‘Tenho uma memória incrível, não sei por quê. Fumo maconha todos os dias, há 55 anos’, diz Nelson Motta

Prestes a fazer 75 anos, jornalista e produtor musical prepara novo livro, documentário e musical

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Nelson Motta está à vontade. Na sala do seu apartamento, em Ipanema, ele usa short preto e camiseta de malha, numa tarde chuvosa de quinta-feira. Pede uns minutinhos para enviar ao jornal o artigo que acabara de finalizar e aproveita para fazer um post no Instagram, em que relembra o início da carreira. “Olhem só que rapaz de sorte. Com 22 anos, na sua primeira viagem va Nova York, recebido e fotografado pela fabulosa artista gráfica carioca Bea Feitler, que era diretora de arte da ‘Harper’s Bazaar’”, escreveu na legenda de um retrato seu em preto e branco.

Nelsinho chega aos 75 anos no próximo dia 29, mantendo inabalado um de seus maiores bens: “Tenho uma memória incrível, não sei por quê. Fumo maconha todos os dias, há 55 anos. Talvez seja por ter começado tarde, ali com uns 20 anos. Dizem que quando se começa cedo é que afeta os neurônios. Meu pai falava que eu era a prova viva desse mito. É bom preservar isso,  ? À medida que as pessoas vão envelhecendo, o HD vai enchendo”. Em plena atividade, o produtor musical e escritor tem lançamentos de livro e documentário previstos para o ano que vem e planeja um novo musical.

Na conversa a seguir, ele fala sobre esses projetos e como encara, sem saudosismos, a passagem do tempo. “Minha vida é uma sucessão de mergulhos no agora”, diz.

O GLOBO: Você é assíduo nas redes sociais. O que o move?

Nelson Motta: Sempre tive esse espírito de curtir e compartilhar, desde que comecei a fazer coluna em jornal, muito jovem. Também serve como exercício para o livro que estou escrevendo, baseado na minha vida. É a história de um rapaz de incrível sorte, mas com uma trajetória construída também com sangue e suor. Escolhi narrar na terceira pessoa porque, como já se passou muito tempo, pode ser que a minha memória falhe às vezes. Na verdade, você vai construindo e incorporando ficções ao longo da vida. Não tenho medo disso. Meu objetivo é entreter o leitor, emocionar. Esse é o meu espírito. E isso tem me ajudado muito. Volta e meia, eu pego uma foto e “pá”, já me lembro da história toda ali.

Bate nostalgia, em alguns momentos?

Tenho horror disso. O meu tempo é hoje. Uma das coisas que mais envelhecem é a nostalgia. A pessoa gasta seu pouco tempo com coisas passadas, que já aconteceram. Ainda há muita coisa para viver e conhecer.

Você faz 75 anos no dia 29. Como será a festa?

Discreta. Estou vendo com gratidão, serenidade e esperança. Nos 70, fiz uma festa grande, mas aquele foi o pior ano da minha vida. Perdi meu pai e, três meses depois, a minha mãe, além do meu maior amigo desde criança, o Dom Pepe. Mas também ganhei vários prêmios. Quero comemorar produzindo. É a melhor forma de agradecer a Deus e aos meus Orixás por tudo o que recebi.

Como você tem lidado com o tempo?

O meu tempo não é cronológico. É lógico, medido pela intensidade. Namoro uma mulher há dois anos e falo para ela que parece que a gente tem dez de casados. Eu moro no Rio, e ela em Brasília. Nos encontramos em fins de semana e viagens. Mas é uma intensidade que vale muito mais do que dois anos de cotidiano chato e tedioso. É sempre lua de mel.

Quem é ela?

Adriana Albuquerque. Desde o casamento com a Costanza Pascolato, que acabou em 2001 (após seis anos) , tive vários romances, mas nunca me envolvi assim. Há pouco mais de dois anos, estava saindo do hospital todo fodido (uma fístula medular o paralisou da cintura para baixo, por três meses) , fiquei de cama, com enfermeiro 24 horas, fisio. Fui guerreiro, voltei a andar. Ainda tenho dores, mas faço tudo o que quero. Logo que comecei a namorar a Adriana, minha filha Joana disse: “pai, mas que sorte você, nessa idade, todo estrupiado, conseguir uma gata dessas?”. Foi a sorte das sortes.

Qual tem sido a sua rotina?

Saio pouco, porque a minha casa é tão boa… Tive que mudar os exercícios físicos. Antes, caminhava todos os dias, agora faço boxe.

Boxe?

Meu fisioterapeuta apareceu um dia com manoplas e luvas. Fiz alguns exercícios e gostei. É catártico. É cada grito que solto, cada porrada… É “Crivellaaaaa”. Ele leva surras toda vez que tem boxe, e saio suado e feliz. Você descarrega uma agressividade animal, natural. Então, é algo que espero ansiosamente. Os nomes mudam a cada semana. Dependendo do que li no jornal, sai de baixo.

Você diz que foi o João Gilberto quem o despertou para a música. Até quando mantiverem contato?

A última vez que o vi foi em 2008, quando a bossa nova comemorou 50 anos. Falei brevemente com ele no backstage do Municipal e assisti ao show. Mas já não estávamos muito próximos. Nos anos de convívio e amizade, ele fez coisas incríveis por mim. Foi uma pessoa importantíssima na minha vida e na música brasileira e, sem a menor dúvida, é o meu personagem favorito.

Como foi perdê-lo?

Já vinha perdendo,  ? Acho que não o perdemos num momento só. Ele já estava se diluindo. Não estive com ele nesses últimos anos, mas fiquei acompanhando. Ofereci ajuda, se precisasse. Mas quem cuidou mais ali foi a Paula Lavigne e o Caetano. Eu esperava a qualquer momento. Ele também,  ? Porque ele se vestiu todo… Aquela foto dele, na churrascaria, magro, com o colarinho largo, me cortou o coração.

Nelson Motta e João Gilberto Foto: Arquivo Pessoal

Ainda Teve a morte do André Midani…

Triste também, era outro pai para mim. Mas o velório foi lindo, Ben Jor e Gil cantaram. Foi no jardim da casa dele, com garrafa de champanhe ao lado do caixão. Dou graças a Deus por ter aproveitado, por 60 anos, o André que conheci. Ô sorte!

Como é chegar a uma certa idade e começar a ver os amigos partirem?

Uma espécie de compensação para isso é seguir fazendo amigos novos e mantendo viva a memória dessas pessoas maravilhosas. Nunca mais vou ter outro Vinicius (de Moraes) ou Glauber Rocha, mas já tive. E quem não teve? Gracias a la vida ! O que ameniza é ver o crescimento dos seus descendentes, filhos e netos (Nelson tem três filhas, três netos e um bisneto) . Acho que tenho lidado razoavelmente bem com isso. É claro que você vai se preocupando mais. Minha experiência é de 95 anos, e o físico de 45. Acho que é uma média boa, uma matemática consoladora.

Você está trabalhando num documentário sobre o disco “Tom & Elis”?

Não posso falar muito, mas o Roberto (Oliveira) tem 16 horas de filmagens da gravação em Los Angeles, em 1973. Um material inédito e todo restaurado. Estamos construindo o roteiro.

E quer fazer uma nova versão do musical do Tim Maia também?

É um Tim Maia superluxo, para lugares grandiosos, mas ainda está no começo. É um projeto com a minha filha Joana, como produtora, e com o Dody Sirena, empresário do Roberto Carlos. Quero fazer com a Deborah Colker, com quem trabalhei no Dancin’ Days. Vai ser um “Tim Maia du Soleil”.

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Fonte oglobo
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