Eles fazem a cabeça dos candidatos

A inflação e o desemprego serão os assuntos mais importantes da próxima eleição presidencial, por isso a escolha dos economistas que vão escrever os programas tornou-se uma prioridade para os presidenciáveis. Uma coisa é certa: não haverá mais espaço para um Posto Ipiranga

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Há muitas dúvidas sobre as eleições de 2022, mas pelo menos uma certeza: a economia vai dominar os debates. Enquanto as eleições de 2018 foram marcadas pelo tema da corrupção e da herança petista, no próximo pleito os temas prioritários serão inflação e desemprego (saúde vem a seguir). Por causa disso, os candidatos já afiam o discurso com seus economistas. Nesse quesito, quem tem mais problemas é o atual presidente. A gestão Bolsonaro fracassou em fazer reformas econômicas (a Previdenciária foi concebida no governo Temer), não conseguiu privatizar estatais (o processo da Eletrobras está pendente), ressuscitou a inflação e levou o desemprego a índices recordes. No final, furou o teto de gastos e descambou para o velho populismo econômico, turbinando o Bolsa Família, que foi rebatizado para servir à reeleição. A agenda liberal de Paulo Guedes virou pó e a anunciada “revolução da energia barata” é um slogan que será lembrado apenas pelos adversários do mandatário. Ainda não há nenhuma definição sobre a permanência de Guedes numa eventual reeleição. Na verdade, a dúvida é se ele continuará até o final do atual mandato.

“O teto de gastos é uma regra fiscal malfeita. Tem como consequência a destruição do Estado, e esmaga gastos sociais” Guilherme Mello, economista que pode fazer o programa do PT

Sem soluções milagrosas

O certo é que não há mais espaço para um Posto Ipiranga, um faz-tudo que anuncie soluções milagrosas e ignore a negociação política necessária para aprovar medidas no Congresso, além da necessidade de apresentá-las com clareza para a sociedade. Lula está ciente disso e evita anunciar um conselheiro, pois sabe que não terá mais um Antonio Palocci para inspirar a confiança dos agentes econômicos. Mas a economia será um grande calcanhar de Aquiles para o ex-presidente na campanha, já que Dilma Rousseff foi responsável pela maior recessão da história do País. Para se afastar desse fiasco, o ex-presidente vai buscar exibir os bons resultados do seu primeiro mandato, quando a manutenção do tripé econômico do Plano Real (responsabilidade fiscal, câmbio livre e metas de inflação) e o boom de commodities catapultaram o PIB. Além, é claro, da consolidação do Bolsa Família e da valorização do salário mínimo. Esse legado positivo foi minado em seu segundo mandato e enterrado pela sua sucessora. Por isso, nomes que sempre falaram historicamente pela legenda, como Aloizio Mercadante e Guido Mantega, foram escanteados. Está em ascensão na seara petista o economista Guilherme Mello, da Unicamp, que faz parte do grupo de Marcio Pochmann. Mello assinou recentemente o “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”, que foi referendado pela Fundação Perseu Abramo, ligada à legenda. Ele ressalta que “não fala pela campanha de Lula”, mas, como o ex-presidente, critica as privatizações. “É falsa a ideia de que simplesmente vender patrimônio público, em geral a preços módicos, irá promover o desenvolvimento”, diz. Também procura se mostrar não-dogmático: “a realização de concessões para a iniciativa privada em vários momentos se mostrou uma boa solução para a ampliação dos serviços e realização de investimentos”. Assim como Lula, o economista é contra o teto de gastos. “É uma regra fiscal malfeita. Tem como consequência a destruição do Estado, esmagando os gastos sociais e os investimentos públicos ao longo do tempo.” Mesmo assim, ele critica a PEC dos Precatórios patrocinada pelo governo, que na prática implode a norma de equilíbrio fiscal (“o problema não é alterar uma regra ruim, é fazê-lo de forma oportunista, atabalhoada e eleitoreira, se valendo de um calote nos precatórios para abrir espaço para gastos não prioritários”).

Andressa Anholete; Eduardo Anizelli; Adriano Machado;Danilo Verpa;Claudio Gatti

Mello defende políticas anticíclicas e diz que “é preciso pensar em um novo arcabouço fiscal, observando a experiência e a literatura internacional, sem gambiarras eleitoreiras e também sem dogmatismos ou apego a regras ultrapassadas que se mostraram fracassadas”. O problema dessa afirmação é que foi exatamente a gastança desenfreada e a benesse bilionária a grupos econômicos escolhidos a dedo que levou ao colapso do governo Dilma. Lula vai ter dificuldade em defender a “reconstrução nacional” se não fizer uma autocrítica sobre os erros que levaram à explosão do endividamento público e à volta da inflação nos anos petistas (o índice atual ainda é menor do que o registrado no governo Dilma), além dos escândalos de corrupção, tema que não será tão relevante em 2022, para sorte do partido. Apesar da habilidade retórica de Lula, será difícil cumprir sua promessa de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. A crítica ambígua à PEC dos Precatórios (que em essência tem medidas defendidas pelo partido) é um sinal dessa dificuldade. Além disso, a posição econômica do PT se aproxima da visão de Bolsonaro em dois pontos fundamentais: os dois são contra o arcabouço que garante a responsabilidade fiscal e ambos querem que a Petrobras seja usada pelo governo para fazer política econômica, com controle dos preços dos combustíveis (outra medida equivocada dos anos Dilma).

No campo oposto econômico, o governador de São Paulo, João Doria, provável vencedor das prévias do PSDB para disputar a Presidência, é um dos pré-candidatos mais articulados sobre seus planos para uma eventual gestão. Diz que defende um governo liberal, com responsabilidade fiscal. Já se declarou a favor da privatização da Petrobras e do Banco do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, defende a permanência da CEF para políticas sociais. Se chegar ao Planalto, provavelmente deverá reproduzir o que fez no plano estadual: um choque de gestão, com práticas do mundo corporativo e concessões. O operador dessa transformação foi o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles. O governador o usa como exemplo e se orgulha de formar equipes sem discricionar a filiação partidária. Presidente do Banco Central no governo Lula e ministro da Fazenda no governo Temer, quando introduziu o teto de gastos e arquitetou a Reforma da Previdência, Meirelles fez sua carreira na iniciativa privada, onde ocupou cargo de destaque no Bank of Boston. Com sua ajuda, o governador fez a reforma da Previdência estadual e enxugou a máquina pública, procurando redirecionar os investimentos para educação, saúde e programas sociais. Esse ambiente pró-negócios foi responsável por números positivos em São Paulo que já se tornaram vitrine da gestão: crescimento previsto de quase 8% no PIB paulista este ano, contra uma previsão na casa de 5% para o índice nacional.

“Sem boa política não há boa economia. Quem está preocupado com a desigualdade social sabe que ela só piora com a irresponsabilidade fiscal” Aod Cunha, economista ligado a Eduardo Leite

Vitrines do PSDB

O maior rival de Doria nas prévias do PSDB, Eduardo Leite, tem uma visão parecida sobre a economia. Também enxugou os gastos públicos, promoveu privatizações e reformou a Previdência estadual, cortando benefícios. Recebeu um estado quebrado, e conseguiu zerar o déficit orçamentário e retomar os pagamentos dos servidores e fornecedores. O responsável por essas mudanças é o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha, que leciona na PUC-RS, cujo site o apresenta como sócio do Banco BTG Pactual e conselheiro do Banco Pan. Ele é enfático em ligar as realizações à determinação do governante. “Sem boa política não há boa economia”, tuitou. Também ressalta a importância do equilíbrio nas contas públicas: “Quem está preocupado com a desigualdade social sabe que ela só piora com a irresponsabilidade fiscal”. Assim como Doria, Leite defende o fim do orçamento paralelo na Câmara, um dos motivos para que o teto de gastos fosse implodido por Bolsonaro.

 

Ex-ministro da Fazenda do governo FHC, nos anos 1990, Ciro Gomes também tem ideias próprias sobre a política econômica. Mas conta desde a campanha de 2018 com o auxílio do economista Mauro Benevides Filho, professor da Universidade Federal do Ceará, que o acompanha desde os anos 1980, quando foi secretário de Ciro na prefeitura de Fortaleza e no governo do Ceará. Benevides, que é deputado, tem dito que “a cobrança de dividendos no Imposto de Renda e o fim das desonerações tributárias podem levantar R$ 96 bilhões de investimentos por ano”. Como Doria, Ciro enfrenta dificuldades em seu próprio partido, já que o PDT foi decisivo para a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara. Também tem o ônus de explicar sua visão intervencionista na Petrobras, que ele considera lucrar em demasia. Quando Bolsonaro ameaçou (apenas como blague) privatizar a Petrobras, Ciro disse que “a tomaria de volta”.

O mais novo pré-candidato, o ex-juiz Sergio Moro, já escolheu a economia como o ponto central de campanha. O primeiro nome de sua equipe anunciado foi Affonso Celso Pastore, presidente do Banco Central nos anos 1980 e ex-professor da USP, FGV e Insper. Moro também chamou para auxiliá-lo o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, e quer atrair a equipe que auxiliava a campanha abortada do apresentador Luciano Huck: o ex-presidente do BC Arminio Fraga e o ex-governador Paulo Hartung. Com isso, quer se aproximar do grupo do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), que tem Pedro Malan também como uma de suas estrelas. Na primeira visita ao Senado desde que se filiou ao Podemos, o ex-juiz já tratou a economia como prioridade. Criticou a política econômica do governo Bolsonaro, que chamou de “equivocada”, e disse que tem “compaixão com brasileiros que passam fome”. Também defendeu o teto de gastos e disse que a PEC dos Precatórios “pode gerar desemprego e juros”.

“Não tenho a pretensão de ser Posto Ipiranga de ninguém. Paulo Guedes é muito competente na transmissão de ideias, mas tem capacidade nula em realizá-las” Affonso Pastore, que assessora Sergio Moro

O perfil de Pastore indica que o programa econômico de Moro deverá ser semelhante ao do PSDB, com disciplina fiscal, valorização da iniciativa privada, ênfase em programas sociais e sem heterodoxias. Ele é um crítico feroz da “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff. A proximidade do ex-presidente do BC com o pré-candidato do Podemos ocorreu por meio de um livro que a mulher do economista, Maria Cristina Pinotti, escreveu sobre a Lava Jato. Ainda que seja um dos economistas mais respeitados do País, o papel de Pastore no embate eleitoral é uma incógnita, pois se sente mais à vontade no debate acadêmico. Já declarou que “não tem a pretensão de ser Posto Ipiranga de ninguém” e afirmou que não deseja falar em nome do candidato. Disse que o Auxílio Emergencial “foi pago a mais gente do que deveria”. É uma declaração legítima dentro do debate sobre equilíbrio fiscal e programas sociais, mas assustaria qualquer marqueteiro e desceria quadrado em meio ao calor da campanha. Pode ser um problema para um neófito na política como Moro, pois é quase consenso que a disputa de 2022 será uma das mais “sujas” da história, com a polarização exacerbada, a guerra nas redes sociais e a disputa por narrativas. De concreto, seja quem for o vencedor, há outra certeza em relação ao cenário pós-eleitoral. O novo presidente precisará reconstruir o País e lidar com a herança maldita que será deixada pela dupla Guedes-Bolsonaro.

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Fonte istoe
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