Maioria das companhias americanas supera projeções no 2º tri, mas também corta guidance
Companhias do setor de energia foram destaques positivos, bem como empresas ligadas ao consumo externo e ao lazer
A temporada de balanços dos Estados Unidos está em seu fim: até a última sexta-feira (26), 95% das companhias que compõem o S&P 500, principal benchmark da maior economia do mundo, já haviam divulgado seus números do segundo trimestre deste ano. Com isso, especialistas apontam que o período entre abril e junho já tem seus “vencedores”, mas o intervalo foi positivo de maneira geral.
“76% das empresas do S&P 500 superaram as expectativas do mercado, com a surpresa agregada nos lucros ficando na casa de 4,1%”, apontam Jennie Li, Pietra Guerra e Rafael Nobre, da XP Investimentos. “Apesar de ser o número mais baixo desde o primeiro trimestre de 2020, ainda ficou próximo do nível registrado no trimestre imediatamente anterior, quando o crescimento foi de 4,6%, evidenciando que, apesar da tendência de desaceleração que temos acompanhado, a deterioração do cenário macro parece ainda não refletir totalmente”.
Os analistas da corretora destacam que o setor de energia foi um dos que melhor performaram – com o fato de o preço do petróleo ter saltado do patamar dos US$ 70 para algo próximo a US$ 120, sem dúvida, sendo o grande trigger desses resultados.
“A Chevron anunciou uma recompra de ações e teve ganhos impulsionados pelo aumento da demanda de petróleo. A receita reportada foi de US$ 68,8 bilhões, contra US$ 58,8 bilhões projetados”, explicam os especialistas.
A Exxon Mobil, por sua vez, teve uma receita de US$ 115,7 bilhões, versus US$ 119,4 bilhões do consenso. O lucro por ação, de US$ 4,14, no entanto, foi maior do que a média traçada pelo mercado, de US$ 3,98.
Para William Alves, estrategista-chefe da Avenue, as companhias de petróleo também foram as grandes “vencedoras” do segundo trimestre de 2022. De acordo com o especialista, se não fosse por elas, a performance geral do S&P no segundo trimestre não seria tão boa.
“Olhando de forma mais criteriosa, setorialmente, os resultados foram muito distintos. O segundo trimestre foi marcado por um forte crescimento do lucro das empresas do setor de petróleo, que tem certa relevância dentro do S&P 500, apesar de os principais serem os de tecnologia e saúde”, contextualiza o especialista.
Para Alves, ao retirar o lucro das companhias de petróleo do cálculo agregado da performance do S&P, o crescimento deste na base anual seria quase zero.
Ele destaca ainda que o setor industrial também ajudou a manter a alta dos números na avialiação ano a ano, uma vez que a base de comparação era fraca, visto que no segundo trimestre de 2021 ainda havia problemas maiores com lockdowns.
Para a Avenue, do lado positivo, o período entre abril e junho foi especial para as empresas de “experiências” – ligadas ao setor de serviços -, que trouxeram lucros recordes.
“Muita gente que ficou presa nos últimos anos e resolveu gastar em eventos, viagens e por aí vai. Foi uma tônica importante entre abril e junho. O Airbnb teve recorde de reservas e o Uber, de viagens”, complementa.
No mesmo sentido, ele fala que companhias mais ligadas ao consumo fora de casa também foram bem no segundo trimestre, exemplo da Coca-Cola, que teve uma receita de US$ 11,3 bilhões, ante US$ 10,7 bilhões do consenso.
A empresa disse que sua receita aumentou 12% em relação ao ano anterior, devido a preços mais altos e também por conta de um aumento no volume de vendas globais, impulsionado, principalmente, pela recuperação em seus negócios fora dos Estados Unidos.
Antes da pandemia, a Coca-Cola gerava cerca de metade de sua receita com compras de refrigerantes em cinemas ou em restaurantes.
As companhias do setor aéreo, no entanto, surfaram menos essa tendência – apesar da alta procura, elas sofreram com o aumento de custos, uma vez que boa parte dos seus gastos estão atrelados a combustíveis e, decorrentemente, ao preço do petróleo.
Apesar de a receita da United Airlines, por exemplo, ter superado as estimativas, vindo em US$ 12,1 bilhões, o lucro por ação, de US$ 1,43, decepcionou em 24%. A Delta Airlines foi no mesmo sentido, com em linha com o esperado, em US$ 12,3 bilhões, mas o lucro ficando 5,4% aquém, em US$ 1,44 por papel.
Do outro lado, companhias de telecomunicação
Se as empresas de energia foram as que melhor performaram no segundo trimestre, as do setor de telecomunicação, segundo os analistas da XP, ficaram na lanterna.
A AT&T, uma das principais fornecedoras do setor, teve uma receita em linha com o consenso, em US$ 29,6 bilhões.
O fluxo de caixa, porém, foi prejudicado pelo fato de clientes estarem demorando cerca de dois dias a mais para pagarem suas contas, isso na comparação com o mesmo período do ano passado. A companhia reduziu seu guidance de geração de caixa livre de US$ 16 bilhões para US$ 14 bilhões, o que decepcionou o mercado
Já a Verizon chegou a cair quase 7% após também ter alterado seu guidance, com a projeção de lucro por ação em 2022 saindo do intervalo entre US$ 5,40 e US$ 5,50 para algo entre US$ 5,10 e US$ 5,25.
“A companhia relatou que sua rentabilidade foi impactada pelo aumento de gastos, dada a elevada inflação, um aumento significativo de seus estoques, e investimentos em marketing para se manter competitiva em uma indústria cada vez mais desafiadora”, explica a XP Investimentos.
De forma parecida, as big techs ligadas a serviços de comunicação também não foram bem. Twitter e Facebook sofreram com o recuo dos gastos com anúncios, enquanto o Google conseguiu avançar.
“A Alphabet, controladora do Google, divulgou uma receita de US$ 69,7 bilhões, contra US$ 58 bilhões projetados pelo mercado. As vendas de anúncios do Google superaram as expectativas dos analistas. O resultado do grupo indica que o negócio de publicidade da empresa – especialmente os anúncios de busca – pode estar posicionado para resistir a uma crise na redução dos gastos com marketing”, contextualiza a corretora.
Ainda em tecnologia, a Apple superou o consenso dos analistas, faturando US$ 83 bilhões contra US$ 82,7 bilhões do consenso, vendendo mais iPhones do que o esperado, mesmo com os problemas envolvendo a cadeia de suprimentos global e com a tendência de menor consumo discricionário.
A Microsoft, do outro lado, frustrou levemente as expectativas, com receita de US$ 51,9 bilhões, ante US$ 52,4 bilhões projetados.
A Amazon, que também depende muito das vendas “não urgentes”, foi outra empresa que conseguiu se sair melhor do que o esperado, com receita de US$ 121,2 bilhões, maior do que os US$ 119,5 bilhões aguardados. Nomes como a Target e a Home Depot, contudo, não tiveram a mesma sorte.
As companhias varejistas de bens de consumo também foram prejudicadas pela alta da inflação e pela mudança de prioridades.
Com as pessoas gastando mais em serviços e com o impacto da inflação, as empresas que atuam vendendo esses produtos registraram uma alta de estoques, devido a menor demanda. Algumas, como a já mencionada Target, tiveram de realizar promoções extraordinárias para reduzirem a ocupação de seus galpões.
O Walmart, maior varejista dos EUA, teve uma receita líquida de US$ 152,9 bilhões, ante US$ 151 bilhões projetados.
“Analisando o resultado, o crescimento das vendas nas mesmas lojas nos EUA foi melhor do que o previsto, aumentando 6,5% no segundo trimestre. Apesar do número ter sido impulsionado pela inflação, o crescimento reforça que a reputação de ser um varejista de descontos está atraindo mais compradores, inclusive de média e alta renda. Embora o estoque tenha subido 26%, para US$ 59,9 bilhões no final do segundo trimestre em comparação com o ano anterior, isso é inferior àquilo registrado no final do primeiro trimestre”, contextualiza a XP.
Bancos de varejo e de atacado tem performances diferentes
Por fim, no setor financeiro, os bancos tiveram performances divergentes.
“Bancos de investimento viram seus lucros e receitas caírem, em média, 50%. Não tivemos IPOs, emissões de dívida. A realidade do mercado mudou”, contextualiza o estrategista da Avenue. “Bancos de varejo, porém, performaram melhor do que os de investimento. Continuaram a expandir a carteira de crédito, sem enfrentarem, ainda, um aumento expressivo de inadimplência”.
O Morgan Stanley, por exemplo, é muito focado no atacado e teve uma receita de US$ 13,1 bilhões, ante US$ 13,3 bilhões do consenso. A divisão de Investment Banking da empresa produziu US$ 1,07 bilhão em receita no segundo trimestre, US$ 400 milhões abaixo da estimativa de analistas, de US$ 1,47 bilhão. A gigante divisão de gestão de patrimônio do banco produziu US$ 5,74 bilhões em receita, abaixo da estimativa de US$ 5,99 bilhões, já que a desvalorização dos ativos reduziu as taxas de administração.
Do outro lado, o Citigroup foi uma das instituições que se beneficiou da alta dos juros, trazendo uma receita de US$ 19,6 bilhões, ante US$ 18,4 bilhões do consenso.
“Olhando para frente, porém, há a percepção de que a inadimplência começará a subir pela deterioração da economia. E os bancos, até então, fizeram poucas provisões para pagadores duvidosos”, destaca o especialista da Avenue.
As perspectivas ficam mais negativas, de forma geral, para todos os setores – a redução de guidance apareceu em vários deles.
“O segundo trimestre foi marcado também pela revisão dos guidances para baixo e pelo recuo das margens de lucro, que atingiram suas máximas no primeiro trimestre e agora começam a recuar. Estas, de forma agregada, saíram de cerca de 13,5% para 10,9%, refletindo a pressão de custos”, diz William Alves.
A XP Investimentos vai no mesmo sentido.
“Apesar das surpresas positivas nas divulgações, as empresas seguem sinalizando um cenário conturbado à frente, com uma forte pressão de custos, gargalos persistentes nas cadeias de abastecimento e arrefecimento de demanda”, contextualizam. “Dessa forma, entendemos que ainda há espaço para possíveis compressões de margens das empresas frente ao aumento da probabilidade de recessão, sendo esses os dois grandes riscos daqui pra frente”.