Crise política míngua base do governo no Senado e ameaça agenda reformista
Líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) atribui a dificuldade no diálogo à retomada das discussões presenciais entre parlamentares
A derrota que o Senado impôs ao governo Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (1º), ao rejeitar o projeto que criaria novos programas trabalhistas, revela não só a insatisfação da Casa com a sequência de ameaças do presidente da República e o clima de desconfiança em relação à articulação política do Palácio do Planalto, mas também escancara a desidratação da base governista.
Nos bastidores, líderes partidários calculam que, hoje, seriam apenas 14 dos 81 senadores os realmente fiéis ao Planalto. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), atribuiu a dificuldade no diálogo à retomada das discussões presenciais entre parlamentares.
“É natural que haja algum tipo de desajuste. Estamos saindo de um período diferente de pandemia com funcionamento remoto. E ao retomar contato direto as exigências são maiores. Mas, acredito ser uma questão de tempo porque a intenção é melhorar o relacionamento e buscar um parlamento mais produtivo e menos conflituoso”, afirmou.
Senadores ouvidos pela CNN disseram que, ao derrubar a Medida Provisória com uma minirreforma trabalhista, a Casa deu um claro recado não só ao Planalto, mas também à Câmara. Segundo líderes, foi preciso mostrar que o Senado é a Casa revisora, e não um apêndice da Câmara.
Em caráter reservado, senadores admitem que, a partir de agora, haverá um freio na agenda do governo. Embora muitas das pautas que estejam em discussão no Congresso sejam defendidas por grande parte do Senado, a avaliação é a de que o atual clima político coloca em xeque, por exemplo, o avanço da pauta reformista.
Senadores dizem, inclusive, que a reforma do Imposto de Renda, aprovada pela Câmara, nasceu morta dentro do Senado –principalmente porque as maiores bancadas da Casa são contra a proposta.
A preferência da maioria é por uma simplificação de tributos de forma mais abrangente, a discussão está sob os cuidados do senador tucano Roberto Rocha, relator da PEC 110.
Outro exemplo é a privatização dos Correios. A escolha do relator Márcio Bittar, do MDB, só foi feita depois que ao menos outros quatro senadores negaram o convite do governo para elaborar um parecer sobre o texto já aprovado pelos deputados.
Segundo relatos feitos à CNN, em um jantar na noite desta quarta, 01, senadores disseram que, hoje, há chances de a privatização não passar na Casa.
Código eleitoral
O desalinhamento entre deputados e senadores também se manifesta em temas que ainda nem foram votados em uma das duas Casas. É o caso do Código Eleitoral, que unifica em mais de novecentos artigos regras eleitorais.
Embora grande parte do Senado seja a favor do texto que está sendo discutido na Câmara, a avaliação na Casa é a de que não se pode aprovar mudanças tão significativas a toque de caixa. Nesse ponto, os senadores voltam a dizer que não podem ser apenas “carimbadores” das decisões dos deputados.
Para valer no pleito do ano que vem, o texto teria que ser aprovado até 2 de outubro. Senadores disseram à CNN que, mesmo que a Câmara aprove a proposta na próxima semana, o Senado teria no máximo 15 dias para analisar as mudanças no Código Eleitoral.
Já prevendo que o Senado não deve endossar as novas regras em um prazo tão curto, os deputados já discutem alternativas para aprovar alterações em projetos separados, a tempo da disputa de 2022.
Nesta quinta-feira (2), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicou que poderá colocar em votação um texto aprovado no Senado que cria novos critérios para a distribuição de sobras eleitorais em eleições proporcionais. O dispositivo constava inicialmente no parecer da deputada Margarete Coelho (PP-PI) sobre o Código Eleitoral.