Bruno Serra defende autonomia e diz que “esse foi o mesmo BC, com o mesmo grupo de diretores, que colocou a Selic em 2%”
“O Banco Central é para ser uma instituição de Estado, não de governo”, apontou o diretor, cujo mandato termina no final deste mês
Em meio às tensões recentes entre o governo Lula e o Banco Central, o diretor de Política Monetária da autarquia, Bruno Serra, fez nesta quarta-feira uma defesa contundente da autonomia do banco, defendendo que ela beneficia a sociedade ao permitir que a autoridade monetária tome decisões técnicas, sem interferência dos ciclos políticos.
“O Banco Central é para ser uma instituição de Estado, não de governo”, disse Serra durante palestra em evento empresarial em Macaé (RJ).
“A autonomia do Banco Central nos beneficia, beneficia a sociedade, por segregar o ciclo político do ciclo da economia. A economia não obedece ao ciclo político.”
Serra, cujo mandato termina no final deste mês, reiterou ainda argumento da última ata do Comitê de Política Monetária sobre o desafio do BC de ancorar as expectativas de inflação.
“Até alguns meses atrás, os agentes entendiam que a meta era crível, achavam que pelo menos em 2025, 2026 o Banco Central seria capaz de entregar, mas recentemente a gente teve um aumento das expectativas mais longas, que precisa ser compreendido”, disse.
Ele afirmou que não pode haver leniência do BC.
“Um banco central que não tenha credibilidade para entregar a meta, seja lá qual for a meta que lhe for definida, é ruim para a sociedade, é ruim para o governo”, afirmou o diretor, acrescentando que isso aumenta o custo necessário para reduzir a inflação.
De acordo com o diretor, a taxa básica de juros no Brasil é maior que nos países desenvolvidos porque a inflação aqui também é maior que nas economias centrais.
“A inflação brasileira é historicamente acima dos países desenvolvidos. Os juros também são maiores porque a inflação é mais alta que a de países desenvolvidos”, disse Serra.
No meio de sua fala, Serra disse que não é o BC que estabelece a meta de inflação, mas sim o Conselho Monetário Nacional (CMN) e que a autoridade monetária atua para atingir a meta estabelecida. “Esse foi o mesmo BC, com o mesmo grupo de diretores, que colocou a Selic em 2%”, disparou.
Serra também fez questão de enfatizar que o BC passou três anos entregando a inflação praticamente no centro da meta. “O BC é uma instituição de Estado, não de governo”, enfatizou.
Em resposta às criticas à autonomia do BC, Serra disse que se trata de um padrão mundial e que beneficia a sociedade. Segundo ele, poucos países não têm seus bancos centrais autônomos e citou Argentina e Venezuela como exemplos.
Movimentos coordenados
O diretor apontou ainda que movimento coordenado de aumento de juros pelos bancos centrais pelo mundo tem na sua raiz o aumento da inflação resultante do necessário aumento dos estímulos fiscais dados pelos governos para combater os impactos negativos da pandemia sobre a economia mundial.
Isso porque, num segundo momento, em resposta aos estímulos na pandemia, o PIB se recuperou fortemente no mundo todo, em 2021 e 2022. Com isso, disse o diretor, a inflação que estava “morta” nos países avançados, reagiu com retomada rápida. No Brasil, a inflação voltou para mais próximo da meta antes da de seus pares, em parte por causa do corte nos impostos que incidem sobre a gasolina.
O que aconteceu neste choque de inflação é que os bancos centrais reagiram no mundo inteiro. Mas no Brasil, de acordo com Serra, a tendência é a de que a inflação caia junto com a do resto do mundo. “A inflação tende a cair com o aperto das políticas monetárias e com a normalização das cadeias produtivas”, previu o diretor.
Ainda, segundo ele, por causa da onda de inflação pelo mundo na esteira dos estímulos, as autoridades monetárias acharam por bem que a atividade econômica fosse submetida a um movimento de desaceleração. Por isso, todos os BCs estão aumentando juros para desacelerar a inflação, num movimento, que segundo ele, é correto. “É natural o crescimento desacelerar com o aperto monetário em todos os lugares”, disse.
Cenário internacional
O diretor de Política Monetária afirmou que um cenário econômico internacional benigno gera uma tendência de desvalorização global do dólar, o que é bom para o Brasil.
Segundo o diretor do BC, no entanto, é preciso esperar para ver a duração desse período favorável a países emergentes como o Brasil. “Tivemos movimentos desses que foram menos longos que gostaríamos”, observou ele.
Serra apontou ainda que atualmente os investidores estrangeiros veem oportunidades no Brasil e que, por isso, está otimista com o câmbio no País.
“Está vindo muito dinheiro para países emergentes”, disse sobre o grupo de países em que figura o Brasil. Antes, Serra disse que há um movimento de desvalorização do dólar, o que é favorável ao País. “Sou otimista com o câmbio. O real está performando melhor na margem”, reforçou.
Varejo
Bruno Serra afirmou que a economia brasileira voltou em um ano a operar acima do nível pré-pandemia e que, agora, o varejo perde força enquanto serviços operam bem acima de antes da pandemia.
Isso porque o consumo de produtos foi o primeiro a se recuperar, mas agora se acomoda, em boa medida em função da retirada de estímulos. Com isso, disse, o uso de capacidade instalada também começou a “mostrar alívio”.
Sobre o consumo das famílias, ele disse que a massa de rendimento real se recuperou no último um ano e meio, quando experimentou crescimento forte. Primeiro esse movimento estava ligado ao auxílio emergencial, sobretudo em 2021, mas depois, cresceu em função do aumento de emprego e salários, que têm desacelerado nos últimos tempos.
“A criação de empregos foi forte, mas mostra desaceleração na margem”, resumiu Serra.
(com Reuters e Estadão Conteúdo)