Obra engajada de Gonzaguinha é revitalizada em gravações que ecoam em trilhas de TV e shows
Samba 'É', de 1988, é o tema de abertura da novela 'Amor de mãe' na voz do compositor.
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (22 de setembro de 1945 – 29 de abril de 1991) foi uma das vozes que mais se fizeram ouvir contra o governo autoritário que comandou o Brasil ao longo dos anos 1970.
Sintomaticamente, a obra perene deste expressivo compositor carioca – conhecido artisticamente como Gonzaguinha – tem ecoado com vigor ao longo de 2019, ano sombrio, marcado por ataques à liberdade de expressão.
Essa revitalização do cancioneiro politizado do artista ganhará ainda mais força a partir de 25 de novembro, data em que a TV Globo estreia a novela Amor de mãe no horário das 21h. Um dos sambas mais populares da obra de Gonzaguinha, É será propagado na abertura da novela na gravação original feita em 1988 pelo cantor e compositor.
Coincidentemente, outro samba engajado do compositor – Comportamento geral, lançado por Gonzaguinha em compacto editado em 1972 – reverbera nas trilhas sonoras de outras duas produções da emissora de TV.
Na abertura da série Segunda chamada, exibida às terças-feiras, Comportamento geral é ouvido na voz de Elza Soares. Na trilha sonora da novela Éramos seis, atual atração da Globo no horário das 18h, o samba ecoa no canto de Ney Matogrosso com todas as ironias e recados da letra tensa.
Sem falar que o mesmo samba Comportamento geral é um dos números mais aplaudidos do atual show de Vanessa da Mata, Quando deixamos nossos beijos na esquina, em turnê pelo Brasil desde junho.
Gonzaguinha merece esse reconhecimento porque é um dos grandes compositores da MPB. Revelado na década de 1960, na era dos festivais, Gonzaguinha jamais se calou. Chegou a ser conhecido como o cantor-rancor pelo teor indignado da obra e também pelo temperamento indomado deste artista que nunca fez média com a mídia e com a indústria da música.
Aos poucos, a aura de tensão em volta de Gonzaguinha se diluiu e o compositor se enterneceu sem perder a dureza da vida cotidiana, matéria-prima de muitos sambas antenados da obra que construiu com coerência ideológica de 1969 a 1991, ano em que saiu precocemente de cena, aos 46 anos, vítima de acidente de carro.
Tampouco sem perder o tom politizado da obra, o compositor também se permitiu falar de amor em canções e boleros que encontraram as mais perfeitas traduções nas vozes de cantoras como Maria Bethânia, Nana Caymmi e Simone.
Sempre cantadas em discos e shows, as músicas apaixonadas de Gonzaguinha vem atravessando gerações em outras vozes que perpetuaram tudo o que homem falou em letras populares, mas nunca banais.
Se o momento parece ser mais dos sambas raivosos, é porque essa trilha mais engajada se ajusta ao polarizado momento político do Brasil.
Contudo, a obra de Gonzaguinha extrapola o arco político. É contundente, por vezes lírica, pioneiramente antimachista – como exemplifica Mulher e daí? (Apenas mulher), canção de 1980 que criticou o jugo patriarcal das relações afetivas, tomando partido do lado feminino no embate conjugal – e sempre atual porque nunca foi impressa com referências datadas.
Gonzaguinha falou da vida e dos dilemas do cidadão comum no cotidiano, marcando posição na luta contra toda forma de opressão. Por isso, a música de Gonzaguinha reverbera em 2019 com a mesma importância da década de 1970.