Manifestantes invadem Assembleia em meio à piora da crise no Equador
Com Quito tomada por protestos, presidente muda sede do governo para Guayaquil
Em uma escalada dos protestos que ocorrem há seis dias no Equador, manifestantes invadiram por um curto período a Assembleia Nacional do país, em Quito.
A invasão, nesta terça (8), foi precedida pelo anúncio, na noite anterior, da transferência da sede do governo para Guayaquil, cidade costeira a cerca de 400 km da capital.
Em pronunciamento em rede nacional, no qual comunicou a mudança, o presidente Lenín Moreno acusou seu antecessor, Rafael Correa, de tentar um golpe de Estado contra seu governo e se aproveitar de setores indígenas para inflamar as manifestações.
“Os saques, o vandalismo e a violência demonstram que há a intenção política organizada de romper a ordem democrática”, disse. “Não é coincidência que Correa [e aliados] tenham viajado ao mesmo tempo, há poucas semanas, à Venezuela.” Segundo o presidente, o grupo, junto com o ditador Nicolás Maduro, teria ativado “um plano para desestabilizar” o Equador.
Assim como Moreno, o Brasil e mais seis países latinos responsabilizaram o ditador venezuelano. Em nota publicada pelo Itamaraty, os governos de Argentina, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Paraguai e Peru culpam o regime de Maduro por tentar “desestabilizar” a democracia equatoriana.
Desde o dia 3, manifestantes protestam contra medidas de austeridade do governo que provocaram a pior agitação no Equador em anos e a prisão de ao menos 570 pessoas, incluindo um parlamentar que apoia Correa.
O levante ocorre devido a um acordo assinado em fevereiro com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que garantirá um empréstimo de US$ 4,2 bilhões (R$ 17,05 bilhões) ao país. Em contrapartida, o governo tem de adotar medidas austeras, como o corte de um subsídio a combustíveis em vigor há 40 anos.
A decisão gerou um aumento de até 123% nos preços da gasolina e do diesel e revoltou a população.
Nesta terça, os ativistas, muitos deles indígenas, romperam barreiras de segurança e entraram no prédio da Assembleia Nacional, gritando slogans contrários ao governo de Moreno.
Segundo o jornal local La República, centenas de manifestantes agitaram bandeiras e cantaram antes de serem expulsos pela polícia, que lançou bombas de gás lacrimogêneo. O Legislativo não estava em sessão no momento.
Além da invasão, manifestantes voltaram a entrar em conflito com forças de segurança em outros pontos de Quito e outras cidades do país. Os episódios a outros, como a captura de soldados por grupos indígenas e a paralisação da produção em três campos estatais de petróleo.
A Petroamazonas estima que pode perder cerca de 165 mil barris por dia, ou um terço da produção de petróleo, devido ao tumulto nas instalações.
A situação se agrava com a confirmação, também nesta terça-feira, da segunda morte decorrente dos conflitos: um jovem de 26 anos que caiu de uma ponte em Quito um dia antes, durante embates com a polícia. Outras duas pessoas caíram na mesma ocasião e ficaram feridas.
A primeira morte aconteceu no domingo (6), na província de Azuay, onde um homem de 35 anos foi atropelado por um carro. Uma ambulância destinada a socorrê-lo não conseguiu prestar ajuda pois ficou retida em uma das barricadas dos manifestantes.
Mais cedo, o governo afirmou estar aberto à mediação internacional da crise por meio da Organização das Nações Unidas (ONU) ou da Igreja Católica. “A única resposta é diálogo e firmeza ao mesmo tempo”, disse o secretário da Presidência, Juan Sebastián.
Se o diálogo ainda é uma possibilidade, a parte da firmeza ganhou mais um componente. No final da tarde desta terça, o presidente equatoriano ordenou, por meio de um decreto, a restrição do movimento em áreas próximas a prédios do governo e instalações estratégicas.
O pedido impede o acesso da população a essas áreas no horário entre 20h e 5h, enquanto permanece um estado nacional de exceção no país, decretado desde o início dos protestos.
A medida, válida durante 60 dias, pode ser estendida por outros 30 e torna o território equatoriano em uma zona de segurança. Assim, o governo pode suspender ou limitar direitos como livre circulação ou impor censura prévia à imprensa.
Ainda que tenha o apoio de empresas e militares, a popularidade de Moreno caiu para menos de 30%, uma queda brusca em comparação aos 70% obtidos após a eleição de 2017, quando sucedeu Correa.
Ex-aliado, Moreno rompeu com as políticas de esquerda do antecessor e se transformou em um de seus principais rivais. Nesta terça, após ser acusado de conspirar para tirá-lo do poder, Correa negou que esteja planejando uma possível derrubada do atual mandatário.
“Eles são tão mentirosos… Dizem que sou tão poderoso que, com um iPhone de Bruxelas, eu poderia liderar os protestos”, disse à agência de notícias Reuters, segurando o celular.
Correa vive com a mulher belga em uma pequena cidade ao sul de Bruxelas desde que deixou o governo, há pouco mais de dois anos. “As pessoas não aguentam mais, essa é a realidade”, completou, referindo-se às medidas de austeridade adotadas por Moreno com o apoio do FMI.
Correa também afirmou que o atual governo “já caiu” e sugeriu a antecipação de eleições, nas quais, segundo ele, concorreria. “Se for necessário, voltarei. Teria que ser candidato a alguma coisa, por exemplo, vice-presidente.”
CRONOLOGIA DOS PROTESTOS
Equador e FMI acordam pacote de R$ 17 bilhões; órgão exige que país adote medidas de austeridade
Governo põe fim de subsídios a combustíveis e preços sobem até 123%. Protestos começam e Executivo declara estado de exceção
4.out
Mais de 350 pessoas são presas e 21 policiais ficam feridos. Grupo de 47 militares fica retido em comunidade indígena
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Trabalhadores do setor de transporte anunciam fim da greve, mas indígenas e sindicatos seguem mobilizados. Presos já são 379, e agentes feridos, 59
6.out
Vinte são presos por cobrar preços abusivos de alimentos. Um homem morre após ambulância ficar bloqueada em estrada
7.out
Presidente transfere sede do governo para Guayaquil e acusa seu antecessor, Rafael Correa, de tentar um golpe de Estado