Com isenções para dividendos, reforma do IR traz mais perdas que ganhos, diz ex-assessora de Guedes
A análise do texto da reforma do IR já foi adiada três vezes na Câmara dos Deputados
BRASÍLIA (Reuters) – A reforma do Imposto de Renda traria à sociedade mais perdas do que ganhos tomando por base o último parecer sobre o projeto que tramita na Câmara dos Deputados, afirmou Vanessa Canado, consultora tributária e ex-assessora do ministro da Economia, Paulo Guedes.
À Reuters, ela avaliou que as mudanças feitas no relatório mostram que a discussão sobre tributação de dividendos no país não está madura, criticando fortemente a retirada dos sócios de pequenos negócios entre os que passariam a arcar com a alíquota de 20% sobre os lucros.
“A reforma do Imposto de Renda inicialmente traria mais justiça social, mas depois dessa exclusão das empresas do Simples, dessa regularização de ativos no exterior a 6%, isso tudo tirou bastante perspectiva de justiça social”, disse Canado, que é doutora em direito tributário.
“Então você continua tendo exceções injustificáveis que pagariam menos impostos”, completou.
Em seu relatório, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) incluiu empresas enquadradas no Simples e as que declaram no lucro presumido com faturamento de até 4,8 milhões entre as que não precisarão arcar com a taxação.
Para Canado, a investida “vai na direção completamente errada”. Ela argumentou que o fato de as pequenas empresas no Brasil serem as maiores geradoras de postos de trabalho acaba muitas vezes interditando um debate necessário, já que não existe evidência empírica sustentando haver qualquer ganho para o país com os donos desses negócios permanecendo livres de qualquer taxação sobre o lucro.
Canado pontuou que as empresas que estão no Simples pagam muito pouco de contribuição patronal, para financiamento da Previdência. Com isso, acabam tendo um custo de contratação de mão de obra mais baixo e, por isso, empregam mais.
“Exatamente porque você não tributa igual que elas geram mais (vagas)”, pontuou ela.
Para Canado, as facilidades ofertadas pelo governo às pequenas deveriam estar concentradas mais no aspecto regulatório do que tributário, para que as menores arcassem com obrigações acessórias menos complexas e onerosas.
A lógica seria semelhante à que foi instituída no Brasil para as fintechs. Em meio a reclamações dos grandes bancos de que muitas delas, inclusive, já teriam ficado grandes demais usufruindo do tratamento prudencial mais leve, o Banco Central já realizou consulta pública para publicar um novo arcabouço a respeito.
“O que a dinâmica dos países desenvolvidos mostra é que você tem muitos ganhos em termos de competitividade e geração de emprego quando as empresas deixam de ser pequenas e passam a ser maiores”, afirmou Canado.
A partir do momento em que uma grande quantidade de dinheiro público é alocada para as empresas continuarem pequenas, via renúncia fiscal, há uma interrupção forte desse processo, complementou ela.
Ao mesmo tempo, as empresas grandes passam a operar em condições inferiores de competição por não contarem com esses benefícios, o que dificulta, por exemplo, que inovem ou se modernizem.
“Não é à toa que a nossa indústria está morrendo”, disse a especialista.
A análise do texto da reforma do IR já foi adiada três vezes na Câmara dos Deputados e, na sexta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que se o texto não for construtivo, ele prefere que a proposta não siga adiante.
Já o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), disse à Reuters na semana passada que a reforma havia subido no telhado.
Ao mesmo tempo em que institui uma alíquota de 20% sobre dividendos, o projeto diminui em 10 pontos o encargo total das pessoas jurídicas, incluindo IR e CSLL, a 24%.
Para as pessoas físicas, a reforma acaba com a possibilidade de desconto simplificado de 20% para os que recebem mais de 3.333 reais ao mês.
A reforma também propõe que aqueles que ganham até 2.500 reais mensais ficarão isentos de pagar IR. Hoje, a faixa de isenção vai até 1.903,98 reais. O projeto prevê, ainda, uma janela para taxação de lucros auferidos no exterior à alíquota de 6%.