A invenção que tornou a vacinação em massa possível
Milhões de adultos em todo o mundo aguardam ser vacinados contra a covid-19 nos próximos meses. O imunizante será aplicado por meio de uma seringa hipodérmica — mas você sabe quem inventou este dispositivo?
A maioria das pessoas com acesso a sistemas de saúde vê as vacinas como a coisa mais natural do mundo.
A seringa que está sendo usada agora para fornecer proteção contra a covid-19 pode parecer simples — mas as aparências enganam.
A seringa hipodérmica levou milhares de anos para ser criada de modo que permitisse a vacinação em massa hoje.
O cirurgião irlandês Francis Rynd e o médico francês Charles Pravaz deram uma grande contribuição para esse campo em meados do século 19.
Mas o médico escocês Alexander Wood é amplamente reconhecido como o inventor da seringa hipodérmica dos dias modernos.
Wood pode não ter tido muita noção da importância de sua invenção na década de 1850.
Mas sua criação — uma seringa toda de vidro com êmbolo e agulha de orifício fino — se tornaria um dispositivo médico tão simbólico quanto o estetoscópio.
As seringas, de uma forma ou de outra, existem pelo menos desde a época do médico grego Hipócrates no século 5 a.C.
As primeiras versões eram rudimentares. Feitas a partir de bexigas de animais, tubos ou penas, eram amplamente usadas para irrigação — a prática de limpar ou lavar uma ferida ou corpo — ou enemas (lavagem que injeta água no intestino).
No século 11, um oftalmologista egípcio usou a primeira ferramenta semelhante à seringa hipodérmica para remover cataratas.
Mas somente em meados do século 17 que os primeiros experimentos confirmados de injeção intravenosa foram realizados.
Em experimentos com cães em 1656, o britânico Christopher Wren — mais conhecido como arquiteto — injetou drogas nos cachorros usando uma bexiga de animal presa a uma pena de ganso oca.
“Ele injetou ópio, álcool e crocus metallorum (emético, indutor do vômito, do século 17) em cães diferentes”, explica a anestesista Christine Ball, curadora honorária do Museu Geoffrey Kaye de História da Anestesia em Melbourne, na Austrália.
“Como era de se esperar, o primeiro foi dormir, o segundo ficou muito bêbado e o terceiro bem morto.”
Quando Edward Jenner, que criou a primeira vacina do mundo, apareceu em cena quase 150 anos depois, ainda não havia sinal de um método sofisticado de injeção de drogas no corpo humano.
Em 1796, ele vacinou com sucesso um menino de oito anos contra a varíola.
No entanto, a vacina foi aplicada por meio de um corte e, portanto, não era tecnicamente uma injeção.
Em meados do século 19, a medicina começou a se concentrar em um sistema mais eficiente de administração de medicamentos.
Em 1844, o cirurgião irlandês Francis Rynd inventou o que foi indiscutivelmente a primeira agulha oca do mundo.
Mas era um dispositivo que usava a gravidade para fazer o líquido fluir e envolvia romper a pele com uma ferramenta conhecida como trocarte.
Em 10 anos, no entanto, surgiu a versão moderna da agulha hipodérmica.
Em 1853, o médico Alexander Wood, nascido em Fife, na Escócia, adicionou um êmbolo e desenvolveu a primeira seringa totalmente de vidro que permitia aos médicos estimarem a dosagem com base na quantidade de líquido observada através do vidro.
Sua primeira paciente foi uma mulher de 80 anos que sofria de uma forma de neuralgia.
Preocupado apenas em aliviar a dor localizada, ele injetou nela 20 gotas de solução vínica de morfina (morfina dissolvida em vinho xerez) na parte do ombro onde a dor era mais forte.
Na sequência, ela adormeceu profundamente, mas depois se recuperou.
A invenção de Wood coincidiu, ao que tudo indica completamente por acaso, com a criação no mesmo ano de um instrumento semelhante pelo cirurgião francês Charles Pravaz.
Mas enquanto o dispositivo de Wood era feito de vidro e apresentava um êmbolo, a invenção de Pravaz era composta em grande parte por prata e usava um parafuso que precisava ser girado para empurrar o medicamento para dentro do corpo.
O tratamento de Wood por injeção subcutânea rapidamente se tornou popular na Grã-Bretanha.
E seus instrumentos foram anunciados como “seringas para injeção de narcóticos do Dr. Alexander Wood”.
Vários anos se passaram até que o cirurgião londrino Charles Hunter cunhou o termo “hipodérmico”, baseado nas palavras gregas “hipo” (abaixo) e “derma” (pele).
O Royal College of Physicians de Edimburgo (RCPE) diz que há duas razões pelas quais Wood, um dos ex-presidentes da organização, deve receber o crédito em vez de Pravaz.
“Em primeiro lugar, Wood testou sua nova seringa usando-a para injetar remédio (morfina) em uma paciente, enquanto Pravaz testava a sua em uma ovelha. Portanto, a eficácia do método de Wood era mais clara”, explica Daisy Cunynghame, gerente de biblioteca e patrimônio do RCPE.
“Em segundo lugar, Pravaz morreu antes de publicar suas descobertas — enquanto Wood publicou sobre sua descoberta.”
Segundo ela, a agulha hipodérmica dos dias modernos mudou muito pouco em relação ao design de Wood.
“A principal diferença está no material de que a seringa é feita — mais plásticos descartáveis, menos vidro e metal —, mas, fora isso, o design permanece praticamente inalterado.”
“A dosagem precisa que é necessária para muitos medicamentos, incluindo vacinas, só foi possível com a invenção de Wood.”