Alta de casos de Covid versus flexibilização de restrições: o que deve impactar mais a China e os mercados?
País segue com política de diminuir restrições, apesar de forte avanço em casos; analistas veem desafios no curto prazo, mas seguem otimismo com reabertura
De um lado, alta dos casos de Covid-19 e suas possíveis consequências, do outro, a persistência na reabertura econômica. Com notícias em sentidos diversos sobre a China, a segunda maior economia do mundo, analistas e economistas tentam traçar qual o cenário para o gigante asiático e as consequências para a economia global e para os mercados.
O que se desenha no momento é que as consequências de uma reabertura repentina após quase três anos de restrições fortes podem abalar o país no curto prazo. Por outro lado, reabertura total deve acontecer antes do que analistas estavam projetando, o que pode levar a uma normalização mais rápida da economia do que estavam prevendo em um cenário de reabertura gradual.
Na última segunda-feira (26), mais medidas de flexibilização, com o anúncio pela Comissão Nacional de Saúde de que a China vai parar de exigir quarentena para viajantes que chegam ao país a partir de 8 de janeiro, retirando uma regra em vigor desde o início da pandemia, três anos atrás.
A gestão da Covid-19 na China também será rebaixada da atual categoria A para a categoria menos rigorosa B, informou a autoridade de saúde em comunicado.
O país também abandonará os requisitos de testes não frequentes e quarentena centralizada para viajantes que chegam (embora ainda seja necessário um resultado negativo do teste de PCR de 48 horas antes da partida para a China). Os viajantes que chegam ao país terão permissão para entrar na comunidade imediatamente após a declaração de saúde, e várias restrições nas rotas internacionais das companhias aéreas serão removidas. A China também prometeu facilitar a obtenção de vistos de entrada para estrangeiros e gradualmente normalizar as viagens de saída de residentes domésticos.
O país também prometeu fortalecer ainda mais seus preparativos para lidar com a reabertura, incluindo aumento da taxa de vacinação para a população idosa, melhoria no fornecimento de medicamentos e kits de teste relacionados à Covid, expansão de unidades de terapia intensiva (UTIs) e aumento da oferta de recursos médicos nas áreas rurais.
O Goldman Sachs destaca que a China relaxou rapidamente suas políticas Covid desde novembro, caracterizadas pelas “20 medidas” da Covid em 11 de novembro, “10 medidas” em 7 de dezembro e as novas diretrizes do último dia 26 de dezembro. “Vemos as novas diretrizes da China, que de fato reabrirão as fronteiras e abandonarão as quarentenas, como um passo significativo em direção à reabertura total (ou o modo ‘conviver com a Covid’)”, aponta a equipe de analistas do banco.
A mudança mais importante nas diretrizes está nas políticas transfronteiriças. Dito isso, na frente doméstica, o Goldman Sachs destaca que o rebaixamento da gestão da Covid e a remoção dos requisitos de quarentena parecem ser um ajuste “após o fato”, já que na prática muitas pessoas que testaram positivo foram autorizadas a trabalhar e entrar em locais públicos nas últimas semanas.
Desafios
Os analistas do banco avaliam que, em meio à rápida reabertura, o desafio para o sistema médico da China pode ter aumentado significativamente, especialmente para áreas rurais e interiores menos desenvolvidas, destacando ainda a proximidade do feriado do Ano Novo Lunar, que deve aumentar a circulação de pessoas (e também do vírus).
“Isso destaca a urgência de rápidos esforços políticos para aumentar a vacinação de idosos e o fornecimento de outros recursos médicos (por exemplo, leitos de UTI, comprimidos orais e equipe médica)”, avalia o banco.
Na sexta-feira, segundo a agência Reuters, uma autoridade de saúde disse esperar um pico de infecções de Covid no país dentro de uma semana. Assim, projetava pressão extra no sistema de saúde do país.
As fortes medidas de contenção desaceleraram a economia para a taxa de crescimento mais baixa em quase meio século, bloqueando cadeias de suprimentos e o comércio globais. Com a reabertura acelerada, no entanto, os trabalhadores chineses adoecem cada vez mais, mais interrupções são esperadas no curto prazo, antes que a economia se recupere no próximo ano.
A China relatou menos de 4 mil novos casos locais sintomáticos de Covid em todo o país em 22 de dezembro e nenhuma nova morte por Covid pelo terceiro dia consecutivo. As autoridades restringiram os critérios para mortes por Covid, gerando críticas de muitos especialistas em doenças.
Os leitos e recursos de terapia intensiva de algumas províncias chinesas estão quase lotados à medida que as infecções por Covid-19 disparam, disseram as autoridades nacionais de saúde na terça-feira.
“Nas províncias que atualmente apresentam alta demanda por terapia intensiva, elas estão se aproximando do limite crítico de leitos e recursos de UTI disponíveis”, disse Jiao Yahui, diretor do departamento de assuntos médicos da Comissão Nacional de Saúde da China, durante uma entrevista coletiva, segundo relata a CNBC. Não está claro em que escala os surtos de Covid atingiram o país, com poucos números oficiais sobre infecções e mortes recentes.
A província de Zhejiang – na fronteira com Xangai – disse no domingo que as infecções diárias de Covid na região ultrapassaram 1 milhão e provavelmente dobrarão para um pico de 2 milhões por dia no Ano Novo. A província tem uma população de cerca de 65,4 milhões.
Cabe destacar que a Tesla suspendeu a produção de automóveis em sua fábrica de Xangai neste último sábado, estendendo uma parada de produção planejada de oito dias em sua maior fábrica em termos de produção de automóveis, de acordo com o Wall Street Journal, com a empresa enfrentando uma onda de infecções por Covid-19 entre seus trabalhadores e fornecedores. Vale ressaltar também que a paralisação temporária segue uma desaceleração recente na demanda global por veículos da Tesla.
“O país vem enfrentando uma nova explosão de casos que vem afetando trabalhadores de montadoras e seus fornecedores, bem como funcionários de concessionárias. Menos clientes em potencial têm visitado as lojas, já que as preocupações de infecção permanecem altas”, aponta a XP em relatório.
Pico em breve?
O Goldman Sachs aponta que os dados de mobilidade de alta frequência e o PMI de indústrias de dezembro apontaram para um impulso de crescimento mais fraco durante a “onda de saída” antecipada devido ao aumento de infecções no país, escassez temporária de mão de obra e aumento das interrupções na cadeia de suprimentos.
O banco aponta que, embora as autoridades de saúde tenham interrompido a divulgação dos dados de casos da Covid, a experiência de Hong Kong e Taiwan sugere que novos casos diários podem atingir o pico no final de dezembro ou janeiro na China continental.
“Isso acrescenta convicção à nossa previsão abaixo do consenso para o crescimento do PIB no quarto trimestre (+1,7% ano a ano) e à previsão do PIB acima do consenso em 2023 (+5,2% ano a ano)”, aponta.
Os analistas seguem com a visão de que a reabertura da China é positiva para o yuan e acredita que as melhores expectativas de crescimento em 2023 podem compensar fatores desfavoráveis, como a deterioração das balanças comerciais de bens e serviços.
“Sobre os efeitos colaterais da reabertura da China, nosso estudo recente sugere que Hong Kong e a Tailândia podem se beneficiar ao máximo do canal de turismo internacional se a China remover as restrições de visto e as viagens de saída [do país] se normalizarem gradualmente”, concluem.
O Bradesco BBI reforça que, se tomar o exemplo das curvas de infecção de outros países, pode-se ver casos na China ainda tendendo a subir nas próximas semanas antes de se estabilizar. O governo chinês deve avançar com medidas para melhorar sua capacidade para lidar com um número maior de casos de COVID-19, enquanto aparentemente está focado em continuar relaxando as medidas de restrição e promover o crescimento econômico em 2023.
O Citi acredita que a reabertura possa trazer mais casos “importados”, enquanto as viagens domésticas podem acelerar a proliferação do vírus. Contudo, vê o números de casos em províncias como em Shenzen e em Xangai passando por seu pico em breve, ao mesmo tempo em que o governo tem ajustado as suas políticas de saúde pública, com o foco mudando de testagem para tratamento dos casos severos e prevenção de fatalidades.
Para os economistas do banco, o Ano Novo Chinês, que tem início em 22 de janeiro de 2023, tem a chance de ser o primeiro “normal” desde 2020. “A mobilidade e os serviços de consumo devem se recuperar no primeiro trimestre. A mudança política deve pavimentar o caminho para uma recuperação econômica mais completa. Em particular, vemos as vendas no varejo crescendo 11% ao ano em 2023”, aponta.
Tal cenário de recuperação tem feito economistas ficarem mais positivos com a economia do gigante asiático, apesar dos desafios no radar.
O Credit Suisse apontou estar positivo com as perspectivas para a China em 2023, principalmente devido a eliminação da enorme incerteza em torno do Covid-19. Esperam que o consumo e as vendas de propriedades se transformem em grandes catalisadores do crescimento em 2023, mesmo com a perda de força das exportações e do investimento em infraestrutura.
No entanto, alertam que os desafios podem aumentar quanto à estabilidade da cadeia de suprimentos, crescente pressão fiscal dos governos locais, desemprego juvenil e queda da demanda no exterior em meio a uma iminente recessão global.
Para o banco, o consumo chinês deve começar a se recuperar a partir de março puxado por itens de serviços, seguido de recuperação das vendas de propriedades na segunda metade do ano. Tanto o consumo quanto as vendas de casas podem se beneficiar com a liberação de capital em excesso de poupança acumulada das famílias durante a pandemia.
Os analistas do banco suíço esperam que a China estabeleça a meta do PIB para 2023 em 5% ou mais e, para atingir essa meta, o o ambiente politico permanecerá “pró-crescimento, pró-consumo e pró-melhoria”. A modernização industrial, a inovação tecnológica, a economia verde, a saúde publica e a educação provavelmente se beneficiarão mais com o aumento da sinergia entre as políticas monetária e fiscal em 2023, avaliam. As autoridades chinesas podem afrouxar ainda mais o controle regulatório sobre as empresas da Internet para incentivá-las a ter um papel mais ativo importante no estímulo do consumo e do emprego.
Cabe destacar que, em meados de dezembro, o Morgan Stanley elevou sua previsão de crescimento do PIB chinês em 2023, dos 5% anteriores para 5,4%, na sequência do maior otimismo com a flexibilização das medidas de restrição.
Tais medidas, por sinal, têm feito com que o minério registre uma forte recuperação. A commodity atingiu a máxima em cinco meses nesta terça, com o preço do contrato futuro para maio negociado na Bolsa em Dalian na casa dos US$ 120 a tonelada.
Um importante consultor do Banco Popular da China pediu no sábado o fortalecimento da política imobiliária do país. “Os ajustes de política (de Covid na China) fortalecem as expectativas de uma recuperação econômica e isso pode elevar os preços”, disseram analistas da Sinosteel Futures em nota. Mas, vale ressaltar, analistas ainda esperam que o aumento das infecções continue reduzindo a atividade industrial e a demanda doméstica no curto prazo.
Otimismo com ações?
Enquanto isso, as ações de mineradoras e siderúrgicas têm forte recuperação em relação às mínimas do ano. A Vale (VALE3), por exemplo, já subiu cerca de 39% desde as mínimas do início de setembro, passando de R$ 62 para R$ 87 (fechamento da véspera).
No início de dezembro, o Morgan Stanley elevou a recomendação para os ativos da Vale, também de olho na reabertura da China.
Já o Itaú BBA, em relatório de perspectivas para 2023, apontou esperar que o crescimento do PIB do gigante asiático acelere
para 4,8% no ano que vem, acima dos 3% de 2022. A economia chinesa deve ser impulsionada principalmente pela elevação no consumo, além da estabilização no setor de construção civil em meio aos estímulos governamentais às incorporadoras, avalia.
“A reabertura de fato tende a ajudar, porém, ponderamos que a recuperação do consumo será provavelmente mais fraca na comparação com outras regiões, já que na China não houve programas de transferência de renda relacionados à Covid”, aponta.
Nesse cenário, os analistas elevaram suas estimativas para o preço médio do minério de ferro, para US$ 105 a tonelada em 2023 (ante US$ 90 a tonelada anteriormente) e US$ 90 a tonelada em 2024 (ante US$ 75 a tonelada).
Contudo, mantiveram recomendação “neutra” e mudaram o preço-alvo, de US$ 18 por ADR para o fim de 2023, acima do valor anterior, de US$ 16 por ADR. “Vemos limitado potencial de valorização para a Vale, enquanto seus múltiplos também parecem justos”, avaliam.
Eles acreditam, por outro lado, que a ação da Vale pode reagir positivamente se os preços do minério de ferro aumentarem para US$ 120-130 a tonelada em 2023, mas preferem permanecer mais conservadores até que realmente seja vista uma melhoria nos dados gerais do aço na China. A preferência no setor, entre mineradoras e siderúrgicas, é para a a Gerdau (GGBR4).