Presidência brasileira do Conselho de Segurança da ONU chega ao fim sem resolução sobre Oriente Médio; veja motivos
País comandou conselho durante o mês de outubro e não conseguiu aprovar resolução. Diplomata e ex-chanceler veem exigências dos EUA a favor de Israel e ‘rivalidade visceral’ entre países como algumas das razões.
Chega ao fim nesta quarta-feira (1º) a presidência brasileira do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A diplomacia do Brasil Brasil tentou, mas não conseguiu aprovar nenhuma resolução que pudesse levar o conflito entre Israel e o Hamas a um cessar-fogo ou à abertura de corredores humanitários para retirada das população civil da Faixa de Gaza.
Ao longo das últimas semanas, foram colocadas em votação no conselho diversas propostas, apresentadas, por exemplo, por Brasil, Estados Unidos e Rússia. Todas foram vetadas, sob diversas alegações. Mas não houve acordo para aprovação dentro do conselho.
Neste mês de novembro, a presidência do conselho, que é rotativa, passa para a China.
O g1 ouviu o diplomata Marcos Azambuja, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-secretário-geral do Itamaraty, e também o ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes.
Alguns pontos levantados por eles para uma resolução não ter passado ainda são:
- exigências dos EUA a favor de Israel
- ‘rivalidade visceral’ entre EUA e Rússia
- não ser possível acomodar os interesses de todos os países
Leia com detalhes mais abaixo:
Exigências dos Estados Unidos
Para Azambuja, que também já serviu como diplomata na ONU, um dos obstáculos à aprovação de uma resolução foram exigências dos Estados Unidos para que o texto expressasse o direito de Israel de agir em resposta aos ataques terroristas do Hamas.
Isso, na visão dele, não teria apoio dos demais integrantes do conselho. O órgão é composto por 10 membros não permanentes e 5 permanentes: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. Qualquer resolução só é aprovada se tiver o aval desses 5 ao mesmo tempo.
Uma resolução colocada em votação no conselho chegou a ter votos favoráveis, mas os Estados Unidos usaram seu poder de veto.
“A minha avaliação é que o Brasil agiu com profissionalismo. Obteve um resultado extraordinário ao conseguir 12 votos a favor (…) Os Estados Unidos vetariam qualquer resolução que não tivesse a expressão direta de apoio ao direito de Israel de agir, o que não poderíamos colocar no projeto de resolução. O Brasil agiu com prudência e com profissionalismo”, declarou
Para o diplomata, o debate sobre a guerra entre Israel e Hamas ainda não está maduro dentro do Conselho de Segurança.
Questionado se o Brasil deveria ter focado as articulações nos países com direito a veto, Azambuja disse entender que ‘’não faria diferença’’.
Rivalidade entre EUA e Rússia
Ministro das Relações Exteriores no governo Michel Temer, o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira afirmou que, para ele, o conselho não aprovou as resoluções em razão da “rivalidade visceral” entre Estados Unidos e Rússia.
Aloysio Nunes também avaliou que a resolução proposta pelo Brasil era “equilibrada”e “não afrontava nenhuma das grandes potências”, mas esbarrou nas divergências entre outros países do conselho.
“[O ministro] Mauro Vieira e [o embaixador do Brasil na ONU] Sergio Danese foram absolutamente impecáveis. O Brasil teve uma articulação que conseguiu êxito enorme. […] O Brasil demonstrou capacidade de negociação, especialmente em um tema que nos caracteriza nas Nações Unidas, que é o tema da paz, da busca por soluções pacíficas dos conflitos”, afirmou.
Diplomatas brasileiros chegaram a focar as negociações junto a representantes de EUA e Rússia com o objetivo de evitar o chamado veto cruzado entre os países, mas a articulação não prosperou.
Avaliação do ministro
Na noite desta terça-feira, em Nova York, após participar do último dia do Brasil na presidência do conselho, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, falou sobre a atuação do país ao longo de outubro.
Vieira disse que o Brasil e demais membros não permanentes do conselho tentaram reunir pontos em comum de quatro resoluções que foram apresentadas, mas não conseguiram chegar a um consenso que envolvesse todos os cinco membros permanentes.
O ministro afirmou que agora cabe à China, novo país a presidir o conselho, a missão de tentar produzir um texto que consiga ser aprovada. Vieira destacou que ainda há muitos pontos de divergência.
Reforma do conselho
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido frequentemente a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Para Lula, o grupo precisa ter mais países, por exemplo, Brasil, Japão, Alemanha e África do Sul. O presidente também tem afirmado ser “loucura” o poder de veto dos países com assento permanente, se dizendo “radicalmente” contra esta prerrogativa.
De acordo com Azambuja, o atual cenário em que o conselho não consegue aprovar resolução sobre o Oriente Médio “reforça” a necessidade de reforma. Mas pontua: “Os obstáculos são maiores que os desejos”.
Na mesma linha, Aloysio Nunes afirma que o conselho precisa ser mais “representativo”, uma vez que ainda representa a geopolítica da década de 1940.