Governo Bolsonaro não adotou procedimentos para incorporar joias sauditas a patrimônio, diz Haddad
Receita Federal informou que vai investigar as circunstâncias de ingresso no país de um segundo pacote de joias
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, nesta segunda-feira (6), que o governo do presidente Jair Bolsonaro não adotou os procedimentos necessários para a incorporação ao patrimônio público de joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita a uma comitiva brasileira que visitou o país em 2021.
“A Presidência da República não adotou os procedimentos cabíveis para a incorporação ao patrimônio público, razão pela qual os auditores da Receita Federal, com propriedade e muita razão, informaram o procedimento legal e mantiveram as joias em um cofre da Receita Federal em São Paulo para que elas não fossem apropriadas indevidamente ou o que quer que seja”, disse Haddad a jornalistas no Ministério da Fazenda.
Haddad chamou de “coisa absurdamente atípica” o valor estimado das joias, dizendo que “ninguém ganha presente de 16 milhões de reais”.
A Receita Federal informou mais cedo nesta segunda-feira que vai investigar as circunstâncias de ingresso no país de um segundo pacote de joias dado pelo governo da Arábia Saudita a uma comitiva brasileira que visitou o país em outubro de 2021 para ser entregue ao presidente Jair Bolsonaro.
O Receita já havia informado no fim de semana que não foram seguidos os protocolos adequados para incorporação ao patrimônio da União de joias presenteadas pelos sauditas a Bolsonaro e à então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Em nota nesta segunda, a Receita fez menção ao outro pacote de joias que “teria ingressado no país, o que somente seria possível se trazido por outro viajante, diferente daquele alvo da fiscalização aduaneira” que encontrou as joias destinadas a Michelle.
“O fato pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos”, disse.
“Diante dos fatos, a Receita Federal tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para a esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem”, complementou.
De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira (3), o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes, avaliados em 3 milhões de euros, presente do regime saudita, que foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos.
No domingo (5), o jornal Folha de S.Paulo revelou um segundo pacote, que inclui caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard, que estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva brasileiro e não foi interceptado pela Receita. Publicamente, não houve avaliação do valor desse lote.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, enviou nesta segunda-feira um ofício ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos, para apurar os fatos divulgados pelas reportagens envolvendo a tentativa de ingresso das joias que seriam entregues ao ex-presidente sem o cumprimento dos procedimentos legais.
“Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a Administração Pública tipificados no Código Penal, entre outros. No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim como à vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”, destacou Dino no ofício.
Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde que viajou em dezembro dias antes do final do seu mandato, negou ilegalidade.
“Eu agora estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi”, afirmou no fim de semana. “Eu não fiquei sabendo. Dois, três dias depois, a Presidência notificou a alfândega que era para ir para o acervo. Até aí tudo bem, nada demais. Poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, e seria entregue à primeira-dama. O que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer”, disse ao falar com a imprensa em Washington.
Nesta segunda-feira, Haddad também criticou a existência dos cargos de adidos do governo no exterior, depois de repercutir na imprensa a informação de que, no final do ano passado, Bolsonaro indicou o então secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes para ser adido em Paris.
“Já no ano passado eu me senti muito desconfortável com a criação desses adidos no exterior e parecia uma coisa muito imprópria ser feita a toque de caixa de maneira a mandar esses servidores para o exterior, a mudar de país, entre outras cidades”, disse Haddad nesta segunda-feira.
Ele afirmou que pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de seu mandato que extinguisse os cargos de adidos, “para justamente evitar que esses servidores pudessem sair do Brasil e ganhar uma pequena fortuna de salário no exterior, sem responder pelo que eventualmente pudessem estar fazendo no Brasil”.
Segundo o ministro, “hoje fica mais claro que alguma coisa estranha estava acontecendo, que precisa ser apurada, investigada e, eventualmente, os responsáveis, punidos”.