Entenda a nova jornada do trabalhador bancário com a MP Verde Amarela
Após as limitações e desconstruções de direitos promovidas em documentos como a Lei nº 13.467/2017 e a recente Emenda Constitucional nº 103/2019, responsáveis pelas Reformas Trabalhista e Previdenciária, respectivamente, a nova empreitada do Governo Bolsonaro, através da Medida Provisória nº 905/2019, mira um novo ataque contra o patrimônio jurídico dos trabalhadores – vítimas de um estelionato social – promovido pelo argumento da aceleração econômica e desenvolvimento nacional, pondo em risco o futuro do Direito do Trabalho e a dignidade das relações laborais desta e das próximas gerações.
No âmbito do trabalho bancário, quis o Presidente da República alterar unilateralmente e de forma antidemocrática um dos principais elementos do patrimônio jurídico desta categoria: a jornada de trabalho diferenciada de seis horas, a qual, como se sabe, consiste no principal símbolo da classe e de sua história de luta em prol da saúde laboral e melhores condições de vida.
Situa o novo art. 224 da CLT, introduzido pela MP nº 905/2019, que a jornada de seis horas passa a valer apenas aos empregados que “operam exclusivamente” os caixas, majorando, portanto, a jornada de todos os demais bancários.O problema, por certo, não é o simples aumento das horas de trabalho, mas, principalmente, a violação de direitos que estas duas horas a mais significam.
Ao majorar a jornada de trabalho, a MP ignora os direitos que são afetados diretamente pela nova legislação, tal como a saúde, segurança, higiene e a própria dignidade humana do trabalhador, reduzindo os patamares jurídicos e sociais outrora estáveis e necessários. A forma crua posta pela nova legislação, denuncia uma decisão política contrária a preceitos jurídicos valiosos e outrora estabelecidos no plano constitucional, tal como o princípio da vedação ao retrocesso social (efeito cliquet), o qual encontra-se materializado em compromissos internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, e proíbe a redução de conquistas sociais sem a devida contrapartida mínima.
Mas além disso, a ampliação da jornada de seis para oito horas diárias, desagua em outros problemas que não foram devidamente resolvidos pela MP 905/2019. Um destes pontos consiste em saber qual é/será o desdobramento salarial decorrente do aumento da jornada de trabalho?
Ao se partir do preceito de que todo trabalho deve ser remunerado de acordo com a sua extensão e complexidade (art. 7º, V da CF/1988), não se pode admitir a exploração sub-remunerada da mão-de-obra paga obreira.
Ora bem, havendo aumento das horas trabalhadas, consequentemente a nova jornada deverá ser remunerada com base nas duas horas a mais.
Desta forma, a correta interpretação da nova jornada laboral deve considerar o aumento proporcional das duas horas trabalhadas, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade salarial, previsto no art. 7º, VI da Constituição, isto porque o lucro empresarial se dará também com base nas duas horas suplementares. Admitir o contrário seria reconhecer a possibilidade de as instituições bancárias enriquecerem às custas de outros e de forma ilícita, violando, assim, mandamentos básicos como a boa-fé objetiva e a proibição do enriquecimento sem causa (arts. 113, §1º; 884 e seguintes do Código Civil).
Parece correto, no entanto, afirmar que a exigência do cumprimento das oito horas de trabalho pressupõe a necessidade de ajuste prévio quanto ao novo piso a ser pago ao trabalhador bancário, levando em consideração não mais as seis horas, mas sim o novo patamar exigido pela lei.
Por fim, é importante ressaltar que este reajuste salarial deve se dar no plano democrático das relações coletivas de trabalho, contando com a ampla e plena participação dos sindicatos neste processo de negociação, isto porque ao escolher tais entidades como legítimas representantes dos interesses da categoria, quis a Constituição trazer estes personagens para o epicentro de debates e decisões atinentes aos trabalhadores representados (art. 8º, III da CF/1988). Não se pode, portanto, ignorar o fato de que a arena coletiva dos direitos trabalhistas se mostra o ambiente mais adequado para discussões econômicas – como é aquelas relacionadas às garantias salariais.