Brasil tem de avançar no social e no fiscal, que andam juntos, diz Persio Arida
Em Nova York, o economista disse que há inúmeros casos em que políticas sociais feitas sem responsabilidade fiscal geraram crise macroeconômica
O ex-presidente do Banco Central Persio Arida, membro da equipe de transição do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a necessidade de o Brasil avançar no âmbito fiscal e no social. Segundo ele, ambos caminham juntos, e não separados, nem opostos.
“Do ponto de vista substantivo, sabemos que responsabilidade fiscal e responsabilidade social vão juntas, elas não são separadas ou opostas”, afirmou Arida, em evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) nesta terça-feira (15), em Nova York.
E acrescentou: “É necessário avançar nos dois fronts, não vejo nenhuma oposição entre um e outro, pelo contrário: se avançar num front e não avançar no outro, mais cedo ou mais tarde vai ser incapaz de fazer qualquer avanço.”
Reações do mercados
Arida entrou no tema após questionamentos quanto à reação do mercado financeiro na semana passada quando o presidente eleito Lula criticou “a tal da estabilidade fiscal” e defendeu a ampliação de gastos públicos para combater a miséria.
Como efeito, a bolsa caiu e o dólar disparou, por conta do aumento da percepção de risco fiscal, sobretudo em meio às discussões sobre a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que crie um “waiver” (uma licença para gastar fora do teto) para acomodar despesas para o Bolsa Família de R$ 600,00, um reajuste real do salário mínimo e outras promessas de campanha de Lula.
Hoje, ao falar a uma plateia de empresários, políticos, ministros e banqueiros, ele pediu desculpas por não poder trazer tantos detalhes dos planos do futuro governo, uma vez que integra a equipe de transição.
Segundo ele, há inúmeros casos na América Latina, e mesmo no mundo desenvolvido, em que políticas sociais feitas sem responsabilidade fiscal geraram crise macroeconômica, o que acabou inviabilizando as realizações sociais.
Além disso, a adoção de uma política social sem fiscal “tira a base de sustentação das políticas macroeconômicas”, ponderou.
Contra excluir gastos com auxílio do teto
Arida afirmou ser contra excepcionalizar despesas como o Auxílio Brasil da regra do teto de gastos, argumentando que a sociedade brasileira já está suficientemente convencida da relevância do programa social, que pode ser absorvido anualmente pelo Orçamento.
“Temos hoje uma responsabilidade social com os mais pobres, essa responsabilidade precisa ser contemplada… daí a excepcionalizar esse tipo de gasto, acho que não é necessário”, disse.
Discussão
A equipe de transição de Lula tem discutido excluir do Orçamento de 2023 algumas despesas da regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à variação da inflação, sob o argumento de que a medida é necessária para implementar algumas promessas de campanha e abrir espaço para outras despesas consideradas urgentes.
O relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), já disse que a ideia é retirar de forma permanente do teto as despesas totais com o custeio do Bolsa Família, programa que deve substituir o Auxílio Brasil.
Arida ponderou nesta terça que as promessas de aumentos de gastos no programa feitas durante as eleições somam cerca de R$ 70 bilhões, contando o pagamento extra de R$ 200 às famílias beneficiárias do Auxílio Brasil e o valor adicional de R$ 150 por criança.
“Do ponto de vista de promessas eleitorais, partimos de 70 bi, acho que não é necessário uma excepcionalidade”, reforçou.
Ele também disse que, a princípio, não é favorável à ideia de se vincular a despesa com o auxílio a uma fonte de receita específica, ressaltando que a prioridade é melhorar a eficiência dos programas sociais, garantindo que eles beneficiem os que mais precisam.
Reformas
No mais, Arida ressaltou que o Brasil tem condições de aprovar uma primeira reforma tributária dentro de seis a oito meses, ressaltando que a discussão em torno da criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) está amadurecida no país.
Ele acrescentou que futuramente o país ainda precisará trabalhar em uma reforma tributária mais profunda, que contribua para reduzir desigualdades e contenciosos.
As outras duas reformas mais cruciais para o Brasil seriam a abertura econômica e a reforma do Estado, que incluiria a questão administrativa, mas também a dimensão dos gastos públicos, disse.
“Essas três reformas exigem uma mudança cultural no país”, afirmou o economista, ex-presidente do Banco Central e do BNDES.
Persio Arida defende eliminar subsídios
Arida defendeu durante o evento a importância de eliminar os subsídios do crédito no Brasil. A medida contribuiria para o crescimento da economia brasileira bem como dos empréstimos, segundo ele.
“Os subsídios creditícios têm de ser eliminados. Seria um enorme avanço. Temos de avançar em eliminar a redução do subsídio”, disse.
Arida mencionou ainda a importância de medidas que contribuam para o fortalecimento das garantias atreladas aos empréstimos e ainda do desenvolvimento do mercado de capitais.
Também presente no evento, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que o crédito tem de ser olhado não só do lado da quantidade, mas da qualidade.
Ele observou que o Brasil atravessou a pandemia com crescimento de 20% nos empréstimos. “Adotamos várias medidas para que empresas grandes fossem direto para o mercado de capitais para abrir mais espaço no balanço dos bancos para atender pequenas e médias empresas”, lembrou.
Campos Neto destacou ainda que os balanços dos bancos são “engessados”, com exigências de direcionamento dos recursos captados. Segundo ele, esse é um tema que tem de ser direcionado, pois funciona como a “meia entrada”, que por fim, pode crescer e elevar o custo geral.
As falas de Campos Neto foram feitas após apresentação do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, que disse que o mercado de crédito no Brasil tem potencial de crescimento.
Ele atentou ainda quanto à importância de avanço de medidas que reforcem as garantias atreladas ao financiamentos em andamento no Congresso brasileiro.
(Com Estadão Conteúdo e Reuters)