Elogio dos tecnocratas

Um governo não depende apenas das grandes ideias, mas também de quem sabe fazer a roda da administração girar

-- Publicidade --

-- Publicidade --

Falar em gestão dá uma certa preguiça, principalmente no setor público. A graça da política está nas grandes escolhas, não é? Nas batalhas épicas para fazer prevalecer o seu ponto de vista e provar que o adversário é um delinquente e/ou uma besta ao quadrado. A parte da implementação, do como fazer, cabe a gente chata: a burocracia, os tecnocratas. Não ajuda em nada o fato de que muitos políticos que se apresentam como bons gestores carregam aquela aura do chefe arrogante, engomado, que se encontra no setor privado.

Mas vamos lá, é preciso falar de gestão. Que significa várias coisas: gastar dinheiro de maneira eficiente, eliminar burocracia, medir resultados, encontrar soluções novas para problemas velhos.

Eu passei algum tempo no Governo do Estado de São Paulo. Está escrito aí embaixo, ao lado do meu nome. A experiência me fez ter um novo apreço por quem trabalha nos setores técnicos da administração pública. Tem muita gente engenhosa ocupando essas cadeiras. Às vezes, o “como” é tão ou mais importante que o “o quê”. Dou um exemplo.

O Estado de São Paulo faz concessões de rodovias há mais de 20 anos. Em 2017, mudaram um detalhe nos projetos. Quem participa não precisa mais apresentar atestado mostrando que sabe construir estrada ou ponte. Essa exigência, que parece lógica, representava uma reserva de mercado para as grandes empreiteiras – aquelas que estão sempre no noticiário sobre cartéis e corrupção. A mudança tornou esse tipo de concorrência viável e atraente também para fundos de investimento nacionais e estrangeiros. Ficou mais fácil chamar dinheiro, que está em falta no Brasil, para grandes obras. E o vencedor da licitação, contratando a empreiteira que quiser, continua tendo de garantir que a estrada não tem buracos e que a ponte não cai. O “como” fez a diferença.

Jair Bolsonaro assumiu a presidência prometendo escolher seus auxiliares pela competência técnica. Pelo metro da gestão, está em dívida. O ano começou com diversos desastres do “como” em evidência: o Enem, a fila do INSS, a fila do Bolsa Família.

O primeiro desastre está na alçada do ministro da Educação Fábio Weintraub, notoriamente destrambelhado. O segundo, na do ministro da Economia Paulo Guedes, que sabe perfeitamente o que quer e do que está falando. O terceiro, nas mãos do ministro da Cidadania, com longa experiência na administração pública. O diabinho da gestão não respeita essas distinções.

Nos três casos, gestão significa simplesmente entregar o que o cidadão precisa do jeito certo, na hora e na quantidade combinados. Requer planejamento e antecipação de problemas.

O Enem entregou errada a correção da prova. Pôs todo o exame sob suspeita e deixou milhares de estudantes na angústia. O INSS tem 1,3 milhão de pedidos de benefício pendentes de avaliação. Alega dificuldades causadas pela adoção de uma nova plataforma, o INSS Digital, e pela mudança nas regras da aposentadoria. A reforma da Previdência levou um ano para acontecer.

Alô, antecipação de problemas. Falta pessoal para atender a demanda represada, e o governo deve contratar cerca de 7 mil trabalhadores temporários, civis e militares, para tentar zerar a fila em seis meses.

O Bolsa Família pulou de zero para quase quinhentas mil pessoas que, preenchendo os requisitos do programa, aguardam pelo benefício. É gente miserável, para quem R$ 89,00 por mês faz uma imensa, imensa diferença. As explicações são um tanto vagas: dizem respeito ao combate a fraudes e a uma reformulação do Bolsa Família que estaria em estudo.

Falar em gestão dá uma certa preguiça. Para você, que por acaso estiver lendo, tudo bem. Mas não para quem ocupa um cargo no Executivo. Para ele, faz parte do contrato de trabalho. O governo Bolsonaro não será o primeiro nem será o último a enfrentar encrencas de gestão.

Para contorná-las, ajuda estar cercado não apenas de gente com grandes ideias, mas também de pessoas que se encantam com a tarefa menos glamurosa de fazer, todos os dias, a roda da admnistração girar de um jeito um pouquinho melhor.

Carlos Graieb é jornalista e consultor. Foi secretário de comunicação do Governo do Estado de São Paulo (2017-2018)

Banner825x120 Rodapé Matérias
Fonte r7
você pode gostar também