Entre anulação e absolvição, como ficam 17 processos contra Lula
O Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou, nesta quarta-feira (23/6), a decisão de que houve suspeição (ou seja, parcialidade) do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Quatro decisões contra Lula haviam sido anuladas ainda em março por decisão do ministro Edson Fachin, permitindo que o ex-presidente recuperasse seus direitos políticos e voltasse a se tornar elegível (entenda abaixo).
Também ficou decidido que esses casos serão remetidos à Justiça Federal do Distrito Federal, onde começarão a tramitar a partir da estaca zero. Todas as provas acumuladas até agora serão desconsideradas.
É a segunda decisão judicial favorável a Lula nesta semana. Na segunda-feira (21/6), Lula havia sido absolvido, por falta de provas, pela Justiça do Distrito Federal em outro processo de corrupção, fora do âmbito da Lava Jato.
Com isso, informa seu advogado Cristiano Zanin Martins, Lula hoje responde a três dos 17 processos ou inquéritos dos quais já foi alvo na Justiça.
Operação Lava Jato: a decisão de Fachin
Em 8 de março, o ministro Edson Fachin anulou quatro processos movidos contra Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Dois destes processos ainda tramitavam na primeira instância da Justiça Federal no Paraná e não haviam sido julgados, mas em outros dois o ex-presidente já havia sido condenado.
Em referência aos processos ainda em tramitação, tratava-se de acusações de suposto recebimento de propina da empreiteira Odebrecht para a compra do terreno do Instituto Lula, criado pelo ex-presidente após deixar o Planalto, da suposta compra de um apartamento em São Bernardo do Campo (Grande SP), no mesmo andar e no mesmo prédio onde Lula vivia antes de ser preso, de doações feitas pela Odebrecht ao instituto para pagar propinas por contratos fraudados da Petrobras.
O ex-presidente, bem como o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, eram acusados de lavagem de dinheiro. A denúncia foi baseada em informações prestadas por Palocci em uma delação premiada.
Lula e Okamotto negam ter cometido os crimes. A defesa do ex-presidente negou que este “tenha praticado qualquer crime ou recebido qualquer benefício em troca de atos praticados na condição de chefe de Estado ou de governo”.
Por decisão de Fachin, os casos foram remetidos à Justiça Federal do Distrito Federal – a avaliação do ministro foi de que as ações judiciais não poderiam ter corrido em Curitiba, por não terem relação direta com o esquema de desvios na Petrobras e, portanto, com a Operação Lava Jato.
Esses dois processos então recomeçarão do zero na Justiça do Distrito Federal, assim como as outras duas ações pelas quais Lula já havia sido condenado a 26 anos de prisão.
São elas:
A primeira condenação da Lava Jato: tríplex do Guarujá
O petista foi acusado de receber propina da empreiteira OAS na forma da reserva e reforma de um apartamento no balneário paulista.
Embora o imóvel nunca tenha pertencido formalmente a Lula, o Ministério Público alegou que o negócio foi desfeito depois de o assunto vir a público — e por isso não chegou a se concretizar.
Em julho de 2017, Lula foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo então juiz Sergio Moro.
Depois, a condenação foi confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em janeiro de 2018, que aumentou a pena para 12 anos e um mês de prisão.
Em abril de 2019, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a condenação, mas reduziu a pena imposta a Lula para 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão.
Na ocasião, a defesa do ex-presidente criticou a decisão dos ministros: “O único desfecho possível é a absolvição do ex-presidente Lula, porque ele não praticou qualquer crime”.
Foi a condenação neste processo do tríplex que levou Lula à prisão em 2018 e primeiro o deixou inelegível, após sua condenação em segunda instância.
Lula ficou preso pouco mais de um ano e meio, por 580 dias, mas foi libertado em novembro de 2019 após o STF decidir contra a prisão após condenação em segunda instância.
A corte determinou que a pena só pode começar a ser cumprida após o processo transitar em julgado, ou seja, ao se esgotarem todos os recursos.
Neste caso, a defesa do ex-presidente ainda pôde recorrer ao próprio STF. Um dos recursos apresentados argumentava que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para processar e julgar a ação do tríplex.
Fachin concordou com isso e identificou o mesmo problema nos outros três processos que foram anulados, entre eles a ação na qual Lula foi condenado pela segunda vez.
A segunda condenação da Lava Jato: sítio de Atibaia
O ex-presidente foi acusado de receber propinas das construtoras OAS e Odebrecht por meio de reformas, em 2010, num sítio no município do interior paulista.
O imóvel pertence formalmente ao empresário Fernando Bittar, mas o MPF alega que Lula é o verdadeiro dono do sítio e era o principal usuário do local.
Substituta de Moro após o juiz deixar o magistério para se tornar ministro do governo Bolsonaro, a juíza federal Gabriela Hardt condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro.
Em novembro de 2019, a condenação foi confirmada em segunda instância pelos desembargadores Gebran Neto, Leandro Paulsen e Thompson Flores, do TRF-4. O trio de magistrados também concordou em elevar a pena de Lula para 17 anos, um mês e dez dias, e multa.
Além de Lula, outras dez pessoas haviam sido condenadas na sentença proferida por Hardt, entre elas os ex-presidentes da OAS, Léo Pinheiro, e da Odebrecht, Marcelo Odebrecht.
O ex-presidente Lula negou irregularidades, enquanto os dois empresários viraram colaboradores da Lava Jato e confessaram os crimes.
À época da primeira condenação, a defesa de Lula acusou a Justiça Federal de Curitiba de fazer “uso perverso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política”.
A defesa destacou que o ex-presidente nunca foi o dono do sítio, e que a decisão se baseia num suposto “caixa geral” de propinas das empreiteiras porque não há, segundo a defesa, provas materiais de que o dinheiro desviado de contratos da Petrobras foi usado nas reformas.
Tramitação no STF
Depois da decisão de Fachin, a Segunda Turma do STF julgou, em março, por 3 votos a 2, que Moro agiu com parcialidade no caso do tríplex.
Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia afirmou que se demonstrou uma “confusão” entre o juiz do caso (Moro) e o Ministério Público, encarregado da acusação.
As provas colhidas no processo do tríplex foram anuladas e não poderão ser reutilizadas na possibilidade de esse caso voltar a ser julgado.
Houve novos desdobramentos das ações contra Lula em abril.
Em 15 de abril, a decisão de março de Fachin foi confirmada pelo Plenário do STF, que formou maioria para anular as ações penais contra Lula. O julgamento continuaria no dia 22 de abril, para determinar o destino dos processos contra o ex-presidente, mas houve um pedido de vista por parte do ministro Marco Aurélio.
O que nos traz à sessão desta quarta (23/6), no qual, apesar dos votos contrários de Marco Aurélio e Luiz Fux, não foi mudada a maioria de 7 votos (contra um total de 4 votos contrários) para manter a suspeição de Moro no caso do tríplex.
Operação Zelotes: absolvição e processo pendente
Para além da Lava Jato, Lula foi acusado em duas ações dentro da Operação Zelotes, que é uma investigação aberta dentro da Receita Federal para apurar acusações de fraudes, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e prestações de serviço ilícitas que, segundo o Ministério da Economia, causaram prejuízos “que podem chegar às cifras de bilhões de reais aos cofres públicos”.
Em uma das ações, Lula foi absolvido na última segunda-feira (21/6), junto a Gilberto Carvalho, seu ex-chefe de Gabinete. O ex-presidente havia sido denunciado em 2017 pelo Ministério Público sob acusações de ter estendido benefícios fiscais a montadoras por meio de uma Medida Provisória editada em 2009, em troca da promessa de R$ 6 milhões que seriam dados a campanhas eleitorais.
Lula negou as acusações e afirmou, durante depoimento em 2020, que “não discutia medida provisória com indústria automobilística”.
Em maio passado, o próprio MPF pediu a absolvição do presidente e outros réus, afirmando não ter encontrado provas de que a Medida Provisória teria como contrapartida uma doação.
Na decisão desta segunda-feira, o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da Justiça Federal em Brasília, afirmou que “não há evidências apropriadas e sequer minimamente aptas a demonstrar a existência de ajuste ilícito entre os réus para fins de repasse de valores em favor de Lula e Gilberto Carvalho”.
Ainda dentro da Operação Zelotes, porém, Lula segue sendo réu em uma outra ação, que investiga suposto tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa na compra de 36 caças Gripen, da empresa sueca Saab, durante o governo de sua sucessora, Dilma Rousseff.
Lula negou as acusações e disse que não se envolveu na negociação.
Angola e Guiné: acusações de propina
As outras duas ações às quais Lula ainda responde na Justiça são:
– Uma acusação de ter influenciado na liberação de financiamento do BNDES para obras da empreiteira Odebrecht em Angola, em troca de suposta propina ao PT, partido de Lula. O empresário Marcelo Odebrecht confirmou esse acerto em depoimento em outubro de 2019. Na época, a defesa de Lula afirmou que o ex-presidente não teve participação em nenhum ato ilícito.
– Uma acusação de suposta lavagem de dinheiro por influência em negócios da empresa ARG na Guiné Equatorial, supostamente em troca de uma doação ao Instituto Lula. Na ocasião, a defesa de Lula negou a acusação e afirmou que a doação foi “lícita e contabilizada” e “dirigida ao Instituto Lula, que não se confunde com a pessoa do ex-presidente”.
Dos restante nove casos citando o ex-presidente na Justiça (considerando-se o total de 17 casos, menos os que já foram detalhados acima), há também denúncias que foram rejeitadas ou arquivadas pela Justiça.