China: a escalada de tensão após protestos contra lockdowns alcançarem dimensão nacional
Por enquanto, os mercados e a geopolítica ainda terão de lidar com uma situação tensa como nunca vista desde o massacre de junho de 1989.
A política draconiana de Covid zero implementada por Xi Jinping parece trazer bem mais dissabores do que o próprio líder do Partido Comunista Chinês (PCChinês) esperava. Difícil entender, mesmo para quem não é infectologista, como um país da dimensão da China pode preconizar e liderar um movimento de Covid-zero quando muitos de nós não-médicos passamos a aceitar o fato de que a Covid vai deixar sequelas como a gripe e que, muito provavelmente, teremos de nos vacinar ao menos uma vez por ano. Mas essa discussão deixo para os experts.
Aqueles que acreditavam que Xi dobraria os joelhos (e flexibilizaria um pouco) acabou recebendo sinais contraditórios do PCChinês. Segundo as novas diretrizes, os objetivos são diminuir o índice de infecção entre a população e flexibilizar os lockdowns, em um país que ainda utiliza apenas as vacinas produzidas localmente.
Os protestos que ocorrem em pelos menos 10 cidades na China incluindo Xangai, Beijing, Chengdu e Wuhan ganharam apelo nacional depois de um incêndio com vítimas fatais ocorrido em Urumqi, na província de Xinjiang, ter a política de restrição e contenção de saída de suas casas como o responsável pela fatalidade.
Não se trata de um protesto comum. A China é testemunha de vários protestos diários localizados com pautas recorrentes contra governos locais, como greve por melhores condições de trabalho, maiores salários, meio ambiente, etc. Mas desde o interlúdio de 1989, na praça da Paz Celestial, a China não tem visto um protesto desse alcance nacional e ainda pedindo a renúncia de Xi, como líder do PCChinês. O risco é elevado de que as coisas saiam de controle por Beijing e algo pior possa acontecer, dada a mão de ferro com que Xi vem liderando o país.
É bem verdade que Beijing busca adotar medidas de estímulo econômico baixando os juros de empréstimos e aumentando os pacotes expansionistas, visando o setor imobiliário e de infraestrutura (US$ 70 bilhões anunciados neste fim de semana), mas há de se convir que, com o risco de novos lockdowns, como ocorreu na cidade litorânea de Hainan, onde turistas tiveram de ficar isolados em meio as férias, o anseio por maior consumo das famílias por bens, serviços e até viagens tem sido afetado negativamente. Pouco ou nada adiantará esses estímulos se eles almejam aumentar o apetite de consumo pela população em meio a uma política de covid zero, com pesadas restrições de mobilidade e violência.
Mesmo que a meta de crescimento para a economia chinesa em 2022 seja de 5,5%, até as flores de lótus já sabem que essa meta é irreal e já esperam um crescimento não muito maior do que 2% no ano. Prova disso tem sido a queda no preço do petróleo Brent e do minério de ferro, ultimamente.
Entretanto, se a China buscar uma maior flexibilização de seus lockdowns é bastante plausível acreditar que novamente os setores imobiliário e de infraestrutura receberão pesados investimentos, semelhante ao pacote de 2008, como forma de colocar o país em uma nova rota de crescimento, a despeito de maior endividamento.
Justamente o que o PCChinês tentava resolver quando impôs as três linhas vermelhas em agosto de 2020, junto as empresas incorporadoras, visando menor alavancagem. Por enquanto, os mercados e a geopolítica ainda terão de lidar com uma situação tensa como nunca vista desde o massacre de junho de 1989 na Praça da Paz Celestial.