O que o Brasil perde e ganha se entrar na OCDE, o ‘clube dos países ricos’

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Depois de o Brasil fazer uma série de concessões importantes aos Estados Unidos ao longo de 2019, o governo Donald Trump anunciou que vai priorizar o pleito brasileiro de ingresso na OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.

O Brasil é um dos seis candidatos a iniciar o processo de entrada nesse organismo internacional, mas os EUA vinham defendendo que Argentina e Romênia entrassem primeiro. Agora, parecem ter mudado de ideia e substituído o pleito argentino pelo brasileiro.

“Os EUA querem que o Brasil se torne o próximo país a iniciar o processo de adesão à OCDE. O governo brasileiro está trabalhando para alinhar as suas políticas econômicas aos padrões da OCDE enquanto prioriza a adesão à organização para reforçar as suas reformas políticas”, disse, em nota, o Departamento de Estado dos EUA.

O governo Bolsonaro estaria, finalmente, colhendo um retorno da série de concessões e acenos que fez a Trump.

Entre esses gestos do lado brasileiro estão a eliminação de visto para americanos que visitam o país, a renúncia ao tratamento diferenciado que o Brasil tinha em negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, mais recentemente, o apoio à ação militar dos EUA que assassinou o general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque.

Essa decisão relacionada à OCDE pode ajudar a amenizar críticas que o governo brasileiro vem recebendo pelo alinhamento automático com os Estados Unidos. Recentemente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que o Brasil estava fazendo concessões demais ao governo americano sem receber compensações.

No ano passado, os EUA defenderam que Argentina e Romênia iniciassem o processo de adesão na OCDE antes do Brasil. Com eleição do peronista Alberto Fernandez, Trump parece ter mudado de ideia

Especialistas em comércio exterior e relações internacionais também afirmavam que a relação de “amizade” entre Bolsonaro e Trump parecia “desigual”, com o Brasil cedendo sem receber algo substancial em troca.

Em postagem no Twitter, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o apoio manifestado pelos EUA pela entrada do Brasil na OCDE demonstra que a estratégia brasileira é capaz de trazer benefícios ao país.

“Anúncio americano de prioridade ao Brasil para ingresso na OCDE comprova uma vez mais que estamos construindo uma parceria sólida com os EUA, capaz de gerar resultados de curto, médio e longo prazo, em benefício da transformação do Brasil na grande nação que sempre quisemos ser”, afirmou.

Mas quais são, concretamente, as vantagens de entrar no chamado “clube de países ricos”?

E o que o Brasil pode perder se acabar, de fato, ingressando na OCDE?

Investimentos e juros baixos para empréstimos internacionais

A OCDE, com sede em Paris, foi criada em 1961 e reúne 36 países-membros, a maioria economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Japão e países da União Europeia. A organização é vista como um “clube dos ricos”, apesar do ingresso de vários emergentes. Chile e México são os únicos representantes da América Latina.

A organização é conhecida por defender a democracia representativa e a economia de mercado. É também um importante local de produção de pesquisa orientada para criar e melhorar políticas públicas.

Esse ‘fórum internacional’ realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus países-membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e a melhoria de indicadores sociais.

Para alguns economistas, ao entrar para a OCDE, Brasil ganha a chance de atrair investimentos externos, porque fazer parte desse grupo funciona como ‘selo de boas práticas’ fiscais

Com o apoio americano, o Brasil precisa agora garantir o aval dos demais membros da organização, principalmente países europeus.

Se houver uma chancela ao início do processo de entrada, o país passará a ser avaliado por comissões temáticas quanto ao cumprimento de recomendações da OCDE em diversos setores, como meio ambiente, saúde, responsabilidade fiscal e combate à lavagem de dinheiro.

Todo esse procedimento pode levar de 3 a 5 anos.

“O Brasil coopera com a OCDE desde os anos 1990. A OCDE tem 253 instrumentos jurídicos, que são recomendações e decisões, e o Brasil já aderiu a 80 desses instrumentos, o que é 30% deles”, disse à BBC News Brasil o embaixador Carlos Márcio Cozendey, representante do Brasil na OCDE.

Para economistas, o ingresso do país na organização funcionaria como uma espécie de “selo de qualidade” na economia, o que potencialmente pode atrair investimentos e melhorar a nota do Brasil em consultorias de risco que avaliam o quão seguro é transferir dinheiro para os países avaliados.

Vários fundos de investimentos estrangeiros possuem regras internas que dificultam a aplicação de recursos em nações que não integram a OCDE, por exemplo. Por isso, a entrada no “clube dos países ricos” pode significar novas oportunidades de negócios e de obter empréstimos bancários a juros mais baixos, por exemplo.

Segundo Leonardo Trevisan, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em SP, o ingresso na OCDE pode também melhorar as estatísticas que são produzidas sobre o Brasil — o que, por sua vez, tende a elevar a confiabilidade do país.

Isso porque a OCDE faz uma série de checagens do que é produzido em seus países-membros.

Adesão a programas para dar eficácia a políticas públicas

Brasil teve que fazer concessões importantes para garantir o apoio dos EUA, como renunciar ao tratamento diferenciado como país em desenvolvimento em negociações da OMC

A OCDE tem um corpo técnico de grande qualidade, produzindo pesquisas sobre políticas públicas em diferentes áreas, como saúde, educação, saneamento básico, etc.

Esses estudos orientam ações domésticas dos países-membros e o Brasil poderia utilizar isso para desenvolver estratégias de melhoria de indicadores sociais e econômicos, diz o embaixador Márcio Cozendey.

“A organização tem várias funções, e a principal delas é a de identificação de melhores práticas de políticas públicas. Então, uma primeira vantagem é você estar exposto a essas políticas, trocar informações, ter suas políticas avaliadas”, explicou à BBC News Brasil.

“A OCDE faz um trabalho de assistência, comparação, aperfeiçoamento de políticas públicas do qual é muito bom poder participar.”

Além disso, como país-membro, o Brasil poderia influenciar na decisão sobre as áreas que a organização deve priorizar em suas análises. Ou seja, se o país deseja focar investimentos em educação na primeira infância, pode eventualmente pressionar por pesquisas e avaliações de políticas públicas nesse setor pela OCDE.

“Como membro você ganha adicionalmente o poder de direcionar os temas que vão ser discutidos, a agenda”, diz o embaixador brasileiro.

Ter voz nas discussões que definem padrões internacionais

Por incluir alguns dos países mais poderosos do mundo, as resoluções adotadas pela OCDE acabam se tornando referência internacional e até padrão de comportamento exigido para acordos e empréstimos internacionais.

Ao fazer parte da OCDE, o país-membro passa a ser visto como cumpridor dessas normas ou “melhores práticas”. Ao mesmo tempo, tem a oportunidade de participar das discussões que definem esses padrões, podendo eventualmente evitar o estabelecimento de exigências que seriam prejudiciais ao país.

Por incluir alguns dos países mais poderosos do mundo, as resoluções adotadas pela OCDE acabam se tornando referência internacional. Como país-membro, Brasil pode ter mais controle sobre o que deve virar exigência ou não

“Uma segunda função da OCDE é que, a partir das discussões de análise de políticas públicas, você muitas vezes chega a recomendações ou padrões mínimos de comportamento em determinadas áreas”, diz o representante do Brasil na OCDE.

“Esses padrões acabam tendo um impacto global e sendo aplicados em outros países do mundo. Então é interessante você ter algum controle na formulação deles, ter o poder de direcionar quais vão ser os padrões, evitando aquilo que não te interessa.”

Mas a professora de Relações Internacionais da PUC-SP Elaini Gonzaga da Silva destaca que só integrar a OCDE não é garantia de que o Brasil será ouvido e terá capacidade de influenciar decisões.

“A questão é saber se um país de menor porte e com problemas efetivos na sua consistência de desenvolvimento vai ter, efetivamente, uma voz ouvida, uma voz própria, e a chance de se colocar nesse debate”, observa.

“Não basta ser membro, você tem que ter um determinado status, daí a importância dessa confiança atribuída pelos outros Estados naquilo que você tem a dizer, que é aquilo que as pessoas chamam de soft power (capacidade de influenciar decisões internacionais pelo prestígio, sem usar força bélica ou econômica).”

Contribuição econômica

Mas fazer parte desse clube não sai de graça. Se o Brasil conseguir entrar na OCDE, passará a ter de contribuir anualmente para o orçamento da instituição. Há contribuições obrigatórias, que levam em conta, nos cálculos, o tamanho do PIB, e outras que são voluntárias.

A contribuição anual obrigatória do México, por exemplo, é de cerca de US$ 5,5 milhões. É razoável estimar que o Brasil, por ter um Produto Interno Bruto (PIB) maior, terá que fazer um investimento maior que os mexicanos. No caso dos Estados Unidos, maior financiador da OCDE, a soma ultrapassa US$ 80 milhões.

Se Brasil passar a integrar a OCDE, terá que contribuir com o orçamento da instituição e pagar pelo processo de negociação e avaliação que antecede essa entrada

Se o Brasil iniciar o processo de entrada na organização, as práticas do país em diversas áreas, como meio ambiente, saúde e gestão fiscal, serão analisadas por comissões temáticas.

Os custos dessa fase de negociação e avaliação, que pode durar até cinco anos, também são arcados pelo Brasil.

Ou seja, entrar para a OCDE trará gastos para o país, embora alguns especialistas acreditem que eles serão compensados pelos retornos econômicos que fazer parte desse organismo trará.

Falta de flexibilidade para gerir a economia

No processo de negociação para entrada na instituição, o Brasil vai ter que demonstrar que aderiu à grande parte das recomendações feitas em diferentes áreas, sobretudo a macroeconômica.

Isso significa que o Brasil vai ter que seguir orientações sobre o grau de interferência do Estado na economia e práticas relacionadas a controle de taxa de juros, de câmbio e tributação de capital estrangeiro.

O professor Nelson Marconi, coordenador-executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que, na prática, fazer parte da OCDE vai limitar a liberdade que o governo tem de gerir a economia, porque essa organização internacional defende intervenção minima do Estado e liberalização do fluxo de capitais.

E o controle sobre a entrada e saída de dinheiro no Brasil já foi usado, por exemplo, para conter os efeitos da crise internacional de 2008.

Marconi lembra que, naquela época, o Brasil aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para reduzir a entrada de dinheiro especulativo, ou seja, de recurso que não visa investimento de longo prazo e que pode sair de repente do país, causando quedas na bolsa e valorizações ou desvalorizações repentinas do real frente ao dólar.

A OCDE é contra medidas como essa e se opõe controles sobre importações e taxas de câmbio em momentos de crise — instrumentos que o Brasil tende a usar menos na gestão de Paulo Guedes como ministro da Economia, mas que já foram utilizados no passado em momentos de turbulência.

“Quando você entra na OCDE você tem que obedecer certos padrões e você não vai, por exemplo, poder colocar controles sobre o fluxo de capitais. Se, em algum momento do país, você tiver algum ataque especulativo ou se você quiser evitar uma valorização muito grande da nossa moeda, o Brasil não vai poder impor uma taxação sobre entrada de capital”, disse à BBC News Brasil o professor da FGV.

“Esse tipo de estratégia relacionada ao controle de capitais já foi muito usada por países asiáticos, com a Coreia do Sul, e até pelo Chile, que todo mundo diz que é mais liberal. E essas medidas trazem uma estabilidade de câmbio, que é uma coisa importante para nós, do ponto de vista macroeconômico, para o exportador e o importador.”

Renúncia do tratamento diferenciado na OMC

Não foi nada barato arrancar esse apoio dos Estados Unidos e, para alguns analistas, os ganhos com a entrada na OCDE podem não compensar as concessões que o Brasil teve que fazer ao governo Donald Trump.

A concessão com maior potencial de impacto econômico foi a renúncia ao tratamento diferenciado, como país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a OMC.

O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.

“A gente tinha uma série de vantagens em termos de compras de produtos com conteúdo local por parte do setor público e uma série de benefícios tarifários por ter status de país em desenvolvimento e de que a gente abriu mão para entrar na OCDE. E a gente abriu mão para não ter praticamente nenhuma garantia do outro lado”, critica Nelson Marconi, da FGV.

“Isso pode prejudicar muito a gente do ponto de vista comércio, da indústria e do próprio processo de desenvolvimento.”

Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a também abrir mão do tratamento diferenciado após a decisão brasileira. E a Índia já está retaliando o Brasil.

“Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE”, explica o professor de Relações Internacionais Marco Vieira, que leciona na Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

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Fonte bbc
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