Como a reforma tributária vai mexer com grandes heranças
Especialistas apontam que texto promove “justiça fiscal”. Family offices acompanham de perto o assunto
A advogada Victoria Siqueira está acompanhando de perto o avanço da reforma tributária. A atenção maior para o tema acontece não só pelas mudanças gerais relacionadas à tributação sobre o consumo, mas em função das alterações relativas à taxação de heranças. Ela é diretora de wealth planning na Portofino Multi Family Office, escritório que presta serviços financeiros a famílias de alto patrimônio – que deverão ser as principais afetadas, caso as novas normas sejam aprovadas.
“Como family office, nós estamos preparados para auxiliar as famílias no que for necessário para garantir a readequação ágil dos planejamentos”, diz Siqueira. Erika Constantino, head de wealth planning da Mandatto Family Office, por sua vez, relata não haver “desespero” entre as famílias de alto patrimônio atendidas por ela. Ainda assim, segue acompanhando o tema de perto e orientando os clientes.
“Sempre aconselhamos que eles não antecipem movimentações drásticas antes de ter certeza que aquela regra será implementada”, afirma Constantino. “Afinal, no passado, muitos projetos de lei foram discutidos em nosso Congresso e não deram em nada.”
Grandes heranças no alvo
O texto-base da reforma tributária abre caminho para um aumento de taxação sobre heranças – um tema espinhoso, que já foi alvo de muitas discussões no País. Hoje, o Brasil possui uma das menores tributações do mundo sobre este tipo de patrimônio, de no máximo 8%.
A principal mudança proposta é no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que deve se tornar obrigatoriamente progressivo. Ou seja, herdeiros com direito a um patrimônio menor lidarão com um tributo menor. Enquanto herdeiros com direito a um capital mais vasto serão taxados com alíquotas mais altas.
Hoje, cada estado define a forma de tributação, desde que respeitado o teto de 8% para a cobrança. Algumas regiões, como o Rio de Janeiro, já utilizam a progressão. Outras ainda possuem alíquotas fixas. Em São Paulo, por exemplo, o ITCMD é de 4%.
Daniela Froener, sócia e advogada tributarista do Silva Lopes Advogados, vê essa medida como uma forma de promover justiça fiscal. “Com certeza vai representar um aumento (de tributação) para as pessoas com a herança maior. O que é mais justo”, afirma.
Entretanto, essa questão não é unanimidade. Priscila Corrêa da Fonseca, do escritório Priscila Fonseca Advogados, teme que, na prática, a alteração culmine no aumento de taxação sobre todas as heranças. “A preocupação é de que as alíquotas atualmente vigentes venham a ser tomadas como pontos de partida, com a respectiva majoração a depender dos valores da herança deixada”, diz a advogada.
Fim da guerra fiscal
O estabelecimento da progressão não é a única mudança relevante proposta na reforma tributária em relação à taxação de heranças. Se texto for aprovada como está, a cobrança do imposto sobre bens móveis de herança (como investimentos, cotas de fundos e participações em empresas), deverá ser feita na região onde a pessoa faleceu. Hoje, é essa taxação é feita no local de processamento do inventário.
“A mudança proposta visa acabar com a ‘guerra fiscal’ entre os estados, já que hoje o inventário pode ser processado em estados que possuem alíquotas menores, ainda que não seja o local de moradia da pessoa falecida ou dos herdeiros”, aponta Laísa Santos, especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela FGV/SP.
Heranças vindas do exterior, hoje isentas, também entram no radar. O texto prevê que enquanto não houver lei complementar específica, os estados poderão exigir ITCMD no estado de domicílio do herdeiro ou donatário.
“Vale lembrar que a entrada em vigor de qualquer alteração nas regras de imposto sobre doações e herança, que resulte em aumento da carga tributária, deve observar duas condições: as novas regras só podem ser aplicadas no ano seguinte à mudança de lei e após 90 dias da data de sua publicação”, ressalta Siqueira, da Portofino.
Froener, sócia e advogada tributarista do Silva Lopes Advogados, enxerga essa medida como positiva. “Me parece outra forma de justiça fiscal”, diz. “Quem recebe herança dentro do Brasil paga. Então não há justificativa para brasileiros que recebem herança do exterior não pagarem.”
Por último, o quarto grande ponto em relação à taxação de heranças ocorre na isenção para doações a instituições sem fins lucrativos, o que deve fomentar essa prática.
Devo me antecipar às mudanças?
O texto da reforma tributária ainda precisa ser aprovado no Senado Federal, em um processo que não deve ser célere. Também não há certeza de que a aprovação acontecerá e, mesmo se ocorrer, poderá ser aprovada com alterações.
Por isso, o investidor precisa ter cuidado redobrado e não se precipitar. Constantino, da Mandatto Family Office, ressalta que o planejamento sucessório deve ser analisado caso a caso.
“A família precisa refletir se realizar as transferências dos bens em vida faz sentido. E se fizer, é preciso entender também o que são esses bens”, diz Constantino. “Por exemplo, os bens são cotas de um fundo fechado que eu possa transferir e me reservar o usufruto? É um imóvel que eu posso transferir agora, garantir essa alíquota (hoje menor) e ficar com o usufruto?”, destaca.