Veja como cada ministro votou na derrubada da ‘revisão da vida toda’ do INSS
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que os segurados não podem escolher o regime mais benéfico para sua aposentadoria do INSS. Na prática, esse entendimento inviabiliza a chamada revisão da vida toda dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social, que fora autorizada pela própria Corte em outra ação. A decisão foi tomada por 7 votos a 4.
A reviravolta representa um alívio nas contas do governo federal, que calcula oficialmente um impacto de R$ 480 bilhões.
Essa vitória do governo, com uma reviravolta numa tese que já havia sido validada pelo Supremo, começou a ser desenhada com o voto dos dois mais novos ministros da Corte, Cristiano Zanin e Flávio Dino, indicados pelo presidente Lula.
Eles foram acompanhados pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Luiz Fux, Gilmar Mendes Dias Toffoli. Do outro lado ficaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e André Mendonça.
A revisão da vida toda é discutida nos tribunais há mais de duas décadas. Em 2022, o plenário do STF havia decidido que o mecanismo é constitucional. Isso significa que todas as contribuições previdenciárias feitas ao INSS pelos trabalhadores no período anterior a julho de 1994 (quando entrou em vigor o Plano Real, que estabilizou a economia e deu fim à hiperinflação no país) poderiam ser consideradas no cálculo das aposentadorias.
Isso tinha o potencial de aumentar os rendimentos de parte dos aposentados que recebiam salários maiores e que não foram considerados para o cálculo do benefício, ou seja, para parte dos segurados poderia significar uma regra mais vantajosa. Mas o custo financeiro para o governo seria alto.
A origem do imbróglio
Essa mudança de posição do STF só foi possível porque a decisão de 2022 não chegou a entrar em vigor. Isso porque ainda há um recurso pendente contra ela, ingressado pelo governo. Esse recurso também estava na pauta de ontem, mas antes os ministros decidiram analisar outras duas ações que questionam alterações no sistema previdenciário promovidas por uma lei de 1999 que criou o fator previdenciário — a reforma da Previdência do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
O fator previdenciário é uma fórmula matemática para definir o valor das aposentadorias e foi adotado na época para incentivar que o segurado trabalhasse por mais tempo. A Reforma da Previdência de 2019 substituiu o fator, mas ele ainda é usado para quem se encaixa nas chamadas regras de transição.
Ao analisar essas ações, os ministros do STF aprovaram uma tese que estabelece que o segurado não pode optar pela regra mais favorável. Por maioria, o tribunal entendeu que os segurados não têm direito de opção, mesmo que a regra seja mais benéfica a ele. É uma decisão exatamente oposta à revisão da vida toda.
Prevaleceu a posição apresentada pelo ministro Cristiano Zanin, de que as regras estabelecidas na lei de 1999 não poderiam ser opcionais. Ele ingressou na Corte em agosto do ano passado após ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
— Foram previstas três regras específicas, inclusive uma de transição, justamente para se preservar o equilíbrio do sistema previdenciário. Não me parece possível, portanto, que com a declaração da constitucionalidade essa regra de transição possa ser de natureza optativa — afirmou.
O ministro Flávio Dino, que também entrou no STF depois do julgamento original da revisão da vida toda, também seguiu o voto de Zanin. Eles foram acompanhados por Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, que era o relator, havia votado no sentido oposto, mas alterou seu voto com a maioria já formada.
Moraes deixa plenário antes do fim
Já o ministro Alexandre de Moraes, que liderou a posição vencedora no julgamento da revisão da vida toda, considerou que a mudança não poderia prejudicar os segurados. O ministro chegou a deixar o julgamento antes da sua conclusão. Ele se queixa das idas e vindas do STF nessa questão.
— O segurado deve ter a opção de falar: “não, eu quero a aplicação da regra geral; eu agradeço o que o legislador fez por mim, para melhorar a minha situação, só que eu quero ser tratado igual todo mundo; eu quero a regra geral de todos os salários de contribuição” — afirmou o ministro.
‘Ninguém fica feliz’
Concordaram com Moraes os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Barroso, que é presidente do STF, acompanhou Zanin e afirmou que “ninguém fica feliz” de não favorecer os segurados, mas ressaltou que é preciso garantir a “integridade do sistema” previdenciário:
— Todos nós gostaríamos de dar o máximo possível a todas as pessoas. Mas nós também temos que zelar pelo que consideramos a integridade do sistema, se não perdem todos.
Com o resultado da votação, a revisão da vida toda fica prejudicada, já que os segurados poderão seguir apenas as regras do fator previdenciário, sem direito à escolha.
A decisão tomada ontem prevalece sobre a da revisão da vida toda, de 2022, porque é resultado do julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), classe processual que tem mais força.
AGU: ‘grande vitória’ que evita ‘caos’
Barroso preferiu pautar as ADIs antes de discutir o recurso da revisão da vida toda em si. A votação desse recurso já começou no plenário virtual do STF e, inclusive, teve votos de ministros agora aposentados. Por isso, no entendimento de Barroso, segundo interlocutores, era preferível votar antes uma ação com mais peso jurídico.
Desde o fim do ano passado, a AGU tem feito um corpo a corpo com todos os ministros da Corte. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também atuou para reverter o entendimento do STF sobre o processo da revisão da vida toda.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, que passou a tarde no STF, comemorou a decisão:
— Uma grande vitória para o Estado brasileiro.
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou a decisão do STF “paradigmática” ao Estado brasileiro. Na nota, a AGU afirma ainda que a decisão evita um cenário de “caos” administrativo no INSS. Uma das dificuldades caso o processo da revisão da vida toda fosse mantido seria recuperar os dados dos segurados. Registros anteriores a 1994 estão em papel e ainda não foram digitalizados.
“A decisão do STF garante segurança jurídica e confirma entendimento fixado pelo próprio Tribunal há mais de 20 anos”, concluiu a AGU