Lotérica pede R$ 192 mil de indenização para aluna de Medicina da USP suspeita de desviar R$ 1 milhão

Alicia Dudy Muller, de 25 anos, teria causado prejuízo aos proprietários do estabelecimento na Zona Sul de SP. Ela é investigada por estelionato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Defesa também pediu bloqueio de valores na conta bancária da estudante.

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Os proprietários de uma lotérica na Zona Sul de São Paulo estão pedindo R$ 192,9 mil em indenização por danos materiais à estudante Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, por ter causado prejuízo de mesmo valor em apostas não pagas em 2022.

Além disso, é investigada criminalmente no caso da lotérica por estelionato e lavagem de dinheiro. Em julho de 2022, a Polícia Civil instaurou um inquérito para apurar os fatos.

Segundo um depoimento presente no documento:

  • Em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na Lotofácil, todas pagas via PIX;
  • Depois disso, passou a fazer várias apostas em grandes valores;
  • No total, ela teria apostado R$ 461 mil;
  • Em julho de 2022, a estudante teria solicitado R$ 891,5 mil em apostas;
  • Após a operadora de caixa registrar R$ 193,8 mil em apostas, a gerente da lotérica questionou sobre o pagamento, e a suspeita disse que foi realizado um agendamento;
  • A estudante, então, teria realizado uma transferência muito inferior, de R$ 891,53, na tentativa de fazer com que os funcionários da lotérica pensassem que seria o valor total de R$ 891,5 mil;
  • Após breve discussão, a suspeita saiu da lotérica com cinco apostas de R$ 38,7 mil cada uma.

 

Os advogados da lotérica também pediram o bloqueio do valor na conta bancária de Alicia “a fim de garantir o crédito da autora e possibilitar futura penhora, protegendo-se da possibilidade da parte ré estelionatária esvaziar sua conta ou mesmo não comparecer nos autos”.

Quem é a estudante

 

Natural do interior de São Paulo, Alicia Dudy Muller ingressou na faculdade de Medicina em 2018. Ela está no sexto ano do curso.

Em entrevista para a Rádio USP em fevereiro de 2018, ela afirmou que tinha passado no curso de Farmácia e até chegou a fazer a matrícula, mas desistiu e decidiu fazer cursinho por mais um ano para tentar entrar em Medicina.

A estudante nasceu em Itararé, mas reside em um prédio na Vila Mariana, na Zona Sul da capital. Na plataforma Currículo Lattes, que reúne dados sobre estudantes e pesquisadores, ela informou ter feito o ensino médio na Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, na região do Ipiranga.

Em um vídeo gravado há quatro anos para o cursinho em que estudou, Alicia comentou sobre o processo de aprovação na Faculdade de Medicina da USP. O registro foi publicado em 14 de maio de 2018.

“É difícil descrever como é ter um sonho realizado, porque são anos batalhando. Mas agora é uma sensação de compensação. É todo tempo que você gasta fazendo simulado, estudando pós aula, parece que aquilo não foi nada comparado àquele dia que você vê seu nome na lista.”

 

Ela recebeu de R$ 3.000 de Auxílio Emergencial do governo federal. De acordo com o Portal da Transparência, entre junho e novembro de 2020, foram pagas cinco parcelas de R$ 600. Os valores não foram devolvidos à União.

A denúncia do desvio milionário do fundo de formatura

 

Segundo o boletim de ocorrência sobre o caso do sumiço do dinheiro registrado por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas — que seria responsável pela organização da festa — a transferência de R$ 927 mil em três parcelas:

  • R$ 604 mil, para ser transferido para uma conta pessoal no seu nome;
  • R$ 145 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado;
  • R$ 171 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado.

 

Em nota, a ÁS negou ser a responsável pela organização da festa, como citado no boletim de ocorrência, e disse que “não se comprometeu com a realização ou produção de qualquer evento”.

“A responsabilidade da ÁS no contrato limitava-se a arrecadar os valores dos formandos e transferir para a turma, além da realização da cobertura fotográfica”, diz a nota.

g1 procurou a empresa novamente, mas não conseguiu contato até a última atualização desta reportagem.

Alicia afirma ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, que é investigada pela Polícia Federal (PF) por suspeita de fazer parte de um golpe de falso investimento na Bolsa de Valores. Ela, no entanto, não teria apresentado comprovantes sobre a movimentação.

Segundo as investigações, o grupo prometia investimentos com lucro acima do mercado. Apesar disso, os valores entregues pelas vítimas não eram totalmente aplicados e resultavam em prejuízos.

g1 tentou contato com Alicia, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Mensagem no Whatsapp

 

Em mensagem no grupo de WhatsApp da comissão organizadora, Alicia disse que aplicou o dinheiro em uma investidora e teria sido vítima de um golpe.

Na mensagem, ela afirma que usou parte do valor para pagar advogados por conta do suposto golpe. A estudante diz ainda que vai pedir ajuda da direção para pagar a festa. O caso é investigado pela polícia e pela direção da universidade.

“Escrevo para dizer que não temos dinheiro. Com toda dor, culpa e arrependimento que vocês podem imaginar. (…) Nosso dinheiro foi todo repassado para a Sentinel Bank, uma investidora que, no fim das contas, não se passava de um grande golpe e nunca mais retornou nem com o dinheiro investido, nem com os rendimentos.”

E ela prossegue: “Vou ver com a diretoria da FMUSP se conseguimos ajuda deles”.

Um print com a mensagem viralizou nas redes sociais, após repercussão do caso.

Print do relato da estudante, suspeita de desviar quase R$ 1 milhão de fundo de formatura da USP — Foto: Reprodução/Redes Sociais

O que dizem os estudantes

 

Em entrevista ao g1, estudantes que pagaram a formatura relataram que estão se sentindo impotentes.

“Todo mundo está muito aflito, triste, apreensivo, até um pouco reativo com essa situação, porque a gente não esperava que uma colega fosse fazer isso pelas costas — investimentos, sacar dinheiro, valores altos”, lamentou.

 

Uma das vítimas disse que os alunos estão sendo muito expostos e preferiu não se identificar. Ela contou que a suspeita “parecia ter uma vida normal, ser uma pessoa normal”.

“Foi uma surpresa ruim que coloca muitas inseguranças em relação à realização do evento. A gente está falando tanto de um valor alto individualmente — porque, apesar de ser parcelado, todo mundo pagou em torno de R$ 300 por mês”, contou.

Faculdade de Medicina da USP — Foto: Divulgação/FMUSP

Colega teria desviado R$ 927 mil

 

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a suspeita é investigada por apropriação indébita no caso do desvio. Ela teria se apropriado de R$ 927 mil, aproximadamente.

De acordo com a comissão de formatura:

  • A suspeita afirmou, por meio de mensagens no WhatsApp, que transferiu a quantia para uma conta pessoal;
  • Ela alega ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, que a teria enganado e ficado com o dinheiro;
  • A quantia restante teria sido utilizada para pagar advogados na tentativa de recuperar o dinheiro;
  • O desvio foi constatado pela Comissão no dia 6 de janeiro deste ano, e uma das vítimas registrou a ocorrência na delegacia no dia 10.

 

“De toda a história contada pela [suspeita], o único fato que temos certeza é a transferência do montante guardado sob custódia da empresa ÁS Formaturas para uma conta pessoal dela. Ainda estamos averiguando em que contexto foram realizadas as transferências”, disseram em nota os membros da comissão.

A ÁS Formaturas disse que “todas as transferências foram realizadas rigorosamente conforme estabelecido nas cláusulas contratuais” e que estão à disposição das autoridades para o fornecimento de documentos.

Em nota, a Faculdade de Medicina da USP afirmou que “os fatos estão sendo apurados, buscando-se identificar os responsáveis pela fraude e a Diretoria está apoiando na orientação aos alunos envolvidos”.

g1 procurou a Sentinel Bank, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

O que diz a comissão de formatura

 

“A Associação de Formatura da 106a Turma do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo informa que, no dia 6 de janeiro de 2023, teve conhecimento de que a então Presidente desta comissão retirou, sem o conhecimento e consentimento de qualquer outro membro da comissão, um montante totalizando aproximadamente 927.000,00 reais. A atitude isolada não representa moral e eticamente a postura dos demais membros desta Comissão e os mais de 110 alunos aderidos, vítimas dessa conduta.

Ressalta-se o entendimento desta comissão de que a [suspeita] descumpriu nosso Estatuto ao movimentar esse montante sem a assinatura de nenhum outro membro e transferindo-o a uma conta pessoal sua. Na data do 6 de janeiro de 2023 a Comissão da Turma 106 tomou conhecimento dos fatos por meio de uma mensagem de WhatsApp em que a [suspeita] confessava as transferências para uma conta pessoal sua. Ela alega ter perdido cerca de 800,000.00 reais investindo em um esquema supostamente fraudulento da empresa “Sentinel Bank”. O restante, confessa ter utilizado para, em cunho pessoal, contratar advogados para tentar reaver o dinheiro perdido. O montante de cerca de 927.000,00 foi arrecadado durante 4 anos pela empresa ÁS Formaturas.

De toda a história contada pela [suspeita], o único fato que temos certeza é a transferência do montante guardado sob custódia da empresa ÁS Formaturas para uma conta pessoal dela. Ainda estamos averiguando em que contexto foram realizadas as transferências.”

O que diz a Faculdade de Medicina da USP

 

“A Diretoria da Faculdade de Medicina foi informada que a Comissão de Formatura e, portanto, os alunos aderentes à formatura da Turma 106ª, foram vítimas de fraude após investimento do recurso arrecadado para organização das festividades de celebração, que ocorrerá ao final de 2023.

Os fatos estão sendo apurados, buscando-se identificar os responsáveis pela fraude e a Diretoria está apoiando na orientação aos alunos envolvidos.”

O que diz a ÁS Formaturas

 

“Com relação ao caso da MED USP 106, é necessário destacar que a ÁS não se comprometeu com a realização ou produção de qualquer evento. A responsabilidade da ÁS no contrato limitava-se a arrecadar os valores dos formandos e transferir para a turma, além da realização da cobertura fotográfica. Neste sentido, todas as transferências foram realizadas rigorosamente conforme estabelecido nas cláusulas contratuais.

Estamos à disposição das autoridades para o fornecimento de contratos, documentos, e-mails e demais informações. Finalmente, gostaríamos de informar que mesmo estando isento de responsabilidades legais, estamos em contato com a comissão de formatura para buscar algum tipo de solução que viabilize a realização do evento planejado.”

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Fonte globo
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