Entenda os conflitos nas terras indígenas do Maranhão
Três indígenas morreram e outros três ficaram feridos em pouco mais de um mês.
Dois ataques a índios no Maranhão aconteceram no intervalo de um mês e sete dias em terras indígenas diferentes. Os casos mais recentes estão sob investigação sigilosa da Polícia Federal. Três índios morreram em confrontos que envolvem disputa por território e outros motivos que são apurados pelas autoridades. Ninguém foi preso.
O primeiro confronto foi uma emboscada na Terra Indígena Arariboia, na região de Bom Jesus das Selvas, no dia 1º de novembro, na qual morreram o índio Paulo Paulino Guajajara e o madeireiro Márcio Greyuke Moreira Pereira. Neste fato, o indígena Laércio Guajajara, primo de Paulino, ficou ferido.
O segundo ataque foi no último sábado (7), entre as aldeias Boa Vista e El Betel, na Terra Indígena Cana Brava, no município de Jenipapo dos Vieiras, em um trecho da BR-226. Um dos índios sobreviventes, Nelsi Guajajara, conta em um vídeo (veja abaixo) que um carro branco se aproximou, e os ocupantes dispararam contra um grupo de indígenas que estava na rodovia federal.
Os caciques Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara morreram, e outros dois índios foram atingidos e levados para Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Jenipapo dos Vieiras.
Ordem dos fatos na Terra Indígena Cana Brava
- Grupo de indígenas guajajara foi atacado a tiros na BR-226 neste sábado; dois morreram e dois ficaram ferido
- Após o crime, os indígenas fizeram um protesto e bloquearam a BR-226
- Funai disse acreditar que índios morreram porque foram associados a assaltos na região
- O governador do MA, Flávio Dino (PCdoB), disse que o estado vai auxiliar autoridades federais no caso
- A Polícia Federal informou que um inquérito foi instaurado para apurar os crimes
- Moro autorizou envio da Força Nacional para a região
As vítimas dos dois ataques são lideranças de suas aldeias. Paulo Paulino Guajajara não era cacique, como Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara, mas ele liderava um grupo chamado de “Guardiões da Floresta”, que realiza a vigilância e proteção da floresta, além de denunciar a ação de madeireiros na região.
Os guajajaras vivem em várias reservas, todas no Maranhão. Em Arariboia, há 12 mil indígenas numa área de 423 mil hectares, o equivalente a três vezes o tamanho do município de São Paulo. Já Cana Brava tem 137 mil hectares, praticamente uma cidade de São Paulo, e abriga, aproximadamente, 4,5 mil indígenas. Os dados são do Instituto Socioambiental.
Há anos acontecem conflitos com madeireiros e grileiros em Arariboia. No caso de Cana Brava, o maior problema envolve os moradores de cidades próximas à terra indígena. Segundo relatos de pessoas que acompanham a situação no local, é crescente o ódio aos índios, em razão de crimes que acontecem na BR-226, como assaltos. Os indígenas dizem que, em muitos casos, levam a culpa por atos que não cometeram e pedem policiamento na região.
Motivos dos ataques
Os dois casos começaram a ser investigados pela Polícia Civil com apoio da Polícia Militar, mas foram encaminhados para a Polícia Federal, que informou estar aprofundando os trabalhos. Segundo a PF, sobre o ataque na Terra Indígena Arariboia o inquérito deve ser concluído nos próximos dias. Até o momento, ninguém foi preso.
“A investigações sobre a morte de Paulo Paulino Guajajara ainda estão em andamento, por isso, seguem sob sigilo. A previsão da Polícia Federal é que a conclusão definitiva ocorra nos próximos dias”, diz a nota enviada pela Polícia Federal.
Mesmo com o sigilo da investigação, os fatos que antecederam a emboscada na Terra Indígena Arariboia confirmaram que o conflito se dá pela disputa territorial entre os índios e os madeireiros, que agem de forma ilegal. No dia 6 de setembro, índios entregaram à Polícia Federal oito madeireiros que montaram uma tenda improvisada e estariam desmatando árvores dentro da terra indígena.
No outro caso, na Terra Indígena Cana Brava, as primeiras informações apontam que o problema seria causado pela insatisfação de moradores da região por conta de assaltos. Os índios atacados teriam sido confundidos com bandidos que agem na região. Entretanto, esta versão é contestada por entidades que acompanham a causa indígena no Maranhão.
“O interesse de expulsar e de desorganizar as populações indígenas, que protegem a floresta, tem o motivo político, mas a gente observa também o motivo econômico, pois tem os interesses do mercado da madeira, do minério e da abertura de pastos para o agronegócio. E essas terras não são fáceis de explorar se as populações indígenas são politicamente organizadas, pois elas protegem o território, como é o caso da população Guajajara”, disse João Coimbra, consultor no Brasil para organização ambiental e de direitos humanos da Amazon Watch.
O assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, também defendeu essa linha de pensamento.
“Teve a morte do Paulino Guajajara, que era o líder dos Guardiões da Floresta, e agora esse outro ataque são crimes que estão relacionados aos conflitos por território, que é grande na região. Os indígenas estão defendendo com a própria vida suas terras”, disse Eloy.
Governo federal aciona ministérios
O ministério da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, se manifestou logo após o ataque na BR-226 e disse que avaliava o envio da Força Nacional, oque foi autorizado na segunda-feira (9).
A ação tem como objetivo garantir a integridade física e moral dos povos indígenas, dos servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos não índios.
Além da Força Nacional, o governo federal enviou um representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, à Terra Indígena Cana Brava. Procurado pelo G1, o ministério ainda não informou quais ações serão tomadas por conta das mortes.
Mortes de índios crescem
A nível nacional, o número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo em 2019 foi o maior em pelo menos 11 anos, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgados nesta segunda-feira (9). Foram 7 mortes em 2019, contra 2 mortes em 2018. Os dados deste ano são preliminares: o balanço final só será feito em abril do próximo ano.
No último fim de semana, três ativistas indígenas foram mortos no país. Além do ataque em Jenipapo dos Vieiras, um caso foi registrado em Manaus, no Amazonas. O ativista da etnia Tuyuca Humberto Peixoto Lemos morreu no hospital após ser agredido a pauladas na segunda-feira (2).
Segundo Paulo César Moreira, da coordenação nacional da CPT, o aumento no número de mortes de lideranças indígenas é resultado de um discurso de “violência institucionalizada” nos conflitos do campo.
“Nós vivemos um momento em que o Estado é o agente promotor das agressões. Com todo esse momento político que a gente vive, os responsáveis pelas violências decidiram que esses povos indígenas não têm direitos e que têm que ser eliminados. Com isso, a gente está vendo um massacre”, diz Paulo Moreira, coordenador da Pastoral da Terra.
Já no Maranhão, segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), de 2016 a 2019, 13 indígenas foram mortos em decorrência do conflito com madeireiros. Em nenhum dos casos os criminosos foram punidos. Caso seja confirmada a relação de conflito com madeireiros nas mortes do último sábado (7), o número subiria para 15.
“Nenhum caso foi identificado quem cometeu o crime ou levado a julgamento. O tipo de violência normalmente é praticado em lugares ermos, sem testemunha, principalmente no interior da floresta, e isso dificulta a investigação. Mas também tem a questão da estrutura de segurança que não está preparada ou não prioriza esses casos”, afirmou Antônio Pedrosa, assessor jurídico e membro da SMDH.
O G1 reuniu todos os casos informados pela SMDH com a localidade e informações sobre a forma como ocorreram os assassinatos de indígenas entre 2016 e 2019, por conflito com madeireiros no Maranhão. Veja abaixo.
Assassinatos de indígenas no Maranhão
Nome | Etnia | Local da ocorrência | Município | Descrição |
José Dias de Oliveira Lopes (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Corpo foi encontrado no Rio Mearim com sinais de estrangulamento |
Hugo Pompeu Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Cana Brava/Guajajara | Barra do Corda | Corpo foi encontrado com diversas mutilações |
Aponuyre Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Assassinado a tiros por suspeita de participar de morte de não indígena |
Genésio Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Morto a tiros e pauladas |
Isaías Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Assassinado a facadas |
Assis Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Amarante do Maranhão | Morto a pauladas dentro da terra indígena |
José Queirós Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Corpo foi encontrado em açude com marcas de queimaduras causadas por fios elétricos |
Divino Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Bacurizinho | Grajaú | Assassinado a facadas por não indígena |
Lopes de Sousa Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Morro Branco | Grajaú | Corpo encontrado no Rio Grajaú com as orelhas e partes íntimas mutiladas |
José Colírio Oliveira Guajajara (2016) | Guajajara | Terra Indígena Cana Brava/Guajajara | Barra do Corda | Morto a tiros |
Fernando Gamela (2016) | Gamela | Terra Indígena Gamela | Viana | Morto a tiros nas margens da MA-040 |
Sayrah Ka’apor (2017) | Ka’apor | Terra Indígena Alto Turiaçu | Centro Novo do Maranhão/Nova Olinda do Maranhão | Morto a golpes de faca |
Paulo Paulino Guajajara (2019) | Guajajara | Terra Indígena Araribóia | Bom Jesus das Selvas | Morto a tiros |
Ainda segundo Antônio Pedrosa, muitos casos relacionados à morte de indígenas já foram até arquivados sem que o autor pagasse pelo crime.
“Quando é para criminalizar indígena, esses inquéritos andam muito mais rápido. Desses casos, a grande maioria [dos inquéritos] ou está arquivada, ou está aguardando provas e outros elementos de investigação. O inquérito não chega a lugar nenhum”, declarou.