Combustível do futuro? Entenda os veículos a hidrogênio, a terceira via entre elétricos e convencionais
Em meio à grande discussão sobre o futuro do motor a combustão interna versus elétrico ou híbrido diante da crise climática, as notícias sobre outra tecnologia que corre em paralelo acabam meio deixadas de lado. Falamos dos veículos a hidrogênio.
O que é hidrogênio?
Hidrogênio é o elemento químico mais simples e leve de todos, formado por um próton e um elétron, sem nêutrons. Famosamente é um componente da água, junto com o oxigênio (H₂O) – o nome vem daí; hidrogênio significa “o que gera água”. Mas não se parece em nada com água: é um gás altamente inflamável.
Em química, a forma pode ser mais importante que os ingredientes: adicionando um átomo de oxigênio, no lugar de água temos peróxido de hidrogênio (H₂O₂), veneno e potente corrosivo se concentrado, que os fabricantes preferem chamar com o nome inofensivo de água oxigenada.
Assim, hidrogênio puro (H₂), diferente da água, tem potencial energético – e quando você ler por aí mais uma matéria espertinha sobre “carro a água”, pode apostar: é movido a hidrogênio retirado da água, não à água. Isso muda tudo.
Ele entra em combustão (pega fogo) ao reagir com o oxigênio, gerando muito calor e, no lugar de dióxido de carbono (o infame CO₂) gerado ao queimar gasolina, diesel ou etanol, o resíduo dessa reação é água.
Essa combustão é tão poderosa que hidrogênio é um dos combustíveis de foguete mais comuns. De fato, o que você observa abaixo, no lançamento do foguete Saturno V, que levaria a Apollo 11 para a Lua, é água sendo gerada pela queima de hidrogênio:
Nem todo hidrogênio é limpo
Faz sentido usar esse poder todo para mover carros e aviões. Mais ainda porque, como o hidrogênio emite água e não dióxido de carbono, em tese, não contribui para o aquecimento global.
Em tese, porque não é bem assim. O hidrogênio, em termos ambientais, se divide em verde, azul e cinza. Não é a cor do gás, que não tem cor nenhuma. Os três são exatamente a mesma coisa: H₂ estocado em tanques no estado líquido. A diferença é a origem.
O hidrogênio verde é obtido por eletrólise. A água (H₂O) recebe uma corrente elétrica e se separa em seus dois componentes: oxigênio (O) e hidrogênio (H₂). O hidrogênio é tão limpo quanto a fonte de eletricidade for: se é eólica ou nuclear, por exemplo, é neutro em emissões; se é uma termelétrica a carvão, é pior que gasolina. Exatamente como acontece com carros elétricos: não resolve nada se a fonte de eletricidade for suja.
Os hidrogênios azul e cinza são obtidos através de combustíveis fósseis: geralmente gás natural, mas pode ser muita coisa; até carvão é possível. Às vezes, outras cores são usadas no lugar de cinza, para processos particularmente sujos, como marrom (carvão lignite) ou preto (carvão bituminoso). Mas a ideia é a mesma: é um hidrogênio vindo de combustíveis fósseis.
No processo chamado de reforma de hidrogênio, o combustível é misturado com vapor de água e aquecido a 800º C. O resultado é dióxido de carbono (o infame CO₂) e hidrogênio. Assim, a emissão de gás estufa do hidrogênio “sujo” aconteceu já ao ser criado, não ao ser usado.
A diferença de azul e cinza (ou preto ou marrom) é que, no processo azul, esse dióxido de carbono não é lançado na atmosfera, mas estocado embaixo da terra. Mas isso tem um custo, e joga o preço lá em cima.
Atualmente, segundo dados da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, 98% do hidrogênio produzido no mundo não é verde nem azul. É tudo sujo. Mas a ideia, se é para usar hidrogênio como saída para a crise climática, é, obviamente, migrar para as outras duas cores.
Como o motor a hidrogênio se compara com o elétrico?
Há vantagens em usar um combustível material no lugar de eletricidade. A mais óbvia é a velocidade de carregamento: encher um tanque de hidrogênio leva de 3 a 5 minutos. Quase igual a encher um com combustível convencional. Um Tesla Supercharger leva de 1 hora e 15 minutos para “encher” uma bateria de 0% a 100%, em condições ideais.
Opcionalmente, é possível trocar as baterias vazias por outras carregadas, mas baterias são pesadas e o processo é bem menos cômodo que encher um tanque.
A outra vantagem de combustíveis materiais é a densidade energética. Energia é energia: não importa se na forma elétrica ou em combustão, o trabalho necessário para mover um carro ou avião a certa velocidade é igual. Assim, é possível comparar o quanto de energia vai num tanque ou na bateria. E baterias perdem feio.
Uma bateria de íon de lítio, o tipo mais comuns em carros, é capaz de armazenar entre 100 a 265 Watts-hora por cada quilo (Wh/kg) de material. Gasolina contém 12.889 Wh/kg, etanol 8.333 Wh/kg e querosene de aviação, 12.000 Wh/kg. Hidrogênio, por sua vez, vence todos, com incríveis 39.405,6 Wh/kg. Isto é, cada quilo de hidrogênio que um carro carrega tem a mesma energia estocada em uma bateria de pelo menos 186 kg, ou até 400 kg.
Exemplo prático: um carro a combustão interna compacto tem um tanque tipicamente de 50 litros. Como gasolina pesa 0,71 kg/l, o carro sai carregando 35,5 kg em energia. Um Tesla Model 3 tem 480 kg de bateria.
Isso faz os elétricos parecerem ruins? Há outro lado. Parte dessa diferença de peso é compensada pelo motor: um motor elétrico é muito mais leve que um a combustão interna. O motor do Tesla Model S básico pesa 35 kg e gera 362 cv. Um motor a combustão interna na mesma faixa, como o Honda 2.0T K20C4 Turbo, com 306 cv, pesa 186 kg, enquanto outros superam os 300 kg.
E elétricos, mesmo carregando peso a mais, se mostraram viáveis porque motores elétricos são muito, muito mais eficientes em aproveitar a energia que é injetada neles que motores a combustão interna. Motores elétricos são até 8 vezes mais eficientes que motores a combustão em usar a mesma quantidade de energia.
Veículos no céu: combustão e célula de hidrogênio
Veículos a hidrogênio podem ter motores a combustão interna ou a células de hidrogênio. No primeiro caso, é um motor fundamentalmente idêntico a um motor convencional. No segundo, uma reação química na célula gera eletricidade, que alimenta um motor elétrico.
Como motores elétricos são tão mais eficientes, a aposta em carros a hidrogênio é que, se a tecnologia vingar para carros, serão principalmente elétricos. Simplesmente gastariam uma fração do combustível.
Mas a coisa muda de figura quando chegamos a aviões. Um avião precisa de muito mais energia que um carro. Aviões de longa distância decolam carregando por volta do próprio peso em combustível.
É inviável transformar a capacidade energética com que um, digamos, Boeing 777 decola em bateria. Mas é viável para aviões com menor alcance e movidos a hélice, seja usando células ou baterias ultra-eficientes. Para transporte em menor distância, como dentro das cidades, a hélice deve ter um belo revival.
Jato é diferente
Mas um jato como o 777 é diferente. Sua velocidade superior é produzida pela queima de combustível numa câmara de ar comprimido, e essa queima faz esse ar se expandir, criando o jato de ar que move o veículo direta e indiretamente, ao mover o fan (a ventoinha na frente do motor). Um motor a jato é, assim, movido diretamente pelo fogo.
Para um jato, salvo tecnologias ainda especulativas, eletricidade não é opção. A boa notícia é que usar hidrogênio não tem mistério nenhum: jatos assim já voavam há décadas. O Tupolev Tu-155 da União Soviética, de 1988, foi um deles.
A razão de não vermos jatos a hidrogênio por aí está num aparente paradoxo físico: não é só em peso que se mede a conveniência de um combustível, mas volume. Se hidrogênio é super leve, é também super “espaçoso”. Se 1 kg de gasolina cabe numa garrafa de refrigerante, 1 kg de hidrogênio está mais para um garrafão do escritório: precisa de 14 litros de espaço.
Assim, um veículo a hidrogênio precisa de um espaço enorme para levar seu combustível: quatro vezes maior que o mesmo volume em querosene. Um carro a hidrogênio pode dar conta do espaço extra sacrificando espaço no bagageiro. Mas um avião? Quem teve que andar com as pernas dobradas num voo comercial sabe que espaço não sobra neles.