O orçamento das florestas
Pesquisadores analisam por que algumas unidades de conservação recebem mais investimentos públicos do que outras
O governo brasileiro investiu pouco mais de US$ 297 milhões na manutenção de áreas de conservação ambiental entre 2013 e 2016. Esse montante não foi aplicado de modo homogêneo – pelo contrário. O investimento anual no caso de algumas unidades na Amazônia foi de menos de US$ 1 por quilômetro quadrado (km2), enquanto que em outras chegou a US$ 390 mil por km2, como no caso da Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo, em João Pessoa, na Paraíba. Em estudo publicado em julho na revista Land Use Policy, pesquisadores brasileiros constataram que o gasto médio anual aplicado pelo governo no manejo das unidades de proteção tende a aumentar de acordo com o tamanho e a época em que elas foram criadas, assim como a densidade populacional e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das regiões próximas a elas.
Sob coordenação do geógrafo José Maria Cardoso da Silva, do Departamento de Geografia e Estudos Regionais da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e do engenheiro químico Alan Cavalcanti da Cunha, do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá (Unifap), foi realizado um levantamento amplo e detalhado dos valores aplicados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no manejo de 289 áreas. Elas cobrem 743 mil km2de vegetação nativa distribuída pelo país. O grupo usou dados do próprio ICMBio e do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), criado em 2002 para preservar a floresta amazônica por meio da criação de unidades de conservação. Eles também usaram o Portal da Transparência para reunir informações sobre os gastos com os funcionários das unidades avaliadas, como salário e bonificações que receberam no período. Em seguida cruzaram esses dados e analisaram os padrões de distribuição dos gastos públicos com as unidades federais de 2013 a 2016.
Verificaram que o montante aplicado pelo governo na manutenção das 289 unidades de conservação correspondeu a uma média de US$ 74,8 milhões por ano. Como o câmbio variou durante o período, os pesquisadores se basearam em uma taxa média de R$ 3,25 por dólar. “Mais da metade desse valor foi usada para cobrir gastos com salários e gratificações”, explica Cunha. “A outra parte foi empregada em ações de fiscalização, demarcação de terras, compra de equipamentos, entre outros.” O valor investido pelo governo federal correspondeu a uma média anual de cerca de US$ 100 por km2, abaixo do que foi aplicado nos anos anteriores, cerca de US$ 140 por km2.
Os autores suspeitam que a diminuição dos investimentos nas unidades resulte de dois fatores. Um deles diz respeito ao fato de o Brasil ter expandido seu sistema de áreas de proteção a uma taxa mais rápida do que a de aumento do orçamento do ICMBio, que, segundo Cunha, optou por priorizar o repasse de recursos às unidades mais antigas e já estruturadas. Outra explicação envolve a crise econômica que o país atravessa desde 2015, a qual levou o governo federal a cortar gastos em vários setores, incluindo a área de conservação ambiental.
União repassou cerca de US$ 100 por km2para o manejo das áreas de preservação entre 2013 e 2016
Também os gastos federais variaram de uma unidade para outra, de acordo com o tamanho, a idade, a densidade populacional e o IDH das cidades próximas a elas. “As unidades menores, entre 0,89 km2e 80 km2, mais jovens e com cidades menos povoadas nas cercanias receberam entre US$ 0,30 e US$ 44,5 por km2, enquanto as áreas médias e grandes, entre 603 km2 e 38,6 mil km2, mais antigas e com cidades próximas mais populosas e com maior IDH receberam mais recursos, entre US$ 314 e US$ 394,2 mil por km2no período avaliado”, diz Cunha.
Ele explica que quanto mais densas as áreas urbanas próximas às unidades de conservação, maior é o risco de degradação da vegetação protegida, o que exige mais investimento por parte do governo federal. Já as cidades próximas com alto IDH, em geral, apresentam melhores indicadores de renda, saúde e escolaridade. “Esses fatores levam à criação de um cenário de conscientização e valorização do meio ambiente e maior pressão por investimentos nas unidades próximas.”
O estudo constatou que as áreas de proteção integral tendem a receber mais recursos do que as de uso múltiplo. Isso porque, enquanto as unidades de proteção integral são restritivas, permitindo a realização de pesquisas e algumas atividades recreativas e educativas, as de uso múltiplo permitem a exploração sustentável da biodiversidade, por meio do turismo ecológico e de atividades extrativistas tradicionais. “As de proteção de uso múltiplo recebem menos investimentos porque dispõem de atividades econômicas alternativas”, explica Cunha. Por conta disso, a própria população local atua como um agente de fiscalização. “Os habitantes ajudam a conservar e a proteger esses ecossistemas porque compreendem sua importância para a região tanto do ponto de vista ambiental como econômico.” Isso não acontece com as áreas de proteção integral, daí a necessidade de mais recursos para elas.
Para o biólogo Ramon Felipe Bicudo da Silva, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou do estudo, diferenças no dispêndio nacional entre as áreas de proteção, em parte, são esperadas. “Em um país como o Brasil, extenso e heterogêneo em biodiversidade e condições socioeconômicas e culturais, os desafios e demandas de cada unidade de proteção variam muito”, diz.
No entanto, ele destaca que os fatores identificados pelos pesquisadores explicam apenas um terço dos gastos totais feitos entre 2013 e 2016. “Não se pode descartar a hipótese de que outras variáveis, envolvendo interesses políticos e econômicos, também possam justificar as diferenças na aplicação de recursos financeiros entre as unidades no país.” Para ele, compreender os fatores envolvidos na alocação de recursos em áreas de proteção ajuda a aprimorar a transparência nos gastos públicos. “Isso tende a ser um meio para garantir melhores políticas e governança ambientais, com melhores resultados de conservação.”