Mercado da música ‘acabou’, diz Fagner no aniversário de 70 anos
Em produção de um novo disco, o cantor e compositor cearense segue compondo canções que 'buscam tocar o coração das pessoas'.
A rotina de trabalho do músico cearense Raimundo Fagner parece a de um garoto de 20 e poucos anos. Depois de um mês fora de casa, apresentando shows pelo Brasil, a primeira coisa que ele faz ao retornar para a terra natal é marcar uma tarde de gravação do novo disco e atender a equipe do G1 para falar sobre o aniversário de 70 anos. A nova idade será celebrada neste domingo (13), com homenagens em Fortaleza e Orós (cidade materna da família do cantor, distante 345 km da Capital).
Apesar da vida agitada, ele tece críticas contundentes ao ramo profissional que escolheu há mais de quarenta anos. “O mercado já acabou, mas a gente está buscando fazer uma música que acredito que possa ainda tocar as pessoas. As gravadoras não esperam mais, mas o público espera, então tem que privilegiar ele, que acompanha a gente há muito tempo”, diz.
O compositor não concorda, porém, com uma afirmação recente do colega Milton Nascimento, de que “a música brasileira está uma merda”, dita em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.
“Eu jamais daria uma opinião como a do Milton, é tanto que ele se arrependeu. No mais, acho que cada um faz sua música, faz o seu tempo. Na época que nós fomos modernos, não tinha que estar reclamando de nada. É o que está se vivendo, é o que está se passando e a gente não pode querer transferir épocas. Então, parabéns a quem estiver fazendo música atual com qualidade, porque realmente é uma fórmula muito igual. No bolo, sempre tem gente muito boa”, defende.
Nos anos 1970, quando trocou a faculdade de Administração pela carreira musical, Fagner tinha uma certeza: “é preciso arriscar o presente em prol do futuro”. E esse sentimento o acompanha até hoje. Atualmente ele trabalha em um repertório de canções inéditas com os parceiros Renato Teixeira, Fausto Nilo, Moacyr Luz e Zeca Baleiro.
O novo disco ainda não tem data de lançamento, mas esse processo de criação é o que vem instigando o compositor. “Tô super motivado, isso é fundamental nessa idade, nesses anos todos de carreira, você estar compondo, vendo, sentindo a motivação das pessoas que estão ao seu lado trabalhando.”
Além do mercado musical, o cantor afirma que a situação política do Brasil também o aflige. “Esse ano a gente tem essa preocupação de estar existindo uma polarização ideológica muito forte, e que o país tem que caminhar pelo centro. A gente tem uma expectativa aí financeira, de nível de esperar do Brasil, que a gente sempre acha que vai pra frente, mas tá sempre dando um passo atrás, então é a preocupação de que o país possa sair desse momento difícil ideologicamente, economicamente.”
“Eu posso estar bem, mas você tá ali ao lado de alguém que está sofrendo, as pessoas estão desempregadas, tudo isso afeta a gente”, completa.
Família
O que ajuda a elevar o astral do cearense é a convivência com os familiares. A presença do filho Bruno e dos netos Clara e Arthur em seu cotidiano o faz acreditar que este “é o momento mais incrível que poderia estar vivendo”. “O ‘Tuti’ tá aprendendo bateria, a Clarinha com certeza será uma modelo. Tão lindos, me dão muita alegria, emoção, apesar da correria da vida e de a gente se ver pouco, porque eles também são muito ocupados, mas o Bruno tá muito no meu dia a dia”, afirma.
A história do filho foi revelada tardiamente, apenas em 2006, e consta no capítulo introdutório da biografia do cantor, lançada em abril pela jornalista Regina Echeverria. Após a morte dos pais de Fagner, o libanês Youssef Fares Haddad Lubous e a cearense Francisca Candido, e também dos irmãos Fares, Eliete e Elizete, a rotina entre o Rio de Janeiro, cidade dos herdeiros, e Fortaleza, onde vive a irmã Marta Lopes, é um conforto.
A saudade é sentimento que ele desconhece. “Eu tenho uma memória muito boa. Eu vejo cada coisa como se fosse ontem, lembro de detalhes, não sinto saudade de nada. Eu vivencio tudo e, para mim, eu continuo vivenciando tudo. Eu quero tocar a vida, tocar naquilo que as pessoas ainda esperam da gente”, destaca.
Talvez por isso o cantor não consiga hoje retornar à cidade de Orós, onde passou a maior parte de suas férias tomando banho de açude, com tanta facilidade. Já faz três anos desde a última visita. “Aquelas águas muito baixas dão uma tristeza danada. Eu espero que tenha um bom inverno e que eu possa voltar pra tocar as coisas que a gente vem fazendo”, observa.
Projeto social
Em Orós está a sede da Fundação Social Raimundo Fagner, que atende atualmente no Ceará um total de 400 crianças e jovens, na faixa etária de 7 e 17 anos, regularmente matriculados em escolas públicas.
O projeto trabalha na perspectiva da arte-educação, possibilitando aulas de música, literatura, informática, esportes, entre outras atividades. Em Fortaleza, a fundação funciona no Parque Itamaraty, periferia da Capital, e abriga também uma exposição permanente sobre a vida e a obra do cantor.
São estes garotos e garotas que subirão em dois diferentes palcos neste domingo para homenageá-lo. Em Orós, um concerto gratuito às 19h, na Praça Matriz, apresentará as principais canções do cearense; já em Fortaleza, o espetáculo musical é no Cineteatro São Luiz, às 18h. Neste, Fagner fará uma participação especial. “Vamos comemorar essa data juntos”, finaliza.
Serviço
“Fagner – O musical”. Dia 13 de outubro de 2019, às 18h, no Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500 – Fortaleza). Ingressos esgotados. Na data do espetáculo, um telão de led transmitirá simultaneamente o evento. Em Orós, apresentação dos garotos da Fundação às 19h, na principal Praça Matriz da cidade. Gratuito.