Empresário bolsonarista e Roberto Jefferson falaram sobre “dissolver” STF
Diálogos obtidos pela PF mostram tratativas para “demitir” ministros e convocar um plebiscito
Diálogos obtidos pela PF (Polícia Federal) no inquérito dos atos com pautas antidemocráticas revelam tratativas entre o empresário Otavio Fakhoury e o ex-deputado Roberto Jefferson sobre a possibilidade de “demitir” ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). A “proposta” buscaria a dissolução da Corte por meio de um plebiscito convocado por Bolsonaro, que alteraria a composição do tribunal.
As mensagens constam em relatório elaborado pela corporação a partir de buscas conduzidas durante a investigação dos atos chamados antidemocráticos. O diálogo entre Jefferson e Fakhoury é datado do dia 24 de abril de 2019, mesma data em que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a nomeação do diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para a direção da PF.
Fakhoury encaminha a Roberto Jefferson tweets criticando a decisão de Moraes, e afirma que está em um grupo em que se discute “uma saída plebiscitária” para dissolver o STF e o STJ (Superior Tribunal de Justiça). A proposta, mesmo por plebiscito, é considerada inconstitucional.
Eis a íntegra da fala de Otávio Fakhoury:
OTÁVIO: Que nesse grupo, a gente tá discutindo uma saída plebiscitária. Seria uma proposta de um plebiscito para dissolver a alta instância do Judiciário né… A… O STJ e o STF e criar uma nova Corte Constitucional nos moldes da americana. Sabe?! Que julgue só casos constitucionais mesmo porque depois acho que não sei que ano teve uma medida que as instâncias recursais mudaram. Acho que foi em 2003 ou em 2004 que mudaram e o STJ e o STF passaram a ser instância recursal pra tudo no Brasil e virou essa salada e esse extremo poder que eles tem pra tudo.
Roberto Jefferson, por áudio, informa que vai cobrar a demissão dos 11 ministros do STF em entrevistas à imprensa. O ex-deputado, porém, diz que o plebiscito seria “praticamente impossível” pois esbarra em uma barreira: precisaria ser aprovado pelo Congresso.
“A minha proposta é muito mais forte. É que ela não é compreensível pelas pessoas mais radicais. Quando eu digo: demitir os ministros. Essa figura não existe na Constituição. Eu tô falando claramente em cassação dos ministros. Não é fechar o Supremo. É cassar a herança maldita desses ministros que foram aparelhados no Supremo pelos tucanos e pelos petistas e é nisso que vai dar já já“, disse Jefferson.
O ex-deputado afirma que também pediria a cassação imediata de todas as concessões de rádio e televisão da Rede Globo.
“Isso quer dizer o seguinte, amigo: Ato Institucional. Só que eu não posso falar isso dessa forma porque me leva pra cadeia. Eu estou dizendo: atos legais, demissão. É… É…, atos que representem a instituição”, disse.
Fakhoury retoma o diálogo no dia seguinte. Ele explica que a proposta discutida neste grupo seria, inicialmente, a edição de uma MP pelo governo Bolsonaro para alterar a forma de convocação de plebiscitos, deixando isso a cargo do presidente da República.
“Essa MP deveria ser editada pelo presidente para que ele pudesse na sequência convocar o plebiscito. Mas eu entendo que é uma coisa bem difícil e a cassação dos ministros é… Seria essa outra proposta que você mencionou que também tem suas dificuldades que precisa ter apoio né das Forças Armadas para que possa ir adiante e… Não sei como“, afirmou o empresário.
A reportagem entrou em contato com o advogado João Vinicius Manssur, que defende Otavio Fakhoury, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço está aberto a manifestações. O ex-deputado Roberto Jefferson não foi localizado.
ENTENDA O INQUÉRITO
O inquérito dos atos com pautas consideradas antidemocráticas foi aberto em abril de 2020 com base na Lei de Segurança Nacional. O pedido de investigação foi feito na esteira de atos que defendiam o fechamento do STF e do Congresso e uma nova edição de decreto similar ao AI-5 (Ato Institucional), medida que endureceu a ditadura militar no Brasil.
A investigação colheu depoimentos de congressistas e empresários aliados do Planalto e também blogueiros e youtubers bolsonaristas, como Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. Filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também foram ouvidos.
Na última 6ª feira (4.jun), a PGR pediu o arquivamento do inquérito. Em parecer, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou que diligências conduzidas pela PF não encontraram indícios de envolvimento dos congressistas nos fatos apurados.
O ministro Alexandre de Moraes vai avaliar o pedido. Na 2ª (7.jun), o magistrado pediu informações da PGR antes de decidir sobre o arquivamento das investigações.