Socorro às aéreas: quais as alternativas em debate para aliviar a crise do setor
Um dos segmentos mais duramente atingidos pelos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19, o setor aéreo está prestes a receber um pacote de socorro do governo federal. Pastas como os ministérios de Portos e Aeroportos, do Turismo e da Fazenda, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vêm estudando possíveis medidas para aliviar a crise das companhias aéreas brasileiras, que acumulam prejuízos nos últimos anos.
Estão sobre a mesa propostas como o abatimento de dívidas regulatórias, a renegociação de débitos tributários e, sobretudo, uma linha de crédito emergencial via BNDES. Para que ela seja viabilizada legalmente, no entanto, seria necessária a constituição de um fundo garantidor. Neste momento, há duas possibilidades sob análise: a utilização de recursos Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), que já existe, ou a criação de um novo fundo, específico para as companhias aéreas e sem ligação com o Fnac, que poderia chegar a R$ 6 bilhões.
Criado pela Lei nº 12.462, de 2011, o Fnac tem como função primordial “fomentar o desenvolvimento do sistema nacional de aviação civil”, com “ações prioritárias” que incluem “manutenção e aprimoramento da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária públicas, objetivando trazer a garantia de investimentos no setor”, de acordo com o Ministério de Portos e Aeroportos. Os recursos do fundo são oriundos do Adicional de Tarifas Aeronáuticas (Ataero), das outorgas de concessões aeroportuárias, dos rendimentos de aplicações financeiras e da parcela do aumento das tarifas de embarque internacional. Atualmente, os recursos do Fnac estão inteiramente sob gestão do Ministério de Portos e Aeroportos.
No Congresso Nacional, há projetos em tramitação que reabrem a possibilidade de empréstimos garantidos pelo Fnac para companhias aéreas – a permissão vigorou apenas em 2020, no primeiro ano da pandemia, para empréstimos de até R$ 3 bilhões. A proposta mais avançada no Parlamento é o PL 3221/2023, de autoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE). O texto tramita em regime de urgência e está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara. A proposta modifica a Lei nº 12.462 e permite “a utilização dos recursos do Fnac como lastro a garantias prestadas pela União em operações de crédito contratadas por prestadores de serviços aéreos”.
No Senado, também há uma outra proposição de teor semelhante, o PL 1829/2019, cujo autor é o ex-deputado Carlos Eduardo Cadoca (PE) – morto em 2020, vítima da Covid-19. O projeto, que está sendo analisado pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, recebeu substitutivo do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e promove uma série de mudanças na legislação que trata dos setores de turismo e transporte aéreo. O texto ainda determina que o Ministério do Turismo passe a gerir 30% dos recursos do Fnac.
“O Fnac servirá como um fundo garantidor de empréstimos que as companhias tenham interesse em pegar junto ao BNDES. Já há a sinalização do [Aloizio] Mercadante [presidente do BNDES] de disponibilizar o recurso para as empresas”, afirma o deputado Felipe Carreras, em entrevista ao InfoMoney. “Nada mais justo que as companhias tenham o fundo como garantidor para esses empréstimos. É fundamental para que elas possam adquirir novas aeronaves, aumentar a oferta de destinos e baixar os preços das tarifas”, explica o parlamentar.
Na semana passada, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, indicou que a instituição poderia conceder empréstimos às companhias aéreas, desde que o banco receba garantias. Em princípio, o crédito seria oferecido ao custo da Taxa de Longo Prazo (TLP), a taxa de juros utilizada pelo BNDES nos empréstimos concedidos. Sua principal finalidade é adequar os juros do crédito do BNDES àqueles normalmente praticados no mercado. Está descartado, por ora, o subsídio do banco às aéreas por meio de taxas de juros reduzidas.
A ideia é que o Fnac replique modelo semelhante ao do Fundo Garantidor de Operações (FGO), com recursos do Tesouro Nacional, que vem sendo utilizado para o refinanciamento de dívidas de pessoas físicas do programa Desenrola Brasil. A diferença entre os dois é que o Fnac é um fundo apenas contábil – criado para gerir recursos, ele não possui receita nem patrimônio próprios. Caso sejam necessários desembolsos para cobrir eventual inadimplência, haveria custo para o Tesouro, o que é rechaçado pela equipe econômica.
“É obrigação do governo dar a mão às empresas”
No fim de janeiro, o Tribunal de Falências de Nova York aceitou o pedido de recuperação judicial apresentado pela Gol. Com dívidas acima de R$ 20 bilhões, a empresa reeditou o caminho escolhido por Latam e Avianca em anos anteriores, recorrendo à Justiça americana. A Latam entrou em recuperação judicial nos EUA em maio de 2020 e só saiu em novembro de 2022. A Azul concluiu, em outubro do ano passado, a renegociação de sua dívida com arrendadores e fabricantes de aeronaves.
“No pós-pandemia, as companhias aéreas ainda vivem momentos difíceis”, observa Carreras. “Diante das dimensões continentais do país, [o pacote de socorro às aéreas] é indispensável para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e para termos uma indústria da aviação forte. É papel do Parlamento e uma obrigação do governo dar a mão às empresas”, completa o deputado.
Segundo Carreras, o PL 3221 está maduro para ser votado pelos deputados e conta com a “boa vontade do governo”. “Nós já aprovamos a urgência, só falta votar no plenário. Tenho o sentimento de que os líderes da base estão convencidos. Há o empenho pessoal dos dois ministérios da área-fim, com os ministros [dos Portos e Aeroportos], Silvio Costa Filho (Republicanos), e [do Turismo], Celso Sabino (União Brasil), na linha de frente”, diz. “O próprio presidente da Embratur [Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo], Marcelo Freixo (PSB), também tem essa compreensão. Acredito que o governo já está convencido, o Congresso Nacional também. Está maduro para aprovarmos e darmos esse fôlego às companhias.”
O que dizem o governo e as aéreas
Em nota encaminhada ao InfoMoney, o Ministério de Portos e Aeroportos afirma que “está trabalhando em conjunto com o Ministério da Fazenda na elaboração de um modelo operacional mais eficiente para enfrentar o desafio da dificuldade de acesso ao crédito enfrentado pelas empresas aéreas”. “As soluções estudadas passam pela utilização do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), que foi criado justamente para o desenvolvimento e fomento do setor de aviação civil”, confirma a pasta.
“Contudo, não se restringem à utilização do fundo. Atualmente, o Fnac conta com cerca de R$ 7 bilhões, decorrentes das contribuições arrecadadas no programa de concessões dos aeroportos brasileiros. Como solução de curto prazo, está sendo construída a possibilidade de utilização de linhas de créditos já existentes, que exigem a realização de ajustes pontuais de regramento”, diz o ministério.
O InfoMoney também entrou em contato com as três principais companhias aéreas do país. Em nota, a Gol destacou que o setor “ainda se recupera da maior crise da história”. “A Gol entende que políticas públicas que tenham como objetivo o crescimento e o desenvolvimento do turismo e da economia no Brasil são muito bem-vindas”, diz a empresa.
Também por meio de nota, a Latam afirmou que “o Brasil precisa endereçar os desafios estruturantes para promover o crescimento da sua aviação”. “Nesse sentido, o desafio permanente é o custo da operação aérea no país, impactado pelo alto preço do combustível de aviação, a alta judicialização do setor aéreo, a dificuldade de acesso ao crédito e outros fatores locais, como a elevada carga tributária do país”, aponta a companhia. A Azul, por sua vez, preferiu não se manifestar.