do coronavírus e da Operação Verde Brasil, de repressão ao desmatamento na Amazônia.

Mudo

Pujol se mantém calado ao longo da sucessão de crises, voltado às responsabilidades da área. No encontro com Gilmar, sinalizou que não aceita nem mesmo o papel de interlocutor político da caserna ou do governo com o Judiciário, que era do ministro da Defesa. O posto está vago.

O general Fernando Azevedo e Silva, que já foi assessor do atual presidente da Corte, Dias Toffoli, perdeu espaço na interlocução depois de emitir três notas para explicar atos e declarações de Bolsonaro e sobrevoar com ele, num helicóptero, uma manifestação antidemocrática.

Mesmo com a recusa em ocupar o posto de Azevedo e Silva, Pujol recebe pedidos de encontros. Do lado do governo não faltam convites. Bolsonaro tem insistido em aparecer ao lado dos comandantes das Forças. Foram três reuniões oficiais desde abril um recorde da Presidência, fora as que não estavam previstas na agenda.

Na última quarta-feira, por exemplo, Bolsonaro chamou Pujol para assistir à cerimônia da bandeira, no Palácio da Alvorada. Com esses gestos, o presidente procura mostrar que as Forças estão ao seu lado. Assim, alimenta o discurso caro a apoiadores extremistas, insinuando que pode haver um golpe em andamento, mesmo sem uma sinalização sobre isso.

Quando assumiu a Defesa, em janeiro de 2019, Azevedo e Silva avisou aos comandantes que tinha a prerrogativa de fazer manifestações políticas. Argumentou que estava num posto com essa característica. Diante disso, a exemplo de Pujol, o almirante Ilques Barbosa, da Marinha, e o brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, da Aeronáutica, evitam exposições nas mídias sociais e se mantêm quietos, focados nas ações de suas áreas.

Em 2018, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, tuitou que repudiava “a impunidade” e que a força estava “atenta às suas missões institucionais”. Hoje, Villas Bôas, na reserva, tem 780 mil seguidores.

Na esteira de Villas Bôas, muitos oficiais da ativa criaram perfis pessoais no Twitter e no Facebook. Pujol não aceitou. Em julho de 2019, o então chefe do Estado Maior do Exército e atual ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, assinou a portaria 196, que proibiu a militância virtual dos militares da ativa. Braga Netto observou que manifestações políticas são vedadas no Estatuto dos Militares e no Regulamento Disciplinar.

Generais criticam presença de oficiais da ativa no governo

O discurso de distanciamento das Forças Armadas da política é prejudicado pela presença de militares da ativa na gestão Bolsonaro. Os ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e da Saúde, Eduardo Pazuello, por exemplo, são generais da ativa. O entendimento geral nas três forças é de que o escolhido, ao assumir o posto de natureza civil, deveria pedir transferência para a reserva. Ramos disse, recentemente, que pretende aposentar a farda para se dedicar à articulação política do governo.

O Estadão revelou que 2,9 mil militares da ativa ocupam cargos no Executivo. São 1.595 integrantes do Exército, 680 da Marinha e 622 da Força Aérea. A reportagem levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a decidir contar quantos militares ocupam cargos na administração Bolsonaro, além de fazer uma tabela comparativa da atual gestão com as de Michel Temer e Dilma Rousseff.

Ramos

“Respeito a decisão da maioria do Tribunal. Mas também não seria importante saber quantos médicos e engenheiros tem no governo? Quantos homens e mulheres? Quantos indígenas, negros, pardos e brancos? Digo com propriedade que militares são cidadãos fardados que mesmo na reserva continuam servindo ao País. Diante disso questiono: há algum problema com os militares?”, perguntou Ramos, em postagem nas redes sociais, no dia 18.

De qualquer forma, há também incômodo, na Marinha e na Aeronáutica, com a nomeação do pessoal da ativa para trabalhar no Planalto e na Esplanada, e com a tentativa de Bolsonaro de colar sua imagem à das Forças Armadas.

Em fevereiro, o presidente convocou o almirante Flávio Rocha para assumir uma assessoria especial no seu gabinete. Atualmente o oficial executa várias tarefas para ajudar Bolsonaro a solucionar problemas, principalmente os políticos.

A presença de Rocha no gabinete presidencial preocupa a Marinha. Das três forças, a Aeronáutica é a que tem menos pessoal da ativa no governo. A maior apreensão, atualmente, é com uma onda de manifestos de militares da reserva a favor de Bolsonaro e contra o Judiciário e o Congresso. Embora afastados do dia a dia da força, os oficiais aposentados da Força Aérea Brasileira (FAB) acabam sendo vistos como representantes da instituição.

Hoje, os militares mais conhecidos e barulhentos do País, que fazem postagens com ameaças veladas às instituições, estão na reserva ou não têm tropas. A lista dos oficiais da caserna com real poder de mando, por outro lado, inclui nomes desconhecidos, distanciados do debate político. São os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e os comandantes do Exército em oito regiões militares, todos eles generais de quatro estrelas – à exceção do chefe do Comando do Planalto, um general três estrelas. Esses sete oficiais integram o seleto grupo dos 16 que formam o Alto Comando do Exército, subordinados a Pujol.

Na Aeronáutica e na Marinha, forças com outros modelos de divisão operacional, os comandantes de áreas também têm patentes de três estrelas.

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