50 servidores indicados por Bolsonaro vão ‘atravessar’ o governo Lula

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Um amigo e advogado pessoal do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um assessor da ala ideológica do bolsonarismo, um advogado tratado como “meu menino” pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), e a irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes. Esses são alguns dos integrantes de uma lista de mais de 50 indicados do presidente Jair Bolsonaro (PL) que permanecerão em agências reguladoras, conselhos e autarquias durante o primeiro ano, e, em alguns casos, até o fim do mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

São conselheiros e diretores de órgãos do governo federal cujas indicações foram feitas por Bolsonaro e que, por força de mandato, vão continuar nesses órgãos nos próximos anos. Ocupam cargos nas dez agências reguladoras ligadas ao governo federal e em colegiados de fiscalização do mercado e do setor privado. Somente neste ano, Bolsonaro indicou mais de 20 integrantes para atuar nestas repartições.

Lula terá ainda de trabalhar nos dois primeiros anos de seu terceiro mandato com o economista Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, que foi indicado pelo atual chefe do Executivo.

No ano passado, passou a vigorar a lei que determina a independência do BC, o que impede o petista de escolher um nome de sua preferência para o cargo logo após assumir o Palácio do Planalto.

Advogado pessoal

Responsável pela fiscalização do mercado financeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) será presidida até 2027 pelo advogado João Pedro Barroso Nascimento. Indicado pelo presidente em abril, ele é amigo de infância e atuou como advogado pessoal de Flávio Bolsonaro. Em 2016, Nascimento costurou um acordo entre o parlamentar e uma incorporadora para a entrega de uma cobertura em um edifício nas Laranjeiras, no Rio.

O imóvel, comprado por R$ 1,7 milhão, foi objeto de um capítulo da denúncia apresentada contra o filho do presidente pelo Ministério Público do Rio no caso das rachadinhas.

A cobertura foi paga, em parte, com dinheiro do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, apontado como operador do esquema, e por um policial militar do Rio investigado por suspeita de lavagem de dinheiro.

A denúncia foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nascimento não é investigado e atuou apenas como advogado em ação em que Flávio questionou o atraso na entrega do imóvel.

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‘Meu menino’.

Até o início de 2024, Lula também vai conviver com o advogado Alexandre Cordeiro como presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Cordeiro é apadrinhado pelo ministro Ciro Nogueira.

Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, um inquérito que apura suspeitas de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro atribuídos pela Polícia Federal ao atual titular da Casa Civil mostra a proximidade dos dois.

“Um cara de bom senso. Meu menino, ele era meu chefe de gabinete, eu botei ele lá (…) E ele conseguiu se entrosar lá”, disse Ciro Nogueira, em uma conversa gravada com o empresário Joesley Batista, da J&F. O diálogo é de 2017, época em que Cordeiro era superintendente do Cade.

No mesmo órgão, a procuradora-geral é Juliana Oliveira Domingues. Ela ficará no cargo até o início de 2024 e é ex-assessora do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres.

Agências reguladoras

É nas agências reguladoras e autarquias do governo, porém, que está lotada a maior parte dos indicados do atual presidente da República. São órgãos que já foram criticados tanto por Lula quanto por Bolsonaro pelo mesmo motivo: o de possuírem grande poder de influência e decisão.

Em março, Bolsonaro afirmou que uma agência reguladora “pode mais, muitas vezes, que o próprio ministério” e que elas existem para “criar dificuldade e vender facilidade”. Lula, durante a campanha, também falou sobre a atuação das agências. “Muitas vezes, a gente cria uma agência para ela facilitar, mas quando o cidadão toma posse na agência ele acha que manda mais do que o ministro”, declarou o petista, em agosto.

Pelo menos dois dirigentes destes órgãos são militares. Até dezembro de 2024, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será chefiada pelo contra-almirante Rodolfo Saboia. Para a mesma agência, Bolsonaro indicou outros quatro dirigentes cujos mandatos se estendem até, no máximo, 2026.

O almirante Antônio Barra Torres também ficará no comando da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até dezembro de 2024. Amigo de Bolsonaro, Barra Torres chegou a participar com o presidente, em março de 2020, de uma manifestação em frente ao Planalto.

Sem máscara, ambos descumpriram protocolos sanitários em meio à pandemia de covid-19. Os dois acabaram rompendo depois que Barra Torres acusou Bolsonaro de incentivar ameaças a funcionários da agência.

Na Anvisa, o presidente indicou outros quatro diretores. Entre eles, um ex-assessor do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Ouvidor

Integrante de uma ala mais ideológica do governo federal e defensor ferrenho de Bolsonaro, o ex-assessor da Casa Civil Robson Crepaldi será ouvidor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) até 2025. Ele foi nomeado neste ano. Enquanto esteve na pasta, Crepaldi chegou a lidar com a compra de vacinas. Foi um despacho assinado por ele que pôs fim à tramitação de uma carta da Pfizer em outubro do ano passado direcionada à Presidência da República. Ele considerou que o documento já era tratado pelo Ministério da Saúde.

No apagar das luzes de seu governo, Bolsonaro também nomeou quatro integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), que terão mandatos de quatro anos. Um deles é Elizabeth Regina Nunes Guedes, irmã do ministro Paulo Guedes. Elizabeth é presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares. Em entrevista ao site Migalhas, ela criticou o governo por não tratar a área como prioridade.

Respostas

Robson Crepaldi disse que foi sabatinado e aprovado pelo Senado e destacou o “compromisso de cumprir” seu mandato na ANTT “até o fim do período”. “Espero que a transição seja, como está sendo, tranquila, como deve ser em qualquer democracia.”

João Pedro Barroso Nascimento, da CVM, afirmou que se prepara há mais de 20 anos e que tem experiência técnica. No caso do imóvel de Flávio, disse que não houve pagamento de honorários. “A construtora, que passava por problemas de natureza econômico-financeira, atrasou a entrega, o que gerou prejuízos. Assim, foi necessária a propositura de ação judicial, que culminou em um acordo.” Ele declarou já estar “trabalhando de forma cooperativa e democrática com a equipe de transição”.

A Anvisa disse que é um órgão de Estado, “com decisões técnicas e pautadas pela ciência”. A ANP afirmou que ainda “não foi contactada pela equipe de transição”.

Os outros citados pela reportagem foram procurados, mas não se manifestaram até a conclusão desta edição. A equipe de transição não comentou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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