“5G para quem?”: apesar do avanço, especialistas fazem ressalvas sobre edital do Leilão 5G
Com o Leilão 5G marcado para esta quinta-feira (4), muitos especialistas discutem o avanço tecnológico que, apesar de estar sendo algo celebrado e que irá revolucionar a comunicação, precisa de ajustes para que não negligencie áreas remotas do Brasil, ou seja, regiões não urbanizadas e de difícil acesso.
A ressalva foi feita na semana passada pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) em uma audiência pública promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), conforme informou a Agência Senado. O parlamentar reconheceu a importância da nova tecnologia, mas destacou que o assunto ainda desperta críticas e possui uma série perguntas sem respostas.
“Vai ser importante saber como ficará o cidadão comum lá do interior. Quando ele terá acesso a essa tecnologia? Como ele ficará servido das tecnologias que já estão ofertadas, mas com baixa qualidade? Quando e como essas tecnologias vão proporcionar maior bem-estar social e melhor qualidade de vida a esses cidadãos?”, questionou.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também adicionou críticas e falou sobre o modelo pelo qual o governo brasileiro costuma transferir serviços públicos essenciais para a iniciativa privada. Para ele, as empresas particulares que exploram áreas como saneamento, energia e telecomunicações só querem ficar com o “filé”, que seriam as áreas mais lucrativas e de retorno financeiro mais rápido.
“Volta de novo a volúpia de governos nesse processo de discussão de privatização, especialmente em servidos públicos tão importantes. Estou aqui desde 1991 e participei de todo esse debate, principalmente na privatização das telecomunicações. A gente fazia menção ao “filé” e ao “osso”. As empresas vão exatamente em busca do filé. E o osso fica para quem? O serviço privado não deu conta de resolver os problemas dos rincões do país”, afirmou o político.
No entanto, para a Conselheira Cristiane Sanches, da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), mesmo com a existência de gaps ou lacunas na prestação do serviço de internet em áreas remotas do Brasil, o edital lançado pela Anatel irá trazer maior “flexibilidade” entre interior e capitais.
“O edital permite que a gente tenha acesso a redes neutras. O futuro do espectro é o compartilhamento. Se não tivermos esse compartilhamento e um acesso diferenciado à rede móvel, nada vai funcionar e o interior vai restar prejudicado. Ainda existem gaps em relação a localidades remotas e afastadas, e não é o 5G nesse momento inicial da operação vai resolver isso”, opinou Sanches.
O diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), Gustavo Correa, concordou com a conselheira, explicando que “o investimento nas redes 5G para que elas cheguem a áreas menos densamente povoadas é maior, o que leva a um prazo de adoção maior.”
Críticas ao edital da Anatel
Ainda de acordo com a Agência Senado, a audiência pública na CCT contou com a presença de entidades críticas ao edital da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Uma delas é a Coalizão Direitos na Rede, que apontou uma série de falhas na elaboração do documento.
“A pergunta é: 5G para quem? As entidades reconhecem nessa tecnologia grandes oportunidades de alavancar diversos setores da economia e estimular o desenvolvimento social. Mas o Brasil se encontra hoje num fosso digital profundo e injustificável”, disse a organização.
“São erros grosseiros na precificação das faixas de frequências. Apenas 60 municípios foram considerados economicamente viáveis. São considerados inviáveis Brasília, Salvador, Guarulhos (SP), Campinas (SP), Manaus, São Bernardo do Campo (SP) e Curitiba. São cidades claramente viáveis, que já contam com estrutura de telecomunicações. Essa analise certamente impactou para baixo o valor da licitação, e isso representa um prejuízo ao erário público e à definição das contrapartidas colocadas pela Anatel, que poderiam ser mais audaciosas”, acrescentou.
Diogo Moyses, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirmou que o edital pode prejudicar uma boa parcela dos consumidores brasileiros.
“O consumidor, especialmente aquele mais vulnerável e que mais precisa de políticas públicas, está sendo desconsiderado nesse processo. Evidente que o 5G traz uma série de inovações. Mas a situação em relação à universalização do acesso à internet ainda é dramática. Aproximadamente 40% da população tem como acesso exclusivo a telefonia móvel. É um modelo comercial baseado em franquias, no qual boa parte dos usuários passa maior parte do mês sem qualquer acesso à internet. O foco deve ser uma melhoria radical da infraestrutura do 4G”, sugeriu ele.
A disputa no Leilão 5G
Na última quarta-feira (27), 15 empresas apresentaram à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) propostas para a exploração do espectro, dessas, pelo menos 10 são consideradas de pequeno ou médio porte. Além das maiores companhias do setor, operadoras de médio porte demonstraram interesse em participar da disputa.
Para Alex Jucius, diretor da associação NEO – que representa o segmento de pequenas e médias empresas – o leilão de radiofrequências “será o maior do mundo” e será responsável por promover a inclusão digital.
“A inclusão digital não necessariamente vai ser feita com o 5G. Mas pode ser feita através do 5G, com os investimentos decorrentes e os compromissos que estão sendo colocados. A implantação da tecnologia 4G e LTE vai ser levada para lugares que hoje não estão cobertos. O 5G vai talvez promover a maior inclusão digital que já houve neste país com relação à mobilidade”, avaliou.
A disputa envolve as faixas de 700MHz, 2,3GHz, 3,5GHz e 26GHz por um prazo de 20 anos prorrogável por mais 10.