Como otimismo exagerado pode prejudicar decisões e futuro
A vida de Gina Vangeli não tem sido fácil. Quando criança, ela sofreu bullying; na vida adulta, enfrentou abusos, o término de dois casamentos e problemas de saúde recorrentes — incluindo ser atropelada por um caminhão em 2016.
No ano passado, a covid-19 acabou com o ganha-pão da chef de confeitaria de 52 anos.
Para sobreviver, a mãe solteira de quatro filhos em Melbourne, na Austrália, trabalha como voluntária em um banco de alimentos em troca de cestas básicas e também vende móveis de segunda mão.
Ela se manteve produtiva durante os longos meses de lockdown, escrevendo um livro, fazendo cursos e reformulando seu negócio de confeitaria para incluir um serviço online.
“Eu vi a pandemia como um novo capítulo na minha vida”, diz ela.
“Não foi um capítulo ruim. E terminará em breve. No momento, estou sinceramente muito animada em relação ao futuro e para onde meu negócio está indo. As crianças estão mais velhas e sinto que vou ter mais tempo livre.”
Vangeli vê o lado bom da vida.
Ela tende a superestimar a probabilidade de eventos positivos acontecerem com ela e, consequentemente, subestimar os potencialmente negativos.
Isso é conhecido como ‘viés do otimismo’, algo que 80% da população global possui em algum grau.
Pensar positivo é uma marca evolutiva, uma vez que facilita vislumbrar o que é possível, nos permitindo ser corajosos e inovadores.
Os níveis de viés do otimismo variam de acordo com nosso estado mental e as circunstâncias presentes, e há maneiras de moderá-lo ou aumentá-lo.
Isso é bom, porque o excesso de otimismo pode levar a subestimar o risco.
Entender onde você se encontra no espectro do otimismo pode te ajudar a ajustar seu viés — e talvez até mesmo fazer escolhas melhores.
‘Resistente perante a realidade’
Na raiz do viés do otimismo estão dois pressupostos: primeiro, que possuímos mais características positivas do que as pessoas em geral; segundo, que temos algum tipo de controle sobre o mundo ao nosso redor.
“Sem [o viés do otimismo], a espécie humana não teria progredido”, diz Shelley Laslett, CEO da Vitae.Coach, com sede em Sydney, que usa neurociência e tecnologia como ferramenta de coaching de negócios.
Laslett considera o viés do otimismo como o traço que nos permite tentar coisas novas e potencialmente difíceis, porque nos dá uma certa confiança de que vai dar certo.
Também nos impede de nos preocupar com incertezas, como o futuro.
O que é mais surpreendente sobre esse viés, diz Tali Sharot, professora de neurociência cognitiva na University College London (UCL), no Reino Unido, é que ele é “resistente perante a realidade”.
Apesar dos eventos negativos inesperados que acontecem conosco — ou de vê-los no noticiário — são os eventos positivos que tendem a deixar a maior marca em nossos sistemas de crenças.
Simplesmente “aprendemos melhor” com as coisas boas que acontecem ao nosso redor, o que perpetua o viés. Tendemos a dar menos crédito a acontecimentos ruins — e algumas pessoas os ignoram completamente.
O excesso de otimismo, no entanto, pode levar a uma avaliação inadequada de riscos potenciais. Um exemplo comum são organizadores de eventos subestimando orçamentos e prazos.
Também pode significar deixar de fazer um seguro, ou não usar capacete ao andar de bicicleta — ou talvez até pegar covid-19 por complacência.
“Pessoas com viés de otimismo pensam: ‘Farei a coisa certa tomando precauções e, portanto, tenho menos probabilidade de pegar covid-19 do que outros”’, explica Sharot, que escreveu vários livros sobre otimismo.
“Elas também podem acreditar que são mais saudáveis do que as pessoas em geral ou têm genes que as tornam mais resistentes.”
O viés do otimismo ocorre com prevalência igual em toda a população global, mas a cultura desempenha um papel ao influenciar o quão otimistas ou pessimistas as pessoas se consideram.
Em culturas nas quais o otimismo é considerado uma coisa boa, como nos Estados Unidos e na Austrália, as pessoas têm mais probabilidade de se identificarem como otimistas, explica Sharot.
“Em culturas como da França e, até certo ponto, do Reino Unido, é mais provável que elas se digam realistas ou até mesmo pessimistas. Mas os testes provam que elas têm, na verdade, viés de otimismo.”
Apenas 10% dos indivíduos são considerados livres de viés — mas uma em cada duas pessoas com viés de otimismo acredita ser livre de viés.
Outros 10% têm viés de pessimismo — advogados são encontrados com frequência neste grupo.
“Não está claro se é porque pessoas mais pessimistas decidem se tornar advogadas ou se o fato de ser treinado para procurar o pior cenário reduz o otimismo”, diz Sharot.
A idade talvez seja a influência mais marcante.
“O viés do otimismo chega ao fundo do poço na meia-idade”, observa a neurocientista.
“Um dos motivos pode ser o estresse, porque sabemos, por meio de experimentos, que o estresse reduz o viés do otimismo. O estresse é maior durante a meia-idade, potencialmente porque há muita coisa acontecendo, quando se cuida de crianças, pais idosos e se leva uma vida profissional agitada.”
Os pesquisadores descobriram que o viés do otimismo é um produto tanto da natureza quanto da educação. Estudos com gêmeos, por exemplo, mostram que a genética desempenha um papel de 30% a 40%, enquanto a criação responde pelo resto.
Isso é útil porque compreender o papel que o viés do otimismo desempenha em sua vida — e aprender como influenciar seus próprios níveis de otimismo — pode ajudar a aproveitar seus benefícios e evitar armadilhas.
Em nossas carreiras, por exemplo, o otimismo pode se tornar uma profecia autorrealizável, de acordo com Sharot.
“Se você acredita que coisas positivas vão acontecer, isso aumenta sua motivação para se esforçar mais e isso pode mudar o resultado real. E quando esperamos coisas positivas, ficamos mais felizes e isso tem um efeito positivo em nossa saúde, reduzindo coisas como a ansiedade.”
O otimismo também está ligado ao sucesso em várias áreas, seja nos negócios, na política ou nos esportes.
Os CEOs tendem a ser mais otimistas do que as pessoas em geral, assim como os empreendedores, cujo otimismo aumenta ainda mais quando dão o salto para abrir seus negócios.
“Acho que é o otimismo que causa o sucesso, e não o sucesso que gera otimismo, embora tenha certeza de que é um pouco nas duas direções”, avalia Sharot.
O psicólogo americano Martin Seligman ensina as pessoas a cultivar um ponto de vista mais otimista atribuindo causas permanentes a coisas positivas e causas temporárias a coisas negativas.
Uma pessoa pode dizer: ‘Esse projeto deu certo porque sou um bom engenheiro’. Ou: ‘O projeto fracassou porque não dediquei tempo suficiente a ele’.
A mensagem é que coisas boas acontecem por motivos inerentes ao indivíduo, enquanto coisas ruins são atribuídas a causas que podem ser remediadas, como preparações de última hora.
Isso cultiva uma visão positiva de nós mesmos que nos torna otimistas sobre perspectivas futuras.
Também é possível se proteger contra o lado negativo do viés do otimismo; a incapacidade de prever riscos com precisão. Os Jogos Olímpicos são notórios pelos orçamentos exorbitantes; uma pesquisa mostra que o custo médio estimado na candidatura para sede dos Jogos foi ultrapassado em mais de 200% desde 1976.
Isso acontece porque os organizadores tendem a ser excessivamente otimistas sobre quanto podem realizar e subestimar os prazos e custos associados.
Se os futuros candidatos à sede dos Jogos quiserem se proteger contra esse viés, podem ter essa pesquisa em mente e corrigir a previsão de gastos de acordo com ela, aumentando suas estimativas em 200% para evitar extrapolar tanto o orçamento.
Hoje em dia, instituições e empresas tentam se antecipar a esse viés; o guia do Tesouro britânico inclui uma seção abrangente sobre como corrigi-lo, por exemplo.
No ambiente de trabalho, Laslett sugere manter um diário de projeções e resultados para avaliar seu próprio nível de viés e ajustá-lo, se necessário.
Isso pode resultar, por exemplo, em reservar três semanas para concluir um projeto, em vez de duas.
“Durante uma reunião, banque o advogado do diabo. Pergunte: ‘E se esses cenários acontecerem? Como vamos responder’? O plano de contingência pode ajudar a tornar um plano mais provável de refletir a realidade do que apenas o otimismo que alguém pode sentir em relação a uma iniciativa.”
Ver a situação de todos os ângulos é sempre preferível, acrescenta Laslett.
“Qualquer força exagerada se torna uma fraqueza: isto é, o otimismo cego nunca é bom.”
Mas um pouco de otimismo ajuda bastante.
Vangeli tem certeza de que o otimismo foi muito útil ao longo de sua vida, a incentivando até mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
E esse mesmo otimismo pode muito bem alavancá-la para o sucesso quando a pandemia estiver sob controle e a vida normal — incluindo seu negócio de doces — puder recomeçar.