Com inflação alta e taxas de juro subindo, investidores devem montar carteiras diversificadas
Especialistas veem momento delicado para bolsas de valores, mas também há oportunidade para construir posições fortes no mercado
O cenário para os investidores nos últimos meses apresentou alguns desafios: a inflação começou a subir nos países desenvolvidos, efeito dos estímulos para a retomada após o arrefecimento da pandemia, e os Bancos Centrais iniciaram uma alta de juros como forma de combater a escalada de preços, o que pode acabar desacelerando o crescimento econômico como efeito colateral. Diante desse quadro, investidores passam a buscar opções mais seguras do mercado. Especialistas em investimentos ouvidos pela Jovem Pan recomendam cautela e que as carteiras sejam o mais diversificadas possível, mas também indicam que há a possibilidade de montar boas posições pensando em prazos mais longos.
O aumento de juros torna os títulos oferecidos por governos mais atraentes para os investidores, já que passam a remunerar melhor e são considerados de baixo risco. Por outro lado, as Bolsas de Valores costumam sofrer, assim como outros tipos de investimentos considerados mais arriscados. Além disso, ainda existe o temor no mercado financeiro de que haja uma desaceleração do crescimento, ou mesmo uma recessão a nível global, o que poderia reduzir o consumo e a demanda por produtos, afetando os lucros das empresas. Desde o início de 2022, tanto a Bolsa de Valores de São Paulo, quanto as americanas apresentam queda: o Ibovespa, do mercado brasileiro, tem queda de 3,87%, enquanto o S&P 500 caiu 18,33% e o Dow Jones, 13,87%. Já o Nasdaq, que congrega papéis de empresas de tecnologia, incluindo gigantes como Netflix e Amazon, foi ainda mais atingido e recuou 25,89%.
A dica para os investidores é ter uma carteira diversificada, dentro do perfil que possuem, com o conhecimento de quanto de risco ele pode e está disposto a tomar e em quanto tempo espera ter retorno. “A recomendação, no fundo, é a mesma de sempre: ficar com a carteira bem diversificada e atento às concentrações de risco do ambiente econômico. Ou seja, não ficar concentrado em algum tipo de carteira que possa ser muito prejudicada por essa volatilidade, que seja muito sensível à inflação, ou aos números do crescimento econômico”, explica Ian Caó, CIO da Gama, gestora especializada em fundos globais. “A recomendação é sempre buscar entender a classe de ativos que você quer investir, o perfil daquela classe, e depois buscar gestores consagrados, que sejam referência nos mercados em que eles atuam”, avalia Caó.
A incerteza e a volatilidade devem ser marcas de uma “nova era” no mercado financeiro, com o cenário de inflação alta e juros altos levando a grandes flutuações. Por isso, quem deseja investir não deve se empolgar, muito menos se desesperar. “O investidor tem que ter percepção e entendimento de que cenários mudam, e assim como hoje vivemos esse cenário de inflação alta e juros altos, que vem deteriorando, essa percepção de preços de ativos não necessariamente vai durar para sempre”, comenta William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, corretora dos Estados Unidos voltada para brasileiros que investem. “[O investidor] Tem que ter a noção de que é um ano difícil e de que faz parte ter algumas perdas. O segundo ponto é perceber que vale a pena aproveitar momentos de queda nos preços dos ativos e aproveitar e montar posições para quem pensa em vender em dois, cinco anos”, completa Alves.
Com a queda das bolsas, alguns papéis ficaram muito baratos, dando a oportunidade de garantir múltiplos maiores se voltarem a subir. Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos, avalia que ações de empresas de varejo podem ter um prêmio maior. “Empresas como Magalu e Via (antes conhecida como ViaVarejo), tiveram queda de 80% no acumulado, o que não reflete a realidade da empresa, do caixa dela. Ao mesmo tempo, elas demonstram muita volatilidade, são para quem tem mais estômago. É importante não alocar parcela significativa da carteira ali”, recomenda.
Wagner Varejão, da Valor Investimentos, também cita companhias que atuam no setor varejista, mas por outra razão. “É importante buscar empresas que tenham grande poder de passar a inflação para o consumidor, porque a receita dela é reajustada ao mesmo tempo. Assim, as do varejo e do setor elétrico são boas opções. Essas últimas têm contratos longos que preveem o reajuste de acordo com a inflação, são para um horizonte de investimento mais longo. É uma oportunidade gigantesca para montar carteira de ações, com múltiplos que não se viam desde 2008. É importante não se desesperar se cair temporariamente. A carteira pode ser bem simples, sem inventar moda, porque as coisas tradicionais estão baratas”, cita. No Brasil, o setor elétrico também deve ter impulso com a privatização da Eletrobras.
Há ainda outras opções, fora da Bolsa de Valores, que são consideradas mais seguras. Um exemplo são os CDBs, títulos de renda fixa emitidos pelos bancos para captar os recursos que serão emprestados a seus clientes ou usados para financiar as suas atividades. Também há os fundos que atuam no mercado imobiliário, igualmente considerados bastante seguros e rentáveis. Marcatti cita, ainda, os fundos multimercado, que são mais flexíveis e podem aplicar em diferentes mercados (renda fixa, câmbio e ações, entre outros), além de usar derivativos para alavancagem (técnica que se assemelha a um endividamento, com o objetivo de maximizar a rentabilidade) ou para proteção da carteira. Esse tipo de fundo é bastante dependente do gestor contratado para comandá-lo.
Outros setores demandam mais atenção. As commodities, por exemplo, são fortes na Bolsa brasileira e tiveram altas recentes, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia que encareceu produtos dos dois países como petróleo e minério de ferro, mas é necessário ter atenção. “As commodities não funcionam como uma proteção à inflação porque essa inflação é decorrente desses preços de commodities que já subiram. Se você alocar parte da sua carteira em commodities hoje, ela só vai se mostrar um bom investimento se continuarem subindo daquilo que elas já subiram”, analisa Alves. Outro temor é de que a possível recessão diminua a demanda pelos produtos, levando a uma queda nos preços e no valor das ações das empresas que os negociam.
Empresas de tecnologia podem representar uma oportunidade. “Houve uma correção muito forte de preços de ativos de tecnologia e é um momento excelente para montar uma posição, um momento muito bom para quem pensa em cinco ou dez anos, sabendo que o setor de tecnologias é de mais risco porque muda muito rapidamente. Tendo essa consciência e não alocando todo seu capital em tecnologia, faz sentido investir nelas”, diz Alves. Para startups e fintechs, é necessário ter mais cuidado ainda e avaliar se a ideia de produto e de modelo de negócios da empresa se sustentam, devido a características desse tipo de empresa iniciante. Normalmente, startups fazem rodadas de captação de recursos no mercado, onde costumam receber dinheiro de fundos ou “investidores-anjo”, pessoas que avaliam esse mercado. Com o cenário mais adverso, entretanto, pode ser mais difícil para quem tem ideias inovadoras, já que empresas jovens costumam dar prejuízo por algum tempo enquanto crescem, antes de se tornarem lucrativas. “Se o investimento se der por acreditar na tese, que aquela empresa está resolvendo uma dor e é promissora e bem gerida, é até melhor investir agora do que há dois anos e meio atrás. Existia uma moda, qualquer empresa que se chamasse fintech ou startup captava recursos sem ter as qualidades necessárias. Como não são geradoras de caixa e sim queimadoras, fica muito mais difícil ela conseguir capital para continuar o processo de crescimento acelerado. Se antes tinha dinheiro para 10 empresas, vai ter que ser para 12”, afirma Marcatti.
Se a meta for investir no exterior, o mercado de ações pode ser uma boa opção, principalmente a longo prazo. Nos Estados Unidos, onde o mercado é menos volátil, investir em títulos de renda fixa de empresas pode ser uma boa ideia – a pessoa empresta o dinheiro para uma empresa grandes como Ford, Netflix ou Apple, e ela remunera um determinado percentual, retribuindo em juros. Contudo, o país norte-americano pode ter que retirar os estímulos da economia com uma velocidade maior para conter a inflação, enquanto países da Ásia podem ter menos problemas e entrar em uma fase de estimular a economia. Porém, o que ocorre nos EUA, a maior economia do mundo, sempre afeta outras nações. Por isso, cautela, diversificação e pesquisa sobre os ativos e gestores são igualmente recomendadas.