Hamas: o que é o grupo palestino que enfrenta Israel e comanda Gaza

Apesar de terem concordado com o cessar-fogo do conflito, israelenses e palestinos compreendem que a trégua é temporária; para especialista, ações militares só fortalecem o movimento

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Desde o dia 10 de maio, os olhos de todos os países do mundo ficaram voltados para o Oriente Médio. Nos últimos dias, a região foi palco da maior escalada de violência entre Israel e Palestina desde 2014. Desta vez, a tensão entre os povos foi intensificada após famílias palestinas, que vivem em um bairro de Israel, receberem ameaças de despejo. O novo capítulo do conflito se estendeu pelas últimas semanas e deixou, entre civis e militares, mais de 240 mortos. Nesta sexta-feira, 21, israelenses e palestinos concordaram com o cessar-fogo. Mesmo que a medida seja comemorada pela comunidade internacional, israelenses e palestinos compreendem que a trégua é temporária. Isso porque a nova tensão corresponde apenas a um novo capítulo da disputa pela Terra Santa, que se arrasta há décadas.

De um lado, Israel ataca para “combater organizações terroristas”, proteger seu povo e avançar sobre os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Do outro lado, o Hamas – a maior organização islâmica presente nos territórios palestinos, luta pela instauração de um Estado palestino que inclua todo o território da Palestina Histórica – o equivalente à junção das regiões da Faixa de Gaza, Israel e Cisjordânia. Em entrevista à Jovem Pan, o professor de Relações Internacionais e coordenador do núcleo de Oriente Médio da ESPM, Gunther Rudzit, explicou a atuação do Hamas — o grupo palestino que surgiu como forma de resistência à ocupação israelense e atualmente é uma das maiores forças políticas da região.

Quando o Hamas surgiu?

O nome ‘Hamas’ remonta à sigla em árabe para Movimento da Resistência Islâmica (Ḥarakat al-Muqāwamat al-Islāmiyyah). O grupo palestino surgiu em 1987, após a primeira rebelião popular dos palestinos contra a ocupação israelense da região. Fundado com o intuito de destruir Israel através de seu braço militar — as brigadas al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social para o povo, o Hamas se consolidou como o principal movimento que pega em armas para combater o avanço dos israelenses sobre o território. Mesmo sendo um grupo de oposição, o professor Gunther Rudzit esclarece que o próprio Estado de Israel apoiou a criação do Hamas. “Naquele momento, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), outro movimento de oposição, ganhava muita força e se tornava uma grande ameaça a Israel. Com a ideia de enfraquecer a OLP dividindo o apoio dos palestinos ao grupo, Israel apoiou a formação do Hamas. A OLP realmente enfraqueceu, mas a um custo muito alto porque Israel nunca pensou que o Hamas tomaria tamanha proporção”, explicou.

Em seu estatuto original, o Hamas se compromete com a destruição de Israel e a formação do Estado Islâmico. “O Movimento de Resistência Islâmica sustenta que a Palestina é um território de legado hereditário para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição. Ninguém pode negligenciar essa terra, nem mesmo uma parte dela, nem abandoná-la, ou parte dela. […] Nenhuma organização, ou todas as organizações juntas – sejam elas palestinas ou árabes – têm o direito de fazê-lo, porque a Palestina é território de legado hereditário, dado para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição”, registra parte de sua carta de fundação. Conforme os anos se passaram, o movimento alcançou popularidade entre os palestinos, desenvolvendo, além dos braços militar e social, um braço político. Por isso, desde 2007, o Hamas governa a Faixa de Gaza, região onde vivem cerca de dois milhões de habitantes.

O Hamas se envolve em conflitos por questões políticas ou religiosas?

O professor aponta que, no Oriente Médio, a religião é um fator estruturante. Por isso, interesses econômicos e políticos estão atrelados às questões religiosas na região. Por exemplo, Israel e Hamas disputam a Terra Santa há décadas. Para os judeus, o local é conhecido como a “Terra Prometida” por Deus à Abraão. Já para muçulmanos, o território é sagrado porque, além das menções da região no Alcorão, teria sido onde ocorreu a ascensão de Maomé aos céus. Apesar disso, a cada novo conflito, ambos disputam forças políticas e econômicas na região. “O Hamas se refere ao local como ‘A Palestina Islâmica’, mantendo sua postura religiosa”, disse.

Apesar disso, há quem diga que o grupo está deixando de lado alguns de seus princípios, como a luta pela eliminação de Israel. “Estão fazendo um jogo duplo. No que diz respeito à criação da Palestina, parte dos dirigentes do Hamas estão debatendo se princípios devem ou não serem abandonados. Isso porque, conforme seu estatuto de fundação, o grupo defende a criação de uma única Palestina, que se estenderia do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Atualmente, a maior parte deste território está sob o controle de Israel. Além disso, através de um de seus braços, o Hamas aceita o jogo político como está posto para tentar ocupar o governo da região.”

O movimento pode ser considerado um grupo terrorista?

“A definição ‘grupo terrorista‘ é fundamentalmente política porque, na prática, o terrorismo se utiliza da violência para alcançar objetivos políticos – assim como a guerra”, afirmou Gunther Rudzit. Sendo assim, o professor explica que o Hamas pode ser considerado um grupo terrorista ou não “dependendo de quem o analisa”. “O Hamas não é só uma entidade militar, sua origem é a assistência social, portanto possui hospitais, escolas e bancos na região. Além disso, conforme foi ganhando popularidade, desenvolveu o braço político. Por isso, para muitos governos — sobretudo muçulmanos, o Hamas não é um grupo terrorista. No entanto, para nações historicamente alinhadas a Israel, como Estados Unidos e União Europeia, o movimento é terrorista. Ainda há países que reconhecem apenas as brigadas militares como terroristas porque assim conseguem manter um diálogo com o braço político do Hamas”.

Como o Hamas se mantém financeiramente e militarmente na Faixa de Gaza?

Para responder à questão, Gunther Rudzit deixa claro que o Hamas atua como um governo na Faixa de Gaza. Por isso, além da ajuda financeira de outras nações, o grupo também se mantém localmente, a partir da arrecadação de impostos. “O grande ponto é o braço político do Hamas. Em 2006, ele efetivamente se tornou uma força política e ganhou as eleições com grande apoio em Gaza e na Cisjordânia. No entanto, a organização que ainda hoje comanda a Cisjordânia, a Fatah, não reconheceu a vitória do Hamas, declarou estado de emergência e nunca mais chamou eleições. Desde então, o Hamas controla apenas a Faixa de Gaza. Ele é o governo do local, possui toda uma estrutura social e ainda recebe ajuda financeira de governos da região do Golfo, que são ricos em petróleo. Inclusive, a Arábia Saudita é um dos países que mais ajuda o Hamas financeiramente”, analisa.

De acordo com o professor, as doações dos governos aliados são essenciais para a manutenção do grupo, já que Israel tenta estrangular financeiramente o movimento e a Fatah se recusa a repassar fundos arrecadados. Além disso, ele afirma que a ajuda de outros países é fundamental para as armas chegarem ao Hamas. “As armas são enviadas fundamentalmente pelo Irã, sobretudo os mísseis. Para que o repasse aconteça por água, o Irã conta com a ajuda do Hezbollah, uma organização do Líbano. Às vezes, o Irã também faz o transporte via terra pelo Egito, apesar do país estar tentando interromper a movimentação em suas terras.”

O Hamas se enfraquece nos conflitos contra Israel?

“Cada uma destas ações militares só fortalecem o Hamas. O apoio ao grupo não cresce apenas entre os palestinos que vivem na Faixa de Gaza, sob seu controle, mas também entre aqueles que moram na Cisjordânia. Isso porque, independente da região onde habitam, são irmãos palestinos e apoiam quem está os defendendo — neste caso, o Hamas. O Fatah, que controla a Cisjordânia, não está lutando pelos palestinos de seu território. Por isso, cada vez mais, aumenta o descrédito da população em relação à Fatah, ao passo em que cresce a vontade dos jovens de apoiarem politicamente o Hamas”, explica Rudzit.

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Fonte jovempan
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