Caldo do impeachment “está esquentando”, afirma Marcelo Ramos, vice-presidente da Câmara
Vice-presidente da Câmara fala sobre crise com Bolsonaro e destaca surpresa no Congresso com 'grandeza' dos atos de rua
Os debates que envolvem a pressão pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ganharam um novo componente nos últimos dias no país: os movimentos do primeiro-vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), no sentido de avaliar as mais de 120 peças protocoladas na Casa que hoje miram o chefe do Executivo.
O aceno acendeu um alerta sobre a possibilidade de o parlamentar acolher um dos pedidos no caso eventual de substituir oficialmente Arthur Lira (PP-AL) no posto de presidente da Câmara em alguma ocasião – o sinal verde para solicitações dessa natureza é prerrogativa do cargo, e o pepista segue ignorando o coro pró-impeachment até aqui.
O partido do manauara, o PL, integra o bloco do “centrão”, que tem cargos no governo e exerce influência no jogo político do entorno de Bolsonaro. “Se eu assumir interinamente, certamente vai haver um questionamento sobre a minha posição em relação a isso [impeachment] e quero estar preparado para responder”, reforçou Ramos, em entrevista ao Brasil de Fato.
O gesto de avaliação dos pedidos veio após um duro embate público com o ex-capitão que envolve a ampliação dos valores do fundo eleitoral, o chamado “fundão”. Aprovada na última quinta (15) pelo Congresso Nacional, a medida consta no texto do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022 e jogou Ramos para o centro dos holofotes que circundam o presidente da República, que decidiu culpá-lo pelo aval dado ao aumento.
Sobre a faísca, o deputado se diz “surpreso” e “indignado”. “Fui vítima de uma covardia, de uma canalhice”, alfineta, ao reforçar a lenha da fogueira que hoje incendeia os bastidores do governo e ajuda a estremecer o mundo político.
Falando com exclusividade ao Brasil de Fato, Ramos não manifestou diretamente um posicionamento de mérito sobre os pedidos de deposição de Bolsonaro, mas ele passou a chamar mais atenção no cenário depois de se declarar oposição ao presidente, um passo sequencial ao recente embate com o ex-capitão.
Com isso, a relação entre os dois ganhou um ar cítrico. “Não tenho nenhum respeito pelo presidente Jair Bolsonaro. Independentemente da questão política, acho ele um ser humano deplorável”, diz o parlamentar, que se aliou ao governo em diferentes pautas nos últimos anos, com destaque para a cartilha econômica.
E, ao dizer que ainda não percebe um clima pró-impeachment dentro do Congresso, o amazonense assinala que “o caldo está esquentando” e destaca o peso das recentes manifestações de rua.
Também frisa que os protestos populares e as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid podem azedar o cenário do presidente, tornando a relação de Bolsonaro com o Congresso mais derrapante e favorecendo o caminho para o impeachment.
Foi nesse tom que Marcelo Ramos conversou sobre o tema. Confira a seguir a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: O senhor tem analisado o chamado “superpedido de impeachment” e mencionou a existência de indícios de que o presidente teria cometido crimes de responsabilidade. Essa é uma acusação que já mira Bolsonaro em diferentes outros pedidos anteriormente apresentados à Câmara por conta de condutas que podem ser enquadradas como crimes de responsabilidade, como é o caso dos acenos aos protestos antidemocráticos. Por que só agora o senhor tomou essa iniciativa de analisar um pedido dessa natureza?
Marcelo Ramos: Porque só agora eu considerei a hipótese de em algum momento assumir provisoriamente a presidência [da Câmara] numa viagem internacional ou numa substituição do presidente Arthur no [cargo de] presidente [da República] e do vice [Hamilton Mourão], e quero estar preparado. Se eu assumir interinamente, certamente vai haver um questionamento sobre a minha posição em relação a isso e quero estar preparado para responder.
Qual seu posicionamento individual de mérito sobre os pedidos de impeachment apresentados contra Bolsonaro?
Eu penso que a peça do superpedido tem 21 imputações de crime de responsabilidade. Duas das que estão contidas lá eu destacaria: a primeira seria a das atitudes antidemocráticas que atentam contra o funcionamento dos outros Poderes – fechamento do Congresso, fechamento da Câmara – e a outra [seria] a de dizer que não vai ter eleição e que ainda, se tiver, ele não vai dar posse ao próximo presidente.
Isso é uma clara ameaça ao sistema democrático, o que também é caracterizado como crime de responsabilidade. E uma que não está contida no superpedido, mas que eu acho que vai acabar sendo objeto de algum pedido, talvez até pedido da CPI, é se houver a confirmação de roubo na compra de vacinas.
O país tem vivido um cenário politicamente instável e o presidente vem angariando muitas antipatias, inclusive no Congresso, e também muitos problemas, como é o caso dos escândalos de corrupção. Olhando para o jogo político, o que o senhor avalia faltar para que de fato se dê andamento a um pedido de impeachment na Câmara?
Olha, pedido de impeachment não é algo que se faça movido por vingança, antipatia ou simpatia de quem quer que seja. Pedido de impeachment você não aceita nem nega sem avaliar com muita prudência os requisitos jurídicos e políticos.
Por que requisitos políticos? Porque o crime de responsabilidade é o único crime que não é processado pelo Poder Judiciário, e sim pelo Legislativo, o que por si só é uma comprovação de que tem um componente político.
Portanto, existindo os crimes, é preciso também existir mobilização popular, perda de apoio parlamentar, perda de apoio dos setores produtivos nacionais. Então, é um conjunto de fatores e eu diria que o caldo ainda não está fervendo, mas ele está esquentando.
E qual é, na sua avaliação, o impacto dos protestos populares contra o Bolsonaro nos bastidores do Congresso? Quanto de contribuição isso tem dado ao termômetro da relação com o presidente?
Por enquanto não vejo crescer muito internamente, no Congresso, aumento do ânimo pró-impeachment. Mas esse efeito no Congresso é sempre bem retardado em relação ao efeito da rua, né? Primeiro, a rua mobiliza e depois o Congresso vai entrando nisso.
Pelo menos essa é a tradição das experiências que o Brasil teve de impeachment, então, eu ainda não vejo aumento do clima pró-impeachment, mas acho que todo mundo ficou surpreso com a grandeza das manifestações da oposição.
Eu mesmo sou um. Achava que seriam manifestações muito pequenas e foram manifestações muito maiores do que eu imaginava.
O Brasil já conta mais de 544 mil mortos pela covid e o presidente tem sido bastante alvejado pela condução da pandemia, com destaque para as posturas negacionistas. Diferentes congressistas são críticos a isso, inclusive de fora da oposição. Na sua leitura individual, qual tem sido o peso real da pandemia na relação do presidente com o Legislativo?
O presidente sempre teve uma relação complicada com o Legislativo porque ele não respeita as instituições democráticas. O sonho dele é governar sem parlamento. Ele não vai viver esse sonho. Ele pode ficar absolutamente despreocupado, mas é o sonho dele.
A falta de sensibilidade dele com as mortes, com o desemprego, com a fome, com as empresas fechadas no Brasil… É isso que espanta o parlamento, porque todo presidente, na condução de uma pandemia, pode acertar ou errar.
É natural que você erre num momento crítico como este, mas é dever do presidente demonstrar empatia com o sofrimento das pessoas, com a dificuldade que o país está vivendo.
Isto é que é mais assustador para mim e para uma parcela significativa do parlamento, [por conta] do perfil, da personalidade do presidente: ele não se sensibiliza com o luto de 544 mil famílias, não se sensibiliza com os 15 milhões de brasileiros desempregados, ele não se sensibiliza com 19 milhões de brasileiros com fome.
Levando em conta que o senhor diz não ver ainda tanto clima pró-impeachment dentro do Congresso, como o senhor avalia ser possível isso no cenário dramático em que o Brasil se encontra hoje?
Eu acho que as mobilizações e o avançar das investigações da CPI podem influenciar significativamente esse ânimo do Congresso.
Falando um pouco sobre sua relação com o presidente, o Bolsonaro tem lhe culpado pela aprovação do aumento dos valores do fundo eleitoral. O senhor já deu algumas declarações sobre isso e disse que ele estaria tentando proteger os filhos, que votaram pela aprovação da LDO também. Como o senhor se sente, politicamente falando, ao ser colocado como alvo nesse debate?
Meu primeiro sentimento no domingo [21], quando ele fez aquela fala, foi de surpresa. E eu liguei para o presidente Arthur Lira surpreso, eu não estava entendendo o que estava acontecendo, por dois motivos.
Primeiro, porque, se tem alguém que não tem responsabilidade naquilo, sou eu. Não participei da reunião de líderes que decidiu incluir a matéria na LDO, eu não participei da Comissão Mista de Orçamento, que inclui a matéria na LDO. Eu simplesmente toquei a votação, absolutamente dentro dos limites do regimento e do que foi combinado com os líderes.
Então, primeiro, eu fiquei muito surpreso. E, segundo, fiquei bastante indignado porque, naquele dia específico da votação, eu sentei na cadeira da presidência às 11 horas da manhã e parei 1 hora da manhã [do dia seguinte], ajudando o governo a aprovar uma pauta que era fundamental para ele, que era a LDO.
E, no final, fui vítima de uma covardia, de uma canalhice porque o que o presidente falou é uma coisa, mas aquilo dali não foi um ato espontâneo dele. Coordenadas com a fala dele, as milícias digitais dele passaram a me agredir, a agredir a minha família de uma forma avassaladora.
Então, essa turma é muito perigosa para a democracia e, quando o presidente me atacou – isso é fundamental –, o presidente não quer marchar sobre o Marcelo. Para ele, sou insignificante. Ele mesmo disse isso. O presidente quer marchar sobre o parlamento e a democracia brasileira.
Resta saber se quando ele chegar na porta da Câmara dos Deputados e do Senado vai ter gente que vai passar do lado dele para ele marchar sobre os nossos Poderes, se vai ter gente que vai abrir o corredor e estender o tapete para ele marchar sobre os nossos Poderes ou se vai ter gente que vai se entrincheirar em defesa da democracia, da Câmara, do Senado, de um país que não precisa de crise, e sim que precisa de emprego, de comida na mesa, de vacina no braço.
Eu sei onde vou estar: na trincheira.
O senhor passou a se declarar como oposição após esses desentendimentos. Como o senhor definiria e qualificaria hoje a sua relação com o presidente Bolsonaro?
Não tenho nenhum respeito pelo presidente Jair Bolsonaro. Independentemente da questão política, acho ele um ser humano deplorável. Então, não tenho nenhum respeito por ele. Agora, tenho a grandeza de não confundir isso com minhas responsabilidades institucionais.
Talvez poucos deputados tenham prestado tanto serviço a este governo quanto eu. Eu fui o presidente da [comissão da] única reforma que esse governo aprovou até aqui, que foi a reforma da Previdência. Eu presidi a sessão da votação da PEC Emergencial, eu ajudo o governo em todas as matérias.
Minha atitude sempre foi solidária, apesar de sempre criticar o presidente quando ele ultrapassa os limites da democracia. Então, eu não posso ter respeito por alguém que não tem consideração por ninguém.
E outra coisa: não é por mim, não. Ele não teve consideração pela Joice [Hasselmann], que apoiou ele; não teve pelo Sergio Moro; não teve consideração pelo militar mais condecorado da história do Exército brasileiro, que foi o general Santos Cruz.
Então, ele não tem consideração nem respeito por ninguém, e eu não posso respeitar quem não tem consideração e nem respeito por ninguém.
Esses ataques do Bolsonaro que envolvem atores do Legislativo podem deixar a relação dele com a Câmara mais cítrica a ponto de ajudar a encorpar o coro pelo impeachment, fazendo o processo andar de fato?
Acho que o presidente tem um objetivo muito claro, estruturado na cabeça dele, que é desmoralizar a Câmara para avançar sobre ela. Resta saber se vamos permitir que ele faça isso. E esse episódio da votação do orçamento é muito simbólico porque o governo do presidente, pelo seu líder, organizou a inclusão dos R$ 5,7 bilhões no orçamento.
E agora ele diz que vai vetar para que os deputados tenham que apreciar os vetos, numa clara tentativa de desmoralização dos deputados que dão sustentação e que votam nos projetos dele. É óbvio que isso incomoda os deputados.
Edição: Vivian Virissimo