Empresas já devem se adequar a nova lei de criptoativos
Segundo especialista, questão contábil deve estar muito bem resolvida, de acordo com as boas práticas internacionais.
O mercado de criptoativos movimentou no Brasil, em dezembro do ano passado, cerca de R$ 300 bilhões por meio de exchanges (corretoras) de criptomoedas centralizadas, de acordo com o Banco Central. A lei que regulamenta o setor foi sancionada esta semana pelo presidente Jair Bolsonaro.
Esse volume de negociação equivaleu à metade do total das operações da B3 formadas por produtos de investimento de renda variável, como ações, fundos, BDRs e ETFs. Os R$ 300 bilhões representam 27% do valor depositado em contas de poupança – o investimento favorito dos brasileiros.
“A ascensão dos criptoativos exige regras mais claras para todos os envolvidos. Por isso, é importante que tenhamos finalmente o Marco Legal dos Criptoativos aprovado e sancionado para regular os intermediários dessas operações”, diz Thamilla Talarico, sócia-líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil.
“O objetivo dessa legislação é prover segurança jurídica, com regras mais claras para proteger não apenas os consumidores, que estão investindo em criptoativos, como as empresas que estão empreendendo nesse universo, criando serviços para atender a essa demanda crescente”, completa.
Talarico esclarece que se trata apenas do início do arcabouço regulatório sobre o tema. “A legislação é principiológica, trazendo boas práticas de governança corporativa, mecanismos de controle de riscos, proteção do consumidor, proteção de dados pessoais, aspectos de segurança da informação, que são, na realidade, regras gerais que valem para qualquer empresa, mesmo as que não lidam com ativos virtuais”, observa.
A especialista complementa dizendo que a lei é agnóstica em relação à tecnologia, o que se mostra importante diante da velocidade desse mercado em termos de inovação. A partir dessa legislação, serão feitas normas pela autoridade reguladora competente, que será designada pelo Presidente da República no momento da sanção do projeto de lei.
Autoridade reguladora
“O Banco Central, que provavelmente será a autoridade reguladora, terá seis meses no mínimo para redigir as normas infralegais administrativas, que entrarão nos detalhes de como vão operar essas prestadoras de serviços de ativos virtuais, como se dará o processo de obtenção de autorização para que elas possam atuar e quais serão os mecanismos de controle de observância obrigatória”, explica Talarico.
“O que já ficou claro no Marco Legal é que as prestadoras de serviços de ativos virtuais, para que obtenham autorização, devem estar inscritas no Brasil, com CNPJ aberto e regular. Por isso, é essencial que elas desde já comecem a se organizar nesse sentido”.
As instituições já autorizadas pelo Banco Central podem optar por prestar cumulativa ou exclusivamente os serviços de ativos virtuais. “Para elas, podemos esperar por um nível de exigência similar ao existente para os serviços tradicionais que prestam”, diz.
Ainda que o BC seja provavelmente a autoridade responsável por regular esse mercado, isso não exclui a competência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) quando os ativos digitais representarem valores mobiliários e quando houver escrituração, oferta, custódia e liquidação desses ativos.
“Nesse caso, todas as regras que existem para valor mobiliário, como as do Parecer de Orientação CVM 40, continuam valendo”, afirma Talarico. “É importante, aliás, que a CVM pondere a necessidade de adaptação ou ajuste nessas regras como forma de fomentar a inovação no mercado”.
Segregação patrimonial
O Marco Legal dos Criptoativos aprovado na Câmara dos Deputados retirou a segregação patrimonial. Esse dispositivo jurídico impede que as corretoras usem os recursos dos investidores para subsidiar sua própria operação. Isso porque o patrimônio dos prestadores de serviços de ativos virtuais fica separado do patrimônio dos clientes.
“As instituições financeiras e de pagamento que atuam com criptoativos já respeitam a segregação patrimonial, que se mostra essencial para intermediários que tenham a custódia ou estejam negociando ativos pertencentes a terceiros”, avalia Talarico.
Recentemente, houve um caso de corretora muito noticiado em que não havia segregação patrimonial. Os clientes tentaram resgatar seus ativos, mas não havia fundo para isso, já que a corretora estava utilizando o valor correspondente para fazer empréstimos e acelerar o crescimento de empresas.
“Acreditamos que a autoridade reguladora, que deve ser o BC, contemplará a segregação patrimonial nas normas que serão criadas para disciplinar o mercado”, diz.
No Seminário Segurança e Proteção de Dados no Mundo Digital, promovido no dia 13 de dezembro pelo Poder360, com o apoio do PicPay, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC deve estimular a descentralização da custódia de ativos digitais.
“Minha preocupação em relação aos criptoativos é a concentração de custódia. E vejo os custodiantes não regulados partindo para outros tipos de atividades que são geradoras de riscos. Os intermediários tomando risco representam um problema quando há concentração de custódia muito elevada”, afirmou.
Real digital e DeFi não estão incluídos
A CBDC (Central Bank Digital Currency) brasileira, também conhecida como real digital, está excluída do escopo do Marco Legal dos Criptoativos. Isso porque ela é uma expressão digital da moeda corrente do país, e não um criptoativo.
As finanças descentralizadas, também chamadas de DeFi, também não estão incluídas. Trata-se de um conjunto de códigos autoexecutáveis que são habilitados por meio de blockchain.
Relevância de se adequar desde já
O BC tem pelo menos seis meses para que comece a emitir as normas infralegais, mas a recomendação é que as empresas estejam prontas desde já. Para isso, a questão contábil deve estar muito bem resolvida, de acordo com as boas práticas internacionais.
“Quanto mais prontas as empresas estiverem, muitas delas, aliás, já estão se autorregulando, mais simples será a obtenção da autorização concedida pelo BC”, destaca Talarico.
“Além da contabilidade correta desses ativos digitais, destaque para a segregação patrimonial, que já pode ser colocada em prática, para os controles de prevenção à lavagem de dinheiro e para a atenção com a custódia de ativos digitais, que tem suas particularidades e precisa ser analisada com cuidado”, finaliza.