Juros altos é ‘remédio amargo’, desacelera a produção industrial e traz risco para o aumento da inadimplência
Entidades criticam escalada da Selic para dois dígitos e afirmam que fatores que levam a inflação para cima não são arrefecidos pela estratégia da autoridade monetária
A volta dos juros para os dois dígitos após nova alta do Banco Central (BC) aumenta os desafios para a recuperação da economia ao impactar na desaceleração do consumo, no aumento da inadimplência e na retração da produção industrial. A elevação da Selic para 10,75% ao ano na semana passada — o maior patamar desde 2017 — e a sinalização de novo aumento no mês que vem acendem o alerta em diversos setores econômicos e reforçam as críticas de que a autoridade monetária adota uma postura excessiva na condução da política monetária. Para representantes da indústria, do comércio e da gestão de empresas, a indicação de que a taxa básica vai extrapolar a casa dos 12% neste semestre significa que o “remédio amargo” ministrado pelo BC para trazer a inflação para a meta está levado ao overkill, ou seja, um quadro em que a dose é exagerada e causa a morte do paciente.
As críticas recaem sobre as causas que elevam o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O principal argumento é que a escalada de preços observada em todo o mundo é impulsionada pelo lado da oferta devido à desorganização das cadeias de produção. Ao contrário das altas forçadas pela questão de demanda, o aperto do Comitê de Política Monetária (Copom) se mostra uma arma pouco eficiente para conter a variação dos preços. “As causas das pressões inflacionárias atuais não são do tipo que se combate com juros altos. Trata-se de uma consequência das desestruturações nas redes de produção, distribuição e oferta dos produtos”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Na mesma linha, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirmou que a nova escalada da Selic “incomoda” por tolher a atividade econômica do país em um momento em que o cenário já é bastante desafiador e que “é preciso pensar para além do Copom”. Em nota, a entidade disse que os aumentos que levaram os juros a 10,75% ao ano “deveriam soar como alerta sobre tudo o que deixamos de fazer a contento para colhermos crescimento econômico com geração de emprego e renda de modo sustentável”. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a produção industrial cresceu 3,9% em 2021. O desempenho, no entanto, é reflexo de uma comparação com uma base fragilizada após dois anos seguidos de retração.
A elevação dos juros também chama a atenção dos gestores de empresas pelos reflexos nos índices de inadimplência. Como o movimento para cima freia as atividades econômicas, além de aumentar o custo de empréstimos e financiamentos, representantes do setor se mostram preocupados com aumento de calotes. Luis Paiva, sócio da Corporate Consulting, aponta os impactos que o aumento dos juros terão no consumo das classes mais pobres, justamente a camada que sustenta o giro da economia. “As elevações da Selic são absurdas, ninguém vai consumir para poupar dinheiro. O nível do consumo da população já está aquém do que seria necessário”, afirma. “O remédio que está sendo dado não é adequado. O aumento das linhas de crédito beneficia as instituições financeiras, mas faz a população sofrer.”
O corte na injeção de dinheiro gerado pela alta dos juros deve incidir em menor consumo, enquanto a elevação das taxas de financiamento aumentam o temor de contrair dívidas que se tornem insustentáveis. Apesar de ver o movimento para cima como necessário ao combate da inflação, Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e ex-diretor do Banco Central, afirma que uma alta acima de 11% é desnecessária. “Não temos mais os problemas inflacionários como no ano passado, e essa inflação não é de demanda, mas de oferta, o que não necessariamente exige a subida dos juros”, explica.
A despeito das críticas, o Banco Central não dá sinais de que vá frear a alta dos juros em breve. Ao fim do encontro da semana passada, a autoridade monetária já deixou contratado um novo acréscimo, apesar de admitir a desaceleração no ritmo. Até o fim da semana passada, o mercado estimava que a Selic iria encerrar o ano a 11,75%, segundo previsões do Boletim Focus publicadas na segunda-feira, 1º. As análises, no entanto, passaram para acima de 12% após a última reunião do Copom. O movimento de alta ocorre em meio à pressão no IPCA. A mediana da pesquisa do BC para a variação de preços neste ano foi a 5,38%, ante estimativa de 5,15% na semana passada. A revisão afasta o patamar da meta de 3,5% perseguida pelo BC, com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, uma Selic entre 2% e 5%. Caso se confirme, será o segundo ano seguido que o IPCA estoura o teto da meta. Em 2021, o índice encerrou com alta de 10,06%, muito acima da meta de 3,75%. Para 2023, a pesquisa do BC apontou para alta de 3,5%, contra a expectativa de 3,4% da semana passada. No ano que vem, a autoridade monetária deve perseguir a meta de 3,25%, com limites de 1,75% e 4,75%.