El Salvador deixará de pagar sua dívida soberana em 2023?
Com a emissão de um título de Bitcoin atrasada, o presidente Bukele deve arcar com pagamentos de US$ 800 mi em janeiro
*Por Franki Muci
Por causa do título soberano de US$ 800 milhões de El Salvador com vencimento em janeiro de 2023 e uma probabilidade implícita de default de 48%, os mercados financeiros internacionais acham que há uma chance de o país da América Central parar os pagamentos programados em oito meses, pouco mais de um ano depois de adotar o Bitcoin (BTC) como moeda de curso legal.
El Salvador tem um crescimento econômico teimosamente baixo, um grande déficit fiscal e quase 90% do PIB em dívida pública cara (custando 5% ao ano em comparação com 1,5% nos EUA). Sem grandes mudanças na política econômica, o país corre o risco de um perigoso default.
A maioria dos profissionais e acadêmicos concorda que a inadimplência soberana tem grandes custos. Isso é especialmente verdade em países dolarizados como El Salvador, onde os pagamentos não efetuados pelo governo podem desencadear uma corrida aos bancos. Como em outros mercados emergentes, bancos locais, companhias de seguros e fundos de pensão em El Salvador têm muita dívida interna e alguma dívida externa do governo em seus balanços.
Mesmo que o governo do presidente Nayib Bukele apenas descumprisse a dívida externa do país, a dívida interna se tornaria mais arriscada (e menos valiosa), causando perdas na marcação dos preços em ambos os tipos de títulos, o que consumiria as proteções de dívida dos bancos e prejudicaria os balanços em todo o sistema financeiro.
Nesse cenário, uma grande minoria de salvadorenhos pode querer depositar seus dólares em dinheiro físico ou em bancos americanos seguros, e não em bancos domésticos relativamente mais arriscados. Grandes saques ou saídas de dinheiro para os EUA podem prejudicar a liquidez dos bancos domésticos e potencialmente levar os bancos mais fracos à insolvência. A autoridade monetária de El Salvador não pode imprimir dólares americanos para acalmar o pânico ou resgatar instituições falidas (somente o Federal Reserve, o banco central dos EUA, pode), então o Fed teria que usar suas reservas limitadas no valor de US$ 3,4 bilhões – ou 12% do PIB do país – para controlar o estresse.
Dados os riscos e custos do default soberano, faz sentido que El Salvador queira continuar pagando. O governo parece ansioso para continuar servindo a dívida, pelo menos por enquanto. Em março, o ministro das Finanças do país, Alejandro Zelaya, insistiu que o risco de inadimplência da nação “é zero” e disse que o governo continua comprometido em pagar em todos os cenários.
Na segunda-feira (13), Zelaya falou que nem a queda do Bitcoin, que fez as reservas de cripto de El Salvador caírem para US$ 46,2 milhões – menos da metade dos US$ 104 milhões que o país investiu na criptomoeda ao longo dos últimos 10 meses – afetam a posição fiscal do país.
O presidente Nayib Bukele anunciou 10 compras de BTC desde setembro de 2021, detendo no total 2.301 Bitcoins adquiridos a um preço médio de US$ 45.171. A compra mais recente foi em 9 de maio, quando Bukele comprou 500 moedas por US$ 15,3 milhões, ou um preço médio de US$ 30.744 cada. Zelaya falou que esse valor é inferior a 0,5% do orçamento do governo. Ele também afirmou que qualquer perda por enquanto não foi realizada porque o país não vendeu nenhuma de suas moedas.
Bukele pretende ser reeleito em dois anos, em junho de 2024, e governar por mais cinco anos depois disso. Seus índices de aprovação são altíssimos (85%) e seu controle sobre a mídia e o sistema jurídico é cada vez maior, praticamente garantindo uma vitória nas urnas.
As opções de Bukele
A administração de Bukele emitiu mais de um quarto de todos os títulos estrangeiros, vendendo US$ 1,1 bilhão em notas em 2019 e US$ 1 bilhão em 2020. Se Bukele começar a ficar sem dinheiro e tiver que dar o calote, ele poderá fazê-lo em 2025, quando outro título importante de US$ 800 milhões vence. Mas, por enquanto, pelo menos El Salvador provavelmente pode continuar pagando.
Caso contrário, Bukele poderia simplesmente obter um programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e levantar centenas de milhões de dólares em financiamento barato para financiar o governo, que o FMI desembolsaria gradualmente em troca de reformas.
O FMI provavelmente pediria consolidação fiscal – aumento de impostos e cortes de gastos –, e então a relação dívida/PIB tenderia a cair no médio prazo. Também exigiria uma reforma cripto, alterando a Lei Bitcoin para conter riscos macro. Tudo isso é factível – por causa da popularidade de Bukele e sua grande maioria no Congresso. Além disso, é sua política de segurança pesada que o tornou extremamente popular, não a Lei Bitcoin, que pode ser alterada com repercussões políticas limitadas.
Mais especulativamente, El Salvador pode conseguir algum financiamento de grandes players no espaço cripto, as chamadas “baleias”, que querem manter viva a ideia da “adoção do Bitcoin (como moeda legal) por um estado-nação”. A emissora de stablecoin Tether, a exchange de criptomoedas Bitfinex ou outros poderiam estender o suporte com um empréstimo direto ao governo, comprando títulos domésticos ou simplesmente depositando dólares americanos em bancos em El Salvador, que as instituições poderiam usar para comprar dívida do governo.
Por enquanto, o país tem opções. Não são ótimas opções, mas elas existem. Tudo isso me leva a concluir que El Salvador provavelmente não entrará em default em 2023.
*Franki Muci é membro da Escola de Políticas Públicas da LSE. Seus interesses de pesquisa incluem política de crescimento econômico e gestão de finanças públicas.