Entenda os principais pontos da decisão que tira Trump das primárias no Colorado
Tribunal entendeu que a proibição a "insurrecionistas" de ocupar cargos públicos nos EUA presente na 14ª Emenda se aplica à conduta de Trump em 6 de janeiro de 2021, quando houve a invasão do Capitólio
A Suprema Corte do Colorado tomou uma decisão sem precedentes na terça-feira (19), entendendo que o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump é constitucionalmente inelegível para concorrer nas eleições presidenciais em 2024. A medida se aplica apenas ao estado.
O tribunal entendeu que a proibição a “insurrecionistas” (insurgentes ou rebeldes) de ocupar cargos públicos presente na 14ª Emenda da Declaração dos Direitos dos Estados Unidos se aplica à conduta de Trump em 6 de janeiro de 2021, quando houve a invasão do Capitólio.
A decisão por 4 a 3 retira Trump da votação primária republicana no Colorado, que está marcada para a “Super Terça-Feira”, no início de março do ano que vem.
No entanto, os juízes do estado suspenderam sua decisão para que Trump possa recorrer à Suprema Corte dos EUA, o que pode até manter a participação nas eleições primárias do Colorado se o recurso não for resolvido rapidamente.
Em muitos aspectos, a decisão histórica responsabiliza Trump pela tentativa de anular as eleições de 2020 e é uma punição política pelo seu comportamento antidemocrático.
A decisão é também era uma reivindicação de grupos liberais e estudiosos constitucionais de todos os espectros que defenderam tais ações judiciais da 14ª Emenda.
Mas Trump conseguiu reverter decisões judiciais negativas em resultados eleitorais. Ele já está, hoje, em uma posição mais forte para derrotar o presidente Joe Biden do que estava há um ano, antes de ser indiciado criminalmente em quatro jurisdições.
Além disso, o empresário e seus aliados do Partido Republicano entraram em ação logo após a decisão da Suprema Corte do Colorado, se posicionando como vítima e protestando contra a decisão.
Entenda os principais pontos da decisão e os próximos passos:
Trump se envolveu em insurreição, diz tribunal
O principal tribunal do Colorado manteve as conclusões do juiz de primeira instância de que o ataque de 6 de janeiro contra o Capitólio dos EUA foi uma insurreição e que Trump “se envolveu” nessa insurreição.
Esses eram pontos fundamentais que os adversários de Trump precisavam manter para que ele fosse removido da votação, em grande parte porque o texto da 14ª Emenda não define realmente uma “insurreição” nem explica o que significa “envolver-se em uma” insurreição.
Os juízes também entenderam que o discurso de Trump em 6 de janeiro não foi protegido pela Primeira Emenda, que diz respeito à liberdade de expressão.
Trump levou, sem sucesso, este argumento nos tribunais estaduais e federais, que concluíram que ele incitou a violência quando disse aos seus apoiadores para “caminharem até ao Capitólio” e “lutarem como o diabo” para “retomar o nosso país”.
“O presidente Trump incitou e encorajou o uso da violência e de ações ilegais para perturbar a transferência pacífica de poder”, escreveram os juízes no parecer de 134 páginas.
“Proibição insurrecional” se aplica a Trump
Os magistrados, entretanto, romperam com a juíza de primeira instância em uma questão fundamental, revertendo sua controversa decisão de que a “proibição insurrecional” se aplica a todos os cargos, exceto a Presidência.
A seção 3 da 14ª Emenda dos Estados Unidos diz que os rebeldes que quebram o juramento não podem servir como senadores, deputados, eleitores presidenciais, “ou ocupar qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos, ou sob qualquer Estado”. Mas não menciona a Presidência.
Essa imprecisão textual é a razão pela qual a juíza de primeira instância manteve Trump elegível para 2024. Mas o tribunal superior discordou, e esse foi o eixo da decisão de desqualificar Trump.
“Parece mais provável que a Presidência não esteja especificamente incluída, porque ela é evidentemente um ‘gabinete’”, disse o tribunal, acrescentando que “a conclusão de que a Presidência é algo diferente de um cargo ‘sob’ os Estados Unidos vai fundamentalmente contra a ideia de que todos os funcionários do governo, incluindo o presidente, servem ‘nós, o povo’”.
Decisão final será da Suprema Corte dos EUA
A decisão do tribunal estadual, porém, não é a palavra final. O caso segue para a Suprema Corte dos Estados Unidos.
E ninguém sabe ao certo como os juízes vão lidar com o caso. Com que rapidez eles decidirão aceitar o recurso? Eles farão argumentação oral? Com que rapidez eles emitirão uma decisão final?
As respostas a estas perguntas terão implicações para o calendário político, com o sistema eleitoral do Iowa dando início à época das primárias republicanas em menos de um mês.
Com a decisão surpresa do Colorado, a dinâmica mudou. Trump está agora do lado perdedor do caso e precisa que o tribunal superior do país restaure o seu lugar nas urnas.
Isso significa que ele vai pedir à Suprema Corte dos EUA, que tem maioria absoluta conservadora e com três juízes que o ex-presidente nomeou, que mantenha viva a sua campanha.
“Esta é uma decisão extraordinária e sem precedentes”, disse Derek Muller, especialista em direito eleitoral da Faculdade de Direito Notre Dame, que apresentou uma petição no caso que forneceu uma análise jurídica das principais questões no processo, mas foi neutro quanto à elegibilidade de Trump.
“Isso coloca toda a campanha eleitoral de Trump em sério risco jurídico. E a Suprema Corte será solicitada a ouvir este caso que altera as eleições, algo que tenho certeza de que ela tem pouco interesse em ouvir”, acrescentou.
Decisão pausada é uma boa notícia para Trump
A decisão diz que se Trump recorrer à Suprema Corte até 4 de janeiro de 2024, o que é quase certo, então a decisão será suspensa até que o mais alto tribunal do país anuncie se aceitará o caso – e, se o fizer, até que entregue a sua decisão final.
O dia 4 de janeiro é um dia antes de a lei estadual exigir que a secretária de estado do Colorado, Jena Griswold, certifique a lista de candidatos para as primárias presidenciais republicanas, que acontecerão em 5 de março.
Griswold, integrante do Partido Democrata, disse acreditar que Donald Trump incitou a insurreição, mas não tomou posição sobre a elegibilidade do empresário ao abrigo da 14ª Emenda.
Ela ressaltou na terça-feira, em entrevista ao programa “Anderson Cooper 360”, da CNN, que “seguirá qualquer decisão judicial em vigor”.
Os juízes do Colorado pontuaram que Griswold “continuará a ser obrigada a incluir o nome do presidente Trump nas eleições primárias presidenciais de 2024 até o recebimento de qualquer ordem ou mandato da Suprema Corte”.
Portanto, mesmo que ele permaneça nas eleições primárias e ganhe a nomeação do Partido Republicano, isso significa que ainda poderá ser desqualificado para as eleições gerais – e todos os outros estados estarão atentos ao desenrolar das eleições.
Resultado apertado abre caminho para vitória de Trump
As dissidências do tribunal do Colorado, que tomou a decisão fortemente dividido, em resultado por 4 votos a 3, oferecem algumas bases jurídicas para Trump anular a medida quando recorrer à Suprema Corte dos EUA.
Um juiz concluiu que um candidato não deveria ser desqualificado ao abrigo da 14ª Emenda se não tiver sido condenado por insurreição, o que é um crime federal. Trump enfrenta outras acusações criminais, mas não de insurreição, no seu caso de subversão eleitoral federal.
Outro juiz levantou questões sobre o devido processo e disse que apenas o Congresso tem o poder de fazer cumprir a proibição. Trump já levantou alguns desses argumentos no caso.
Embora o ex-presidente tenha criticado o tribunal por ter apenas juízes nomeados por democratas, a sua equipe também está “acolhendo” os dissidentes. Os pontos de discussão divulgados pela campanha de Trump na terça-feira destacaram um comentário contundente do juiz Carlos Samour.
“Estou envolvido no sistema judicial há trinta e três anos e o que aconteceu aqui não se parece com nada que tenha visto num tribunal”, escreveu Samour na sua dissidência.
Juízes do Colorado sabiam que decisão era histórica
A opinião da maioria reconheceu logo de cara que o caso os forçou a “viajar em território desconhecido” e que o caso “apresenta vários problemas de primeira impressão”.
Na verdade, os juízes nunca opinaram sobre estas questões, porque nunca precisaram. Nunca antes houve uma possibilidade remota de que um presidente que se tornou insurrecionista concorresse novamente ao cargo.
O caso é mais um lembrete solene de como Trump se tornou o primeiro presidente dos Estados Unidos a tentar permanecer no poder depois de perder.
“Não chegamos a estas conclusões levianamente. Estamos conscientes da magnitude e do peso das questões que agora temos diante de nós”, pontuou o documento da decisão majoritária.
“Estamos igualmente conscientes do nosso dever solene de aplicar a lei, sem medo ou favorecimento, e sem sermos influenciados pela reação pública às decisões que a lei exige que tomemos”, concluiram.
*Devan Cole, Holmes Lybrand e Alayna Treene, da CNN, contribuíram para esta reportagem