De volta para a Mata Atlântica

Extinto na natureza há 40 anos, mutum-de-alagoas é reintroduzido em seu hábitat

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No dia 25 de setembro, três machos e três fêmeas do mutum-de-alagoas, ave considerada extinta na natureza há 40 anos, foram reintroduzidos em seu hábitat, a Mata Atlântica alagoana. Os três jovens casais são descendentes de animais criados em cativeiro, em um programa de pesquisa e conservação que, a partir de apenas três exemplares da espécie Pauxi mitu, evitou o desaparecimento completo desse galináceo. Eles foram soltos dentro de uma reserva privada com quase mil hectares de mata contínua em Rio Largo, município distante pouco mais de 20 quilômetros de Maceió. A reserva tem um viveiro de 400 metros quadrados, mas as aves, todas com idade entre 1 e 2 anos, não ficam presas. Podem se locomover por toda a propriedade, que se conecta às áreas vizinhas, tomadas por canaviais. Os machos são monitorados por meio de um transmissor de VHF acoplado em seu dorso, que permite saber a posição em tempo real e registra os deslocamentos ao longo do dia. As fêmeas não carregam o dispositivo. Devido a sua localização no corpo do animal, o transmissor seria um empecilho para o ritual de acasalamento.

Uma semana depois da soltura das aves, a Polícia Ambiental encontrou um dos machos sem vida durante uma de suas rotineiras rondas pela região. O biólogo Thiago Dias, que se mudou para um alojamento construído dentro da reserva para monitorar de perto os mutuns como parte de seu trabalho de doutorado em curso no Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), recebeu a notícia da perda. Embora triste, a morte não chega a ser muito preocupante devido às circunstâncias em que ocorreu. Não há indícios de que o macho tenha sido alvo de caçadores, cuja ação no passado levou a espécie a desaparecer das matas alagoanas. “A morte está relacionada a causas naturais”, explica Dias. “As condições da ave indicam que foi alvo de algum predador, provavelmente um cachorro selvagem.” Uma das funções do biólogo é entrar na mata periodicamente para, com o auxílio de um receptor, receber os dados que indicam a posição das aves.

“Faz parte do trabalho de reintrodução de uma espécie na natureza a ocorrência de perdas”, diz Luís Fábio Silveira, curador da Seção de Ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos pesquisadores envolvidos nos trabalhos que levaram ao renascimento do mutum, primeiro em cativeiro e agora na natureza. “Se houver mais mortes por causas naturais, podemos antecipar a soltura de novos exemplares em Alagoas.” O plano inicial prevê a reintrodução de 15 casais de mutum até 2021. Atualmente, existem cerca de uma centena de exemplares puros da espécie mantidos pela Crax Brasil – Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre, um criadouro de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. As aves reintroduzidas em Alagoas saíram de lá.

Antes de iniciar a soltura dos mutuns em Alagoas, os pesquisadores montaram um protocolo científico para nortear o processo de reintrodução da espécie na natureza. O primeiro passo foi escolher um bom local para ser a casa dos jovens mutuns. Bem preservada e com farta comida para as aves, a reserva privada de Mata Atlântica da Usina Utinga, em Rio Largo, foi selecionada. Segundo cálculos dos pesquisadores, a área tem capacidade para abrigar até 20 casais da espécie. Em média, cada par de mutuns, ave que mede quase 90 centímetros e pesa 3 quilos, ocupa cerca de 50 hectares de mata. Em 2017, um casal de mutuns foi levado para essa área e mantido dentro de um viveiro para testar a viabilidade da região. Em seguida, foi determinada a melhor época para a reintrodução da ave. Como o período de acasalamento da espécie é entre junho e agosto, os biólogos optaram por fazer a soltura em setembro. Assim, os animais levados para Alagoas teriam quase um ano para se adaptar à área da reserva antes de entrarem no período de reprodução. Por fim, foi feita a escolha dos exemplares a serem transferidos para a reserva.

A idade e as características genéticas das aves criadas em cativeiro foram determinantes para a escolha dos três casais reintroduzidos em Rio Largo. Como descendem de uma população de apenas três aves, todos os mutuns-de-alagoas atuais apresentam algum grau de parentesco. Por isso, os pesquisadores deram preferência para animais com perfil genético diferente, mas não raro. Se alguma ave não se adaptasse à região ou morresse (essa segunda hipótese já ocorreu), não seria perdida para sempre uma linhagem genética única. “Era importante selecionarmos aves jovens, com perfis genéticos distintos na medida do possível, que tivessem pouco tempo de cativeiro e grande potencial reprodutivo”, comenta o biólogo Mercival Roberto Francisco, da UFSCar, campus de Sorocaba, que coordena a parte genética dos estudos. “Nenhuma das aves reintroduzidas é irmã de outra.” Tudo isso ajudaria, em tese, no processo de reintrodução da espécie e sobretudo em sua sobrevivência na reserva. Mutuns das linhagens genéticas mais raras só deverão ser soltos na reserva quando a adaptação ao ambiente natural for considerada um sucesso.

Nos estágios iniciais do processo de reintrodução, o biólogo Thiago Dias também tem a incumbência de, a cada dois dias, colocar água e alimentos, como ração e frutas, em uma área próxima ao viveiro da reserva. Caso algum mutum esteja com dificuldade de encontrar comida na mata, não há risco de morrer de fome. “Tenho de tomar cuidado para não entrar em contato com os animais”, conta Dias. “Eles devem temer o homem, e não criar afeição.” Se tudo correr como esperado, será possível saber se os mutuns levados para a reserva terão cruzado no segundo semestre de 2020. Nos próximos meses, também está prevista a soltura de outras aves, como macucos, papagaios e jacus, na área da reserva a fim de aumentar a biodiversidade local.

Projeto
Avaliação, recuperação e conservação da fauna ameaçada de extinção do Centro de Endemismo Pernambuco (CEP) (nº 17/23548-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Luís Fábio Silveira (USP); Investimento R$2.051.344,52.

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Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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Fonte fapesp
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