“Corte do ICMS trará problema a contas do governo”, diz Henrique Meirelles

Para ex-ministro, o combate à inflação deveria ser feito, na verdade, com uma política fiscal responsável, respeitando a regra do teto de gastos

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Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles vê com preocupação as medidas adotadas pelo governo e pelo Congresso para conter a inflação, como o projeto aprovado nesta semana na Câmara que limita a alíquota do ICMS em 17% para produtos como combustíveis, energia elétrica, gás natural e serviços de telecomunicações. Segundo o ex-ministro, essas iniciativas podem trazer problemas financeiros para Estados e municípios, que teriam de recorrer à União em uma situação de crise. Para Meirelles, o combate à inflação deveria ser feito, na verdade, com uma política fiscal responsável, respeitando a regra do teto de gastos, o que traria confiança na economia e poderia levar a uma desvalorização do dólar e a uma queda das expectativas de inflação.

“A perda de arrecadação dos entes subnacionais ou mesmo do governo federal vai gerar em última instância um problema fiscal, que é o que tem levado o Brasil às crises periódicas”, diz Meirelles, que estreia amanhã uma coluna no Estadão. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a aprovação na Câmara do projeto que cria um teto para o ICMS?

Vejo como uma medida negativa. Ela gera queda na receita e na capacidade arrecadatória dos Estados. É importante nós combatermos isso. No momento em que os Estados começarem a ter problemas financeiros, levará a um problema fiscal para a União também, uma vez que os Estados – principalmente os de economia média ou menor – terminam recorrendo ao governo federal como já fizeram no passado. Tudo isso não funciona. Se o preço do combustível está elevado, temos de trabalhar duas medidas fundamentais. Restaurar a estabilidade fiscal, fazendo com que se aumente a confiança, caia o valor do dólar, que impacta diretamente o preço dos combustíveis. E, em segundo lugar, tomar uma medida de maior abrangência, de maior impacto, que é a privatização da Petrobras. Não para a criação de um monopólio privado. Mas, sim, para a criação de três ou quatro companhias de petróleo, dividindo a Petrobras, para que a fixação de preços seja feita pela competição. Cortar o ICMS dá um alívio de curto prazo e gera um problema de médio e longo prazos.

Os Estados vão ter de compensar essa perda de alguma maneira?

Esse é o problema. Começam a ter de taxar outras coisas. É algo que só vai gerar problema.

Governo e Congresso estão tomando medidas em série para reduzir a inflação. Como vê o movimento?

Temos de resolver a causa dos problemas, e não ficar dando analgésico, o que só causa prejuízos. A perda de arrecadação dos entes subnacionais ou mesmo do governo federal vai gerar em última instância um problema fiscal, que é o que tem levado o Brasil às crises periódicas nas últimas décadas.

Essas medidas terão efeito para controlar a inflação?

O efeito é algum analgésico de curto prazo, mas não resolve o problema. O problema da inflação tem de ser resolvido, primeiro, como eu disse, por restaurar a estabilidade fiscal. Em seguida, aí sim, podemos ter uma queda do valor do dólar, com o Brasil se aproveitando do aumento dos preços das commodities que exporta. O aumento dos preços internacionais normalmente leva a uma queda do valor do dólar, o que levaria a uma queda da inflação. Aí temos um trabalho duplo, da política monetária e da política fiscal. Trabalhos de sucesso nessa área (no combate à inflação) exigem uma política monetária e uma política fiscal na mesma direção.

O que fez a inflação se tornar tão espalhada e tão persistente, na sua visão?

Exatamente a insegurança fiscal, que gera um valor do dólar elevado, mesmo com um aumento do preço das commodities. No passado, muitas vezes o dólar caía quando as exportações subiam. Tínhamos um aumento do preço em dólar, mas havia uma estabilidade do preço em reais. Agora, temos um aumento em dólar e um aumento em reais. Isso é uma das causas importantes da inflação. Com a desconfiança na economia e sem expectativa de inflação baixa, as empresas em geral começam preventivamente a subir preços. Isso gera a propagação da inflação para produtos que nada têm a ver com commodities ou com importação. Tudo isso é resultado de um ciclo de política fiscal que desperta desconfiança, e de uma dessintonia entre a política fiscal e a política monetária. E o Banco Central tem de subir a taxa de juros numa situação de desemprego elevado, piorando ainda mais o desempenho da economia.

Como o sr. avalia o trabalho do Banco Central (BC)?

O BC está fazendo o que pode. Agora, não vai resolver muito, de novo, sem sintonia de política fiscal e monetária.

O BC precisa subir os juros mais do que o esperado?

É possível. Mas teria de subir juros com uma taxa de desemprego elevada. Isso não é uma situação positiva para país nenhum.

O que pretende abordar nas colunas no ‘Estadão’?

A minha ideia é falar sobre a economia brasileira vista de uma perspectiva de longo prazo. Isto é, o que tem funcionado no Brasil e o que não tem funcionado. O Brasil, evidentemente, está numa situação negativa. Tem uma estagflação na prática. Temos uma economia que cresce pouco e com uma inflação elevada. Temos uma situação de taxa de juros alta, crescimento baixo e desemprego elevado.

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Fonte infomoney
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