PEC dos Precatórios é promulgada “parcialmente” em sessão do Congresso Nacional
Com fatiamento da proposta, pontos em comum aprovados pelas Casas entram em vigor, e mudanças implementadas por senadores precisam de análise dos deputados
O Congresso Nacional promulgou, nesta quarta-feira (8), parte da PEC dos Precatórios. A sessão solene foi realizada um dia após acordo firmado entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que culminou no “fatiamento” do texto, com o envio de apenas as mudanças aprovadas pelos senadores para análise dos deputados.
Com isso, os dispositivos aprovados em comum pelas duas casas legislativas já podem passar a valer ‒ o que é considerado fundamental pelo governo federal para o pagamento da versão “turbinada” do Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda que substitui o Bolsa Família, com parcelas de R$ 400,00.
Na prática, isso permite que o presidente Jair Bolsonaro (PL) já possa colher os frutos do programa social e afaste eventuais riscos jurídicos de ampliar o benefício em ano eleitoral. O trecho já promulgado deve disponibilizar R$ 65 bilhões de espaço fiscal no Orçamento de 2022.
As modificações promovidas pelos senadores, que aprovaram a PEC dos Precatórios na semana passada, deverão ser analisadas pelo plenário da Câmara dos Deputados na próxima terça-feira (14).
Pela regra, Câmara e Senado precisam aprovar a mesma versão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que ela possa ser promulgada e passe a valer.
A proposta vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças de mérito. A cada ida e vinda, é necessário o apoio de 3/5 da respectiva casa (ou seja, 308 dos 513 deputados ou 49 dos 81 senadores).
O acordo foi selado entre Lira e Pacheco após dias de desentendimento entre os integrantes das duas casas legislativas.
De um lado, senadores resistiam ao “fatiamento” da proposta, com o receito de as modificações serem “engavetadas” pelos deputados, como ocorreu em outras ocasiões ‒ caso da própria discussão da reforma da previdência.
Os senadores argumentavam que as mudanças feitas na versão encaminhada pela Câmara dos Deputados foram fundamentais para a construção do apoio necessário para a aprovação do texto e que, por isso, não poderiam ser desconsideradas. Já os deputados se opunham a algumas das alterações implementadas e alegavam não haver tempo hábil para a aprovação da PEC até 17 de dezembro, quando está previsto o início do recesso parlamentar.
Na sessão solene desta quarta-feira, alguns senadores protestaram contra o “fatiamento” da PEC. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) chegou a acusar Pacheco de não cumprir acordo firmado com líderes da casa legislativa.
“Esse acordo teve uma única condição, feita por mim e assumida por Vossa Excelência em público: de que todos os espaços fiscais criados, em qualquer dispositivo da PEC, iriam estar vinculados ao pagamento da seguridade social. O acordo não foi cumprido. Vossa Excelência lamentavelmente criou um precedente que eu não me lembro de nenhum presidente desta Casa ter feito, de desonrar um compromisso assumido com os líderes”, afirmou.
Pacheco negou que a conversa entre os líderes tivesse esse teor, e disse estranhar o comportamento da colega. “Eu não fiz nenhum acordo com Vossa Excelência nesse sentido. Eu não sei qual a intenção de Vossa Excelência com essa polêmica toda. Eu não descumpri acordo algum. Não é possível que a gente fique o tempo inteiro com discussão política, de cunho inclusive eleitoral, para desmoralizar senador desta Casa”, rebateu.
Segundo Simone Tebet, o texto promulgado gerou uma liberação fiscal de R$ 65 bilhões “livres”, sem qualquer tipo de vinculação para que o governo federal gaste os recursos em políticas sociais (mudança aprovada pelos senadores e que ainda precisa ser votado pelos deputados).
Na avaliação da congressista, que lançou hoje (8) sua pré-candidatura à Presidência da República pelas eleições de 2022, os senadores ficaram em uma situação de “apostar no placar” da Câmara dos Deputados, e que, se isso estivesse claro desde o começo da tramitação do texto, a proposta não teria sido aprovada.
“Estou tratando de um acordo que foi feito aqui para que nós déssemos os votos necessários, que o governo não tinha, para poder aceitar avançar nessa questão. Essa PEC não passaria [no Senado]. Depois, na reunião de líderes, nós autorizamos Vossa Excelência a promulgar o que era coincidente, desde que jamais deixasse solta a vinculação à seguridade social. Se tivesse que deixar solta, nós não promulgaríamos nenhum artigo”, disse.
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) afirmou que o fatiamento da PEC foi feito “de forma inusitada”. Para ele, a decisão explicita outras intenções embutidas na votação da PEC.
“O que se pretende não é apenas recursos para pagar o Auxílio Brasil. Vamos ser francos. O que se pretende são bilhões para um gasto aleatório no ano eleitoral, para a prática do populismo. É isso que se deseja, a ponto de apresentarmos aqui o espetáculo da criatividade”, criticou.
Os líderes do PT, senador Paulo Rocha (PA), do DEM, senador Marcos Rogério (RR), e do Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), também pediram uma revisão da redação do texto a ser promulgado, com base no acordo que permitiu a votação da matéria e o socorro aos cidadãos de baixa renda.
Durante a discussão, Pacheco também criticou o que chamou de “crise constante de confiança” dos colegas em relação à Câmara dos Deputados e procurou valorizar o compromisso assumido por Arthur Lira de pautar as mudanças em plenário na próxima semana.
“Eu fiz um acordo com o presidente Arthur Lira, é um acordo que será cumprido pelo Senado e pela Câmara. Eu confio na Câmara dos Deputados. Tudo quanto nós fizemos de inovação, sem compromisso de mérito, a Câmara dos Deputados apreciará na próxima terça-feira, inclusive essa essa vinculação que, de fato, nos é muito cara”, declarou.
Em meio ao ambiente hostil, Arthur Lira quebrou o protocolo, guardou o discurso que havia preparado para a ocasião e fez uma fala de improviso em resposta à desconfiança dos senadores.
“Eu quero deixar bem claro a todos os senadores que usaram a tribuna e se expressaram de maneira bastante franca a respeito dos procedimentos: as assessorias da Câmara e do Senado, as advocacias da Câmara e do Senado, as secretarias-gerais da Mesa da Câmara e do Senado tiveram autonomia total para fazer a promulgação técnica do que fosse comum às duas Casas”, disse.
Lira negou que a PEC sirva a interesses eleitorais. “O que importa é o que esta PEC vai gerar de segurança jurídica para o excesso de precatórios que existem no Brasil. Toda dívida tem que ser paga e reconhecida, mas absolutamente dentro de um limite de teto de gastos que temos que enfrentar”.
E manifestou seu apoio às mudanças do Senado que tornam o programa Auxílio Brasil permanente e criam uma comissão mista do Congresso para avaliar a origem dos precatórios e seu cálculo.
O presidente da Câmara dos Deputados também destacou a importância do programa social de transferência de renda. “Aqueles que estão abaixo da linha da pobreza nas regiões Norte e Nordeste têm a esperança de largar os ossos dos caminhões compactadores de lixo que usam para fazer sopa para seus filhos. Foi isso o que nos moveu na Câmara”, disse.
Os senadores críticos do acordo firmado questionaram a ideia de promulgação dos artigos 4º (inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal) e 107.
O primeiro apresentou mudança em relação à versão encaminhada pelos deputados, que chegou a ser apontada pela Mesa Diretora do Senado Federal como “ajuste de redação”. No final, porém, decidiu-se por remeter o artigo inteiro à Câmara dos Deputados.
Já o segundo foi mantido de forma quase integral, com a exclusão de um parágrafo que tratava da securitização de precatórios. Mas, segundo os senadores, o dispositivo não poderia ser promulgado por ferir acordo estabelecido em torno da vinculação de todo o espaço fiscal gerado – uma demanda de senadores independentes e de oposição para votar o texto. O artigo, porém, foi promulgado.
Eis a redação dos dois dispositivos (sublinhado trecho incluído pelos senadores):
Art. 4º O aumento do limite decorrente da aplicação do disposto no inciso II do § 1º do art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias deverá, no exercício de 2021, ficar restrito ao montante de até R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), e ser destinado exclusivamente ao atendimento de despesas de vacinação contra a Covid-19, programa de transferência de renda, ou relacionadas a ações emergenciais e temporárias de caráter socioeconômico.
Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias: |…|
§ 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:
I – para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e
II – para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, apurado no exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
§ 12. Para fins da elaboração do Projeto de lei de Orçamento Anual, o Poder Executivo considerará o valor realizado até junho do índice previsto no inciso II, do § 1º deste artigo, relativo ao ano de encaminhamento do Projeto, e o valor estimado até dezembro desse mesmo ano.
§ 13. A estimativa do índice a que se refere o § 12, juntamente com os demais parâmetros macroeconômicos, serão elaborados mensalmente pelo Poder Executivo, e enviados à Comissão mista de que trata o § 1º do art. 166 da Constituição Federal.
§ 14. O resultado da diferença aferida entre as projeções referidas nos §§ 12 e 13 deste artigo e a efetiva apuração do índice previsto no inciso II, do § 1º deste artigo será calculado pelo Poder Executivo, para fins de definição da base de cálculo dos respectivos limites do exercício seguinte, sendo comunicada aos demais Poderes, por ocasião da elaboração do projeto de lei orçamentária.
Veja quadro comparativo das versões clicando aqui.
Durante a sessão solene, o relator da proposta no Senado Federal, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que também é líder do governo na casa legislativa, defendeu que “o governo irá recomendar na Câmara a vinculação do espaço fiscal” e o “programa permanente” sejam mantidos conforme aprovado pelos senadores.
“As inovações feitas pelo Senado Federal serão apoiadas pela Câmara dos Deputados, sobretudo, aquela que é a preocupação central trazida hoje aqui no plenário do Senado Federal na sessão de promulgação: a vinculação do espaço fiscal que vai ser aberto, seja com a sincronização das despesas obrigatórias e a correção do teto público, seja com a criação do subteto. Estamos falando de um espaço fiscal de R$ 106 bilhões”, argumentou.
Pelo acordo selado entre os presidentes das casas legislativas, as modificações serão apensadas a uma PEC já em tramitação na Câmara dos Deputados, que está pronta para ser votada em plenário.
Desta forma, evita-se a tramitação completa da proposta mais uma vez, que consistiria em análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e uma comissão especial ‒ o que certamente inviabilizaria a votação em plenário antes do recesso.
A promulgação parcial da PEC dos Precatórios contemplará a mudança no índice de correção do teto de gastos, que abrirá o espaço fiscal para acomodar os gastos com o Auxílio Brasil.
Outro ponto que já pode passar a valer são as regras para parcelamento das contribuições previdenciárias dos municípios.
Por outro lado, não será possível a promulgação do dispositivo que prevê a criação de um limite (subteto) para o pagamento de precatórios em determinado exercício. A regra precisará ser analisada pelos deputados, assim como a vinculação do espaço fiscal aberto com a proposta aos gastos sociais.
Outro ponto pendente de deliberação dos deputados é a inclusão na Constituição Federal de dispositivo que garante direito a uma renda básica familiar a todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social por meio de programa permanente de transferência de renda.
A PEC dos Precatórios completa deve abrir um espaço fiscal de R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022, conforma cálculos do Ministério da Economia. A versão aprovada pelos senadores adiciona outros R$ 4,08 bilhões a partir de precatórios parcelados fora do subteto estabelecido pela proposta. É o caso das dívidas judiciais relativas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
Com as novas regras da PEC, o volume de precatórios não pagos pode chegar a R$ 121,3 bilhões em 2026, já corrigidos pela taxa Selic. O limite de pagamento para precatórios é estimado em R$ 40,38 bilhões para 2022, o qual se aplica somente aos precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs), de até 60 salários mínimos ou cerca de R$ 70 mil.
Dentro desse limite, terão prioridade no pagamento as despesas com as RPVs, estimadas em R$ 19,89 bilhões para o mesmo exercício. Com isso, sobrarão R$ 20,49 bilhões para pagar os outros precatórios. Além disso, serão pagos no ano que vem R$ 7,04 bilhões em precatórios do antigo Fundef. Esses recursos estão fora do teto de gastos e do limite dos precatórios.
(com Agência Câmara e Agência Senado)